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A CPI exclusiva da Petrobras, por Ovídio Rocha Barros Sandoval

A CPI da Petrobras e a pretendida amplitude defendida pela presidência do Senado Federal

Fato determinado é o fato concreto, individuado e que tenha relevante interesse para a vida política, econômica, jurídica e social do Estado brasileiro. No ordenamento constitucional brasileiro, não se admitem investigações difusas.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Atualizado às 09:19

Em debate se encontra a questão da abertura de CPI para investigar fatos praticados no âmbito da Petrobras, sendo que a maioria no Congresso Nacional propôs, com beneplácito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, fosse ampliado o âmbito daquela Comissão para abranger, também, atos concernentes ao Metrô de São Paulo e ao Porto de Sauípe, Estado de Pernambuco. O impasse chegou ao Supremo Tribunal Federal, tendo sido concedida liminar pela ilustre ministra Rosa Weber, determinando que a Comissão a ser instalada haverá de se ater, exclusivamente, a fatos determinados concernentes à Petrobras. Pelo que a mídia anuncia, o senhor Presidente do Senado Federal teria dito, de Roma onde se encontra, que a decisão do Pretório Excelso seria uma intromissão na independência e autonomia do Poder Legislativo e que, entre uma Comissão mais restrita e outra mais ampla, deve prevalecer esta última.

No ano de 2001 escrevi e publiquei um livro intitulado "CPI ao Pé da Letra", em que procurei realizar um estudo sistemático, histórico e constitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito, no intuito de esclarecer e evitar os abusos praticados por tais Comissões.

A fonte primária da Comissão Parlamentar de Inquérito está na Constituição (art. 58, § 3º.), a exigir que a sua criação e instalação só podem ter por objeto fato determinado e esta exigência é reiterada, no plano infraconstitucional, pela lei 1.579, de 18/3/52 (art. 1º.), bem como nos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Fato determinado é o fato concreto, individuado e que tenha relevante interesse para a vida política, econômica, jurídica e social do Estado brasileiro. No ordenamento constitucional brasileiro, não se admitem investigações difusas.

O fato determinado ou fatos determinados deverão estar devidamente, caracterizados no requerimento da constituição da Comissão (art. 35, § 1º. do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Em tais condições, os poderes de investigação da CPI estão limitados à apuração do fato determinado ou de fatos determinados. A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no "Habeas Corpus" 71.231-2 do Estado do Rio de Janeiro, sendo relator o ilustre ministro Carlos Velloso, é utilizado por muitos no sentido de que a CPI tem poderes para investigar "fatos outros", além do fato determinado. Ledo engano. Para desfazer o olímpico equívoco, basta ler a ementa do acórdão: "I. - A Comissão Parlamentar de Inquérito deve apurar fato determinado (C.F., art. 58, § 3º.). Todavia não está impedida de investigar fatos que se ligam, intimamente, com o fato principal". Logo a ligação ou conexão de outros fatos com o fato determinado deve ser íntima, isto é, direta. Fatos outros que não tiverem íntima e direta ligação com o fato determinado, não poderão ser investigados pela CPI1.

Bem por isso, tenebroso seria amalgamar uma CPI referente a fatos praticados na Petrobras, com outros referentes ao Metrô de São Paulo e ao Porto de Sauípe. Não existe mínima ligação íntima entre eles. Somente se justifica a teimosia, não há palavra outra, da Presidência do Senado Federal, no sentido de se utilizar da CPI como arma política. Aliás, de há muito, ainda na década de 1950, o ilustre Deputado paraibano Samuel Duarte observou, com inegável propriedade, que transformar a CPI "em arma política, de pura conveniência partidária de um grupo, de uma parcialidade sem o objetivo de resguardar a legalidade, a moral administrativa ou os legítimos interesses do Tesouro, importa em fraude à Constituição"2. Para Albérico Fraga, "a criteriosa e sensata aplicação do remédio constitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito poderá realmente conter os desmandos e corrigir os erros do Executivo, assim elas se formem sob os signos de um sadio patriotismo e se situem acima das competições e paixões partidárias."3

Com a mudança do foco das investigações a todo o instante, perde-se a objetividade e a possível apuração séria e responsável do fato, que justificou a sua instalação, o fato determinado. De recordar-se que a falta de objetividade, como enfatiza George Vedel, "tem sido a causa maior da descaracterização e da ineficácia das investigações".4

A Constituição alemã de Weimar (art. 34) foi a primeira a consagrar as comissões de investigação em seu texto. Muito embora não falasse, expressamente, em fato determinado, Ottmar Bühler, como autorizado anotador de seu texto, deixava claro que a comissão haveria de ser criada "para que se ponga en práctica en un caso concrecto", isto é, um fato determinado.5

Entendimento que se tornou regra nas diversas Constituições posteriores, como a nossa de 1934, ao determinar, como requisito da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, a existência de fato determinado, requisito este repetido nas diversas Constituições a seguir promulgadas, inclusive na atual de 1988.

