Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 410 - Propriedade de Recursos Naturais
Em 14 de junho de 2005, o Deputado Federal Luciano Zica (PT/SP) apresentou na Câmara de Deputados a Proposta de Emenda à Constituição Federal Nº410 ("PEC 410/2005") que tem por objetivo alterar o caput do artigo 1762 da Constituição Federal, que trata da propriedade da União das jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2006
Atualizado em 4 de janeiro de 2006 14:02
Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 410 - Propriedade de Recursos Naturais
Laura H. Pinheiro de Oliveira*
Felipe de Queiroz Batista*
1. - Em 14 de junho de 2005, o Deputado Federal Luciano Zica (PT/SP) apresentou na Câmara de Deputados a Proposta de Emenda à Constituição Federal Nº410 ("PEC 410/2005")1 que tem por objetivo alterar o caput do artigo 1762 da Constituição Federal, que trata da propriedade da União das jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica.
2. - De acordo com a proposta apresentada, deverá ser suprimida a garantia aos concessionários à propriedade do produto da lavra dos recursos naturais mencionados acima.
3. - Segundo a justificativa apresentada pelo Deputado, "em todo o mundo, um dos aspectos mais relevantes para a soberania e independência das nações é o da posse e acesso aos recursos naturais, especialmente os minerais e os energéticos.".3
4. - Vale ressaltar, todavia, que a redação atual de nossa Constituição Federal não suprime de forma alguma o direito de acesso da União aos recursos naturais mencionados no artigo 176, e ainda garante a propriedade da União sobre tais recursos. A exploração e o aproveitamento dos recursos naturais são realizados sempre mediante autorização ou concessão da União, respeitado o interesse nacional (parágrafo 1º do artigo 176 da Constituição Federal, que não é objeto de modificação da PEC 410/2005).
5. - Adiante, a justificação anexa à PEC 410/2005 sustenta que "no que diz respeito a nossos recursos energéticos, por se constituir o petróleo extraído em propriedade do concessionário da lavra, não existe, absolutamente, a certeza de que os produtores de petróleo estejam comprometidos com o atendimento às necessidades de nosso abastecimento doméstico."
6. - Dessa forma, o autor da proposta parece desconsiderar toda a estrutura legislativa já existente e consolidada do setor de petróleo brasileiro. Inicialmente, podemos citar a Lei No. 9.478, de 6 de agosto de 1997 (a "Lei do Petróleo"), que amparada na nossa Constituição Federal estabelece:"Art. 1°. As políticas nacionais para aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos: (...)V - garantir o fornecimento de derivados do petróleo em todo o território nacional, nos termos do parágrafo 2° do art. 177 da Constituição Federal; (...)"
7. - De forma mais clara ainda, o Decreto No. 2.926, de 7 de janeiro de 1999 ("Decreto No. 2.926/99"), que estabelece a regulamentação para o exercício da atividade de exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado, já garante o necessário abastecimento do mercado nacional. Isso porque, em seu artigo 1°, condiciona a exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado à autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - "ANP", na forma da Lei do Petróleo.
8. - Dentre as diretrizes básicas para a exportação de petróleo e seus derivados e de gás natural e condensado, vale ressaltar aquela contida no art. 2°, I do Decreto No. 2.926/99, que transcrevemos abaixo:
"Art. 2°. Sem prejuízo do atendimento ao disposto na legislação sobre comércio exterior, as exportações de petróleo e seus derivados e de gás natural e condensado observarão as seguintes diretrizes básicas:
I - a atividade de exportação obedecerá às prioridades fixadas pela política energética nacional e não deverá comprometer as necessidades internas do abastecimento nacional; (...)"
9. - Na mesma linha já dispõe também a regulamentação da ANP (Portaria ANP No. 7, de 12 de janeiro de 1999) que, além de reforçar a necessidade de prévia autorização da ANP para o exercício da atividade de exportação de petróleo (art. 1°), estabelece que a não observância à diretriz contida no item 8 acima, dentre outras, implicará em suspensão do cadastramento e autorização (para exportação) anteriormente concedidos.
10. - O próprio contrato de concessão firmado com a ANP para a exploração e produção de petróleo e gás natural no País traz a previsão de limitação à exportação pelo concessionário do petróleo e gás natural em caso de emergência nacional declarada pelo Presidente da República ou pelo Congresso Nacional.4
11. - Por fim, podemos destacar ainda que a justificativa anexa à PEC 410/2005 traz o argumento de que, desde o ano de 1991, existe a determinação legal de se constituir o Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, a ser encaminhado, em cada exercício, ao Congresso Nacional para aprovação e que tal determinação não foi cumprida uma única vez desde o início de sua vigência. De fato, o Sistema Nacional de Estoque de Combustíveis e o Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis estão previstos na Lei No. 8.176 de 8 de fevereiro de 1991 ("Lei No. 8.176/91"), o que só confirma a tese de que não há necessidade de alterar-se a legislação vigente, mas apenas de cumprir aquela que já está em vigor, para que os mesmos objetivos sejam atingidos.
12. - Pelo acima exposto, a nosso ver, fica claro que a modificação contida na PEC 410/2005 seria inócua, tendo em vista que seu intuito de proteger a soberania e o mercado nacionais já é alcançado pelas normas hoje vigentes, seja pela Constituição Federal como atualmente redigida, seja pelas normas infra-constitucionais (Lei do Petróleo, Lei No. 8.176/91, Decreto No. 2.926/99 e Portaria ANP No. 7/99).
13. - Além de inócua aos seus fins, a PEC 410/2005 representaria o retrocesso de um arcabouço legislativo já consolidado. Representaria, ainda, insegurança para um setor sensível como o do petróleo, que depende de investimentos substanciais por longos períodos de tempo e, conseqüentemente, de conforto para os investidores de que as "regras do jogo" não serão modificadas durante a vida de seus projetos.
14. - No momento em que o Brasil busca uma melhoria na sua percepção de risco pelo mercado internacional, a PEC 410/2005 presta um desserviço ao aventar que o produto da lavra do petróleo, fruto de pesados investimentos em pesquisa, exploração e produção por sociedades que participaram de um processo de licitação altamente competitivo para tornarem-se concessionárias do poder público, poderia vir a pertencer, de forma arbitrária, à União.
15. - Além disso, a referida PEC 410/2005 teria impacto direto em toda a atividade de exploração mineral no Brasil.16. - As regras de proteção aos interesses do mercado e da soberania nacionais já estão fixadas e bem consolidadas no arcabouço legislativo nacional. Não há necessidade de mexermos em time que está ganhando.
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1 ".Artigo único. O caput do art. 176 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação: "Art.176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União.".
2 "Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra." (grifos nossos).
3 Extrato da justificação anexa à PEC Nº410/2005.
4 Como exemplo, os Contratos de Concessão da 7a Rodada de Licitações promovida pela ANP em outubro de 2005, trazem o seguinte dispositivo: "Abastecimento do Mercado Nacional - 11.5. Se, em caso de emergência nacional, que possa colocar em risco o fornecimento de petróleo ou gás natural no território nacional declarada pelo Presidente da República ou pelo Congresso Nacional, houver necessidade de limitar exportações de Petróleo ou Gás Natural, a ANP poderá, mediante notificação por escrito com antecedência de 30 (trinta) dias, determinar que o Concessionário atenda, com Petróleo e Gás Natural por ele produzidos e recebidos nos termos deste Contrato, às necessidades do mercado interno ou de composição dos estoques estratégicos do País. A participação do Concessionário será feita, em cada mês, na proporção de sua participação na Produção nacional de Petróleo e Gás Natural do mês anterior."
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este memorando foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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