Copa do Mundo: Trabalho ou futebol?
Ainda quando a concessão de folgas nos dias de jogos não é obrigação dos empregadores, é inegável que exigir trabalho dos empregados nesse momento pode resultar num sentimento de revolta e numa baixa produção, o que não é interessante para nenhuma das partes.
terça-feira, 17 de junho de 2014
Atualizado em 16 de junho de 2014 12:42
A Copa do Mundo FIFA 2014 chegou ao Brasil e trouxe consigo, junto da inegável comoção nacional, diversos questionamentos acerca da jornada de trabalho nos dias de jogos, sobretudo quando a seleção canarinho estiver em campo.
Questionamento bastante comum entre empregadores e empregados se refere à obrigatoriedade do trabalho nesses dias de tão especial evento futebolístico. Contudo, seguindo a infeliz tradição nacional de deixar tudo para a última hora, os mais apaixonados por futebol podem se frustrar com a resposta (ou a sua falta) dada pelo poder público.
De início, registre-se que já existe regulamentação acerca dos feriados e as regras devem ser observadas, independente da Copa. Nesse sentido, a lei 9.093/95 dispõe que são feriados civis aqueles declarados
Dessa forma, há no ordenamento jurídico brasileiro regras que estipulam, de forma taxativa, as hipóteses válidas de constituição de feriados pelo poder público.
No entanto, dada a notória excepcionalidade do evento, foi editada a lei Federal 12.663/12, que prevê a possibilidade de a União declarar, durante a Copa do Mundo, feriados nacionais os dias em que houver jogo da Seleção Brasileira. A citada lei também atribuiu aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que sediarão o evento a faculdade de declarar feriado ou ponto facultativo os dias de jogos no local.
A lei é válida e poderia dar ensejo a um tratamento conjunto e planejado à questão. Sem dúvidas, conciliar os interesses e o desejo de produtividade da estagnada economia nacional com o inegável entusiasmo popular. Não é, contudo, o que ocorreu até o presente momento.
Fragilizada na gestão econômica e governando com foco nas urnas de Outubro, o Governo Federal lavou as mãos e deixou tudo no colo dos Estados que receberão os jogos da Copa. Como luta contra um "pibinho" e uma perceptível estagnação econômica, nenhum feriado foi declarado em dias de jogos da Seleção Brasileira.
Aqui, seguindo a linha de privilegiar o trabalho e a produção, o Estado de Pernambuco apenas regulamentou os horários de trabalho do serviço público, tendo declarado ponto facultativo a partir das 12h os dias 12 e 17, e ponto facultativo integral os dias 20, 23 e 26 (todos do mês de junho).
Nesse cenário, tem-se que o Poder Público não fez valer a prerrogativa dada pela lei 12.663/12. Sendo assim, nenhum novo feriado foi estabelecido e permanecem absoluta e exclusivamente vigentes as regras dispostas na lei 9.093/95. Na teoria, os horários dos jogos da Copa, inclusive os do Brasil, são de trabalho normal.
Sobrou para os empregadores a tarefa de conciliar o seu desejo de produção com a catarse coletiva dos brasileiros durante os jogos da Seleção em uma Copa do Mundo.
Sem dúvidas, ainda quando a concessão de folgas nos dias de jogos não é obrigação dos empregadores, é inegável que exigir trabalho dos empregados nesse momento pode resultar num sentimento de revolta e numa baixa produção, o que não é interessante para nenhuma das partes.
Dessa forma, seguindo as regras gerais da legislação trabalhista, é possível conciliar os interesses supostamente conflitantes, sem que ninguém saia no prejuízo (financeiro ou futebolístico). São exemplos de medidas que podem ser adotadas:
a) compensação de horas mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, através de um banco de horas - folgas para os jogos podem ser compensadas em até um ano;
b) compensação de horas mediante acordo coletivo de trabalho, sem instituição do banco de horas - folgas podem ser compensadas dentro do mesmo mês;
c) compensação de horas através de acordo bilateral entre empregador e empregado - folgas podem ser compensadas apenas dentro da mesma semana, desde que eventual acréscimo em um dia não ultrapasse o limite de duas horas extras;
d) liberação por parte da empresa, sem compensação - folgas são concedidas como uma benesse, sendo abonadas;
e) rodízio entre empregados - dispensa de parte dos empregados, alternando os beneficiários, sem distinção ou discriminação, em casos que a liberação de todos os trabalhadores pode acarretar prejuízos para a empresa;
f) suspensão temporária dos serviços, com instalação de estrutura para que os empregados possam assistir aos jogos em local apropriado e seguro no interior do próprio estabelecimento da empresa.
Assim, em que pese a inércia (ou a falta de coragem) do Poder Público e a ausência de regulamentação específica, é possível conciliar o ânimo coletivo que envolve a Copa do Mundo e os jogos da Seleção com a necessidade de produzir e trabalhar.
Nesses momentos, a razoabilidade e a sensibilidade dos empregadores devem nortear o tratamento da questão, de modo que a produtividade e a harmonia sejam sempre presentes no ambiente de trabalho de seus empregados.
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* Arnaldo José de Barros Neto é advogado de Martorelli Advogados.