O professor Moacyr Lobo da Costa ao tratar da "Origem, Natureza e Atribuições das Comissões Parlamentares de Inquérito", teve a oportunidade de acentuar que, uma vez "constituídas para a investigação de determinados fatos, as comissões terão ampla ação nas pesquisas determinadas a apurá-los, mas não poderão estender as investigações a outros fatos não compreendidos entres os que deram origem à sua formação". Em suma: "fatos e circunstâncias que não guardam qualquer relação com os fatos determinados, sob investigação; que não lhes digam respeito direta ou indiretamente, não podem ser investigados pela Comissão."6 Aliás, para Francisco Campos, o poder de investigar não é genérico ou indefinido, mas eminentemente específico7, levando o saudoso e querido ministro Saulo Ramos a advertir que não podem as consciências bem formadas, sobretudo aos bem formados nas ciências jurídicas, concordar com a acusação vaga, nebulosa, neblineira, esfumaçada, sem descrição e contorno do fato certo, ainda que fruto de um momentâneo impulso político.8

A CPI chamada da Petrobras, uma vez instalada, haverá de apurar fatos determinados ligados àquela Companhia, tão somente, conforme está dito na liminar do Supremo Tribunal Federal, em tão boa hora concedida, sem exorbitar em seu funcionamento, das regras constitucionais, legais e regimentais. Isto porque, a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito está prevista na Constituição, decorrendo a certeza de que quando o texto constitucional regula de determinada forma a competência e função de um órgão, este deve manter-se dentro dos limites, constitucionalmente, definidos, sendo defesa qualquer modificação. Trata-se da aplicação dos princípios constitucionais da indisponibilidade de competências, da tipicidade de competências e o da conformidade funcional.

Finalmente, não existe qualquer intromissão do Poder Judiciário em assuntos da alçada do Poder Legislativo. Toda CPI do Congresso Nacional está sujeita ao controle jurisdicional do colendo Supremo Tribunal Federal, como pedra angular do Estado Democrático de Direito, pois, de há muito, inclusive na jurisprudência, se entende que "um povo amante do direito à liberdade deseja que o Congresso exerça com liberdade o seu direito de investigação, mas que o faça nos limites da Constituição" e com o devido respeito pelos direitos individuais, enquanto a jurisprudência da Suprema Corte norte-americana "deixou assente que os poderes das comissões, sendo limitados, devem ser mantidos dentro de suas próprias fronteiras, e quando excedidos, tratar-se-á de uma questão jurisdicional a ser conhecida nos tribunais."9

É mais do que chegada a hora dos Parlamentares, cônscios de sua responsabilidade no exercício de seus mandatos e de um sadio patriotismo, meditar sobre o que aconteceu na França, diante dos constantes abusos praticados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito: "Na França os abusos foram tremendos, pois a publicidade é um incentivo à falta de escrúpulos de alguns parlamentares, esquecidos do fim útil e nobre das comissões e que, para interesse próprio (que mascaram com o público), usam das comissões para fins demagógicos, arranjarem novos eleitores e levarem à desonra os inimigos políticos" e, por isso, a lei francesa sobre as comissões parlamentares (lei 53-1215, de 8/12/53), "determina o caráter sigiloso dos trabalhos das comissões, até o relatório final, com sanções penais pela violação do segredo ou do sigilo"10.

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1 A "CPI dos Bingos", por exemplo, foi criada e instalada para investigar aquela prática de jogo de azar e os possíveis ilícitos daí advindos. Todavia passou a trabalhar em cima de outros fatos, tais como: assassinatos dos Prefeitos de Santo André e Campinas; encontros de políticos em mansão do Lago Sul de Brasília; possível pagamento de dívida pessoal do Presidente da República, por correligionário partidário; questões atinentes ao denominado Caixa 2 em Prefeituras e assim por diante. Fatos que não tinham, à evidência, qualquer ligação íntima com o fato determinado. Parece que a referida Comissão escolhia o fato do dia, que tivesse repercussão na mídia, para movimentar seus membros. Foi, na verdade, a CPI dos fatos indeterminados ou a CPI do fim do mundo.

2 OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, "CPI ao Pé da Letra", Ed. Millennium, Campinas, 1ª. ed., 2001, n. 105, p. 181.

3 Idem.

4 OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, "CPI ao Pé da Letra", Ed.Millennium, Campinas, 1ª. ed., 2001, n. 38, p. 36.

5 "La Constitución Alemana", Ed. Labor, Madrid, 1951, p. 64.

6 "Rev. de Dir. Público", vol. 9/116.

7 "Rev. Forense", vol. 195/86.

8 Parecer da Consultoria-Geral da República já citado.

9 OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, "CPI ao Pé da Letra", Ed. Millennium, Campinas, ed. 2001, n. 93, ps. 139 e 140.

10 Idem, ps. 181 e 182.

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* Ovídio Rocha Barros Sandoval é advogado do escritório Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão Sociedade de Advogados.









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