O efeito coletivo das decisões judiciais envolvendo atraso de obras
É de extrema importância que os tribunais, sensíveis ao cenário atual, facultem o pagamento de quaisquer indenizações somente após a entrega das chaves ou mesmo o abatimento de eventual saldo devedor.
quarta-feira, 2 de abril de 2014
Atualizado em 1 de abril de 2014 15:50
A desproporcionalidade entre a oferta e a demanda de mão de obra qualificada, decorrente da própria efervescência do mercado, e a precária infraestrutura logística do país têm repercutido fortemente no atraso de obras. O Judiciário, por sua vez, e em sua maioria, tem determinado às construtoras o cumprimento de obrigações que ameaçam a própria concretização do empreendimento, a exemplo do pagamento antecipado de aluguéis em favor dos adquirentes.
Diferentemente do que se imagina, os efeitos da extensão do prazo de entrega são igualmente prejudiciais às construtoras, pois além da repercussão à imagem institucional, recaem, sobre elas, prejuízos financeiros adicionais, tais como, o acúmulo de juros sobre o valor financiado da construção, a necessidade de contratação de materiais e serviços extras, o congelamento do saldo devedor, a demora no recebimento dos valores das unidades imobiliárias repassados após o financiamento com os bancos, dentre outros, o que faz presumir a ausência de má-fé.
Não bastassem os prejuízos mencionados, uma única ordem judicial liminar pode aumentar demasiadamente o risco de inviabilizar a conclusão do empreendimento imobiliário, se determinar o pagamento antecipado de aluguéis contraídos ou que deixaram de ser recebidos em razão do descumprimento das datas pactuadas, gerando irremediável efeito cascata, na medida em que os demais adquirentes ingressarão com ações individuais de cunho indenizatório.
Considerando a repercussão negativa à coletividade de consumidores, a análise das demandas não pode ser individualizada, conforme o notável entendimento do TJ/PE1 , no qual se ressalta o efeito multiplicador de decisão antecipatória de obrigação de pagar aluguel, bem como a conclusão lógica de que o ajuizamento de várias ações pelos demais compradores põe em risco o fim das obras e prejudica em grandes proporções todos os demais envolvidos.
Outro fator relevante é a análise do montante quitado pelo adquirente, uma vez que a depender do valor arbitrado a título de aluguel multiplicado pelos meses de atraso, à empresa será imposto o pagamento de quantia superior àquela até então recebida, consumando-se o desequilíbrio contratual. Nesses casos, não haverá alternativa justa e razoável senão a rescisão pela construtora, observada a multa penal.
De toda sorte, admitindo-se a regra geral da força obrigatória dos contratos, é de extrema importância que os tribunais, sensíveis ao cenário atual, facultem o pagamento de quaisquer indenizações somente após a entrega das chaves ou mesmo o abatimento de eventual saldo devedor, assim como decidido nos casos envolvendo desistência do plano de consórcio, nos quais se permite a restituição dos valores pagos pelos consorciados somente após o encerramento e a contemplação do grupo, justamente para evitar a dissolução do negócio jurídico, cujo proveito é geral. Entender de forma diversa, nas demandas envolvendo atraso de obras, significa ratificar que o interesse individual prevalece sobre o coletivo.
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1 Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Decisão Monocrática no Agravo de Instrumento nº. 0000393-86.2014.8.17.0000; Relator: Desembargador Cândido Saraiva de Moraes. Proferida em 21/01/2014.
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* Priscilla Chater é titular da Unidade Contencioso Cível Consumidor do escritório Martorelli Advogados.