MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Almoço com o MASP

Almoço com o MASP

Existe um fim comercial do restaurante que se utiliza das fotografias do MASP em sua atividade?

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Atualizado às 09:35

Muito comumente nós, profissionais do direito, nos deparamos com diversas situações cotidianas que nos remetem a uma variada gama de reflexões e debates sobre algum tema jurídico que passa despercebido pelos olhos mais leigos.

Recentemente, em um almoço, deparei-me refletindo acerca de algumas questões a partir de uma simples fotografia que retratava o museu do MASP (Museu de Arte de São Paulo) nos jogos americanos, utilizado por um restaurante próximo ao museu.

Em uma análise superficial, não teríamos grandes discussões acerca de quem seria o detentor dos direitos da fotografia utilizada. Conforme preceitua o art. 7, inc. VII, da lei 9.610/98, fotografias são obras intelectuais e os direitos autorais pertencem a quem as tirou. Havendo pessoas ou objetos na fotografia, e tendo essa uma destinação comercial, a utilização fica condicionada à aquiescência, por escrito, da pessoa ou da detentora dos direitos sobre o objeto retratado.

Naquele momento passei a me questionar se o uso que o restaurante fazia das fotografias poderia configurar eventual violação dos direitos autorais do responsável pelo projeto artístico do MASP, levando-se em conta que o restaurante não tivesse autorização para tal. Para realizar essa análise, fui pesquisar a história de uma das instituições mais importantes para a cultura brasileira e paulistana.

O museu foi inaugurado em 2 de outubro de 1947 em sua antiga sede na Rua Sete de Abril, Centro de SP, sendo o arquiteto francês Jacques Pilon o responsável por sua concepção. Já no final da década de 1950 seu espaço não era mais compatível com o volume de obras, tendo sua transferência para o espaço que ocupa hoje na avenida paulista se concretizado em 1968.

O atual projeto arquitetônico do museu, com suas famosas quatro grandes colunas formando um vão livre de mais de 70 metros, foi concebido pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi e, hoje, encontra-se tombado como patrimônio cultural pelas três esferas do poder executivo.

Pois bem, a dúvida que remanesce: deveria o dono do restaurante possuir autorização dos herdeiros da arquiteta Lina Bo Bardi para utilizar-se da fotografia do MASP em seu comércio ou seria o caso de incidência no artigo 48 da lei de direitos autorais, que dispõe que as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais?

Em nosso repositório jurisprudencial existem poucas decisões que tratam diretamente do assunto. O RESp 951.521/MA, julgado pela 4ª turma do STJ foi uma delas. Nesse caso, as imagens do Cristo Redentor estavam sendo apostas em cartões telefônicos e vendidos sem autorização de quem possui os direitos de uso da imagem e da obra do Cristo Redentor. O julgamento não foi unânime, mas prevaleceu o entendimento do relator, ministro Aldir Passarinho Júnior, de que o uso era desautorizado por sua finalidade estritamente comercial. Senão vejamos um pequeno trecho do brilhante voto:

À toda evidência, a mera reprodução por fotografia de uma obra exposta em logradouro não configura ilicitude. A aludida norma legal dá essa liberdade, bem como a sua representação por outros meios. Porém, o sentido da liberdade há que ser conjugado com os direitos assegurados nos arts. 77 e 78 do mesmo diploma, que versam sobre a utilização da obra, portanto o seu proveito de ordem econômica, como geradora de renda para terceiros, alheios à sua confecção. Se o intuito é comercial direta ou indiretamente, a hipótese não é a do art. 48, mas a dos arts. 77 e 78. Destarte, no momento em que a foto serve à ilustração de produto comercializado por terceiro para obtenção de lucro e sem a devida autorização, passa-se a ofender o direito autoral do artista, agravado, na espécie, pelo fato de não ter havido sequer alusão ao seu nome.

O revisor, ministro Raúl Araújo, em entendimento contrário, entendeu pela inexistência de violação, considerando que onerar o uso da obra iria de encontro ao artigo 48 da lei de direitos autorais que dispõe sobre o caráter não retributivo de obras em logradouros públicos. A ministra Maria Isabel Gallotti acompanhou o relator.

Temos nessa decisão um ponto interessante e que nos serve de baliza para o caso do restaurante. Existe um fim comercial do restaurante que se utiliza das fotografias do MASP em sua atividade ou ele somente se utiliza de um ponto de referência na cidade de SP para fixar em seus consumidores o local de seu estabelecimento?

O que notei, ainda no almoço, foi que o estabelecimento, além da fotografia do MASP no jogo americano, utiliza-se no cardápio e em seu letreiro de um sinal que indica o nome do restaurante acompanhado de um desenho do museu. Haveria aí um uso de marca, ainda que não devidamente registrada perante o INPI.

Ora, o uso de uma marca possui o intuito primariamente comercial. O titular da marca a registra para apô-la em seus produtos, para deixar seu nome no mercado e gerar lucros. Sob esse ponto de vista, o restaurante estaria se aproveitando indevidamente da imagem do museu, arrebatando para si dividendos que deveriam ser repassados em parte a quem possui os direitos autorais sobre o projeto do MASP.

Acredito que o uso da fotografia, por si só, não geraria consequências no campo dos direitos autorais, pois não haveria a finalidade comercial em seu uso, servindo apenas para retratar um ponto de referência do restaurante, incidindo no artigo 48 da lei de direitos autorais. Se retirássemos dos suportes de prato a fotografia, nada ou muito pouco haveria em desfavor do restaurante, considerando que o nome empresarial do estabelecimento não remete de forma algum ao MASP.

Essas simples elucubrações são interessantes e rendem discussões. Alguns certamente defenderão que o restaurante deveria prestar ao detentor dos direitos autorais do museu retribuição por seu uso, enquanto que outros entenderão que seria absurdo cobrar de um comércio local, que há anos se utiliza do museu como seu ponto de referência, valores pelo uso da imagem.

Incrível o que pode se passar na cabeça de um causídico entre um bife à parmegiana e outro...

____________

*Carlos Eduardo Nelli Principe é advogado da banca Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.

 

 

 

 

 

 

 

 


____________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca