Plínio de Arruda Sampaio
Em Plínio, aquele perfil marcadamente aquilino denunciava sua inclinação vigorosa para a liderança e os altos vôos do poder, mas o olhar ameno e o sorriso acolhedor, em meio à família e aos amigos, indicava que sua vocação mais autêntica e sincera seria outra - a de pastor de almas.
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Atualizado às 15:36
O sociólogo Francisco de Oliveira, em sóbrias e comovidas palavras, sem discurso, disse tudo sobre Plínio de Arruda Sampaio, acabado de falecer: "Plínio estava acima de qualquer referência entre os homens públicos do Brasil." Porque Plínio foi um idealista em estado puro, por assim dizer, virginal. Como todo idealista quimicamente puro, ele era igualmente intransigente com adversários e com parceiros.
Mas aqui começa o paradoxo. Plínio era radical, inflexível em suas convicções, mas no trato pessoal, ninguém mais doce e carinhoso, o que transparecia em seu olhar e em seu sorriso. O constante bom humor lubrificava suas polêmicas na televisão com farpas irônicas e tiradas inteligentes que conquistavam os espectadores.
Éramos amigos, mas à distância, não nos freqüentávamos. O que não impediu que, certa feita, sem ele perceber, eu o surpreendesse numa atitude reveladora, sentado no banco da capela da PUC, na Rua Monte Alegre, durante a missa de domingo. Ao passar por ele gravei na memória seu retrato de corpo e de alma: jovem ainda, estudante e solteiro, Plínio segurava firmemente o livro de missa, e no rosto, a expressão convicta e resoluta de um cruzado medieval. Bem entendido, daquela Idade Média não obscurantista, a Idade Média das catedrais, das universidades e das cruzadas. Foi um segundo, mas deu para intuir que ali estava o futuro católico de esquerda, e simpatizante da teologia da libertação, o idealista combativo e generoso que faria de sua vida a luta sem tréguas pela igualdade e dignidade do ser humano.
Seu primeiro mestre e figura exemplar, foi o pai, o eminente desembargador Arruda Sampaio, homem de caráter reto e impoluto, conhecido pela coragem inabalável em momentos difíceis. Poeta nas horas vagas. Era muito amigo do Luiz, meu irmão mais velho, procurador de justiça.
Outro mestre marcante em sua formação foi o professor Heraldo Barbuy, seu docente e de quem também fui aluno, como ainda o poeta Paulo Bomfim e o economista Antonio Delfim Netto. Barbuy era uma figura inesquecível, apaixonante, que marcou gerações com aquela palavra grandiosa, matizada, que desvendava aos alunos o vasto panorama da cultura ocidental, literatura e filosofia, Idade Média e o Ciclo Bretão. Romântico hugoano, em grande estilo.
Plínio esteve também muito próximo dos principais fundadores do Partido Democrata Cristão, PDC, Antonio de Queiroz Filho e André Franco Montoro, futuro governador, de quem também fui aluno no curso de direito. Queiroz Filho, intelectual de formação francesa, discípulo do pensador tomista Jacques Maritain, foi uma personalidade também inesquecível, grande orador e primoroso conversador, homem fino, encantador, que conquistava a admiração do ouvinte no primeiro contato.
Em Plínio, aquele perfil marcadamente aquilino denunciava sua inclinação vigorosa para a liderança e os altos vôos do poder, mas o olhar ameno e o sorriso acolhedor, em meio à família e aos amigos, indicava que sua vocação mais autêntica e sincera seria outra - a de pastor de almas.
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.