O obeso e a lei
Não se pode levar a obesidade a ponto tão extremo de impedir um candidato de assumir cargo para o qual foi aprovado.
domingo, 16 de março de 2014
Atualizado às 15:02
O jornal Diário da Região (11/3/14), de São José do Rio Preto/SP, publicou que professora aprovada no concurso de ingresso nos quadros da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo foi impedida de assumir o cargo por ter sido reprovada na perícia médica, que constatou ser portadora de obesidade mórbida, com Índice de Massa Corporal acima de 40.
É constrangedor ouvir comentários que envolvam situações provocadas pela obesidade da pessoa. A notícia, de plano, causa certa comoção social, pois até então obesos e magros dividiam os mesmos espaços e eram titulares dos mesmos direitos, pela isonomia consagrada na Constituição.
É sabido que o excesso de peso provoca problemas graves para a saúde, pois, a exemplo do que acontece nos EUA, país que lidera o ranking do tecido adiposo, a população brasileira se alimenta de produtos ricos em gordura e carboidrato, que ficam alojados no organismo. O crescimento desordenado da população obesa atinge graus de morbidade e passa a ser um problema de saúde pública, que deve acudir as doenças daí decorrentes, tais como: cardiovasculares, diabetes, câncer, hepatite, apneia do sono, estresse e outras.
Estudos da Organização Mundial de Saúde, que elegeu a obesidade como a doença do século XXI, revelam que 30% da população mundial sofre com sobrepeso e obesidade e a pessoa que atinge o Índice de Massa Corporal acima de 40 entra no grupo da obesidade considerada mórbida.
Porém, não se pode levar a obesidade a ponto tão extremo de impedir um candidato de assumir cargo para o qual foi aprovado, nem mesmo privá-lo de exercer qualquer outra função. O que deve ser levado em consideração para a avaliação não é a massa corporal e sim a competência, a inteligência e a aptidão para executar as tarefas inerentes ao cargo. Como se faz com qualquer outra pessoa.
Trata-se de notório preconceito e uma forma indesejável de discriminação, consistente na ofensa ao princípio da isonomia, pois considera desiguais pessoas portadoras de IMC acima do referendado. O óbice afeta não só a garantia de exercer o trabalho, que será proibitivo para tais pessoas, mas a própria convivência social. Critério totalmente injusto, pois não se pode projetar que, futuramente, o profissional apresentará problemas de saúde que o afastará das suas atividades normais. Muitos magros também são acometidos por doenças e vivem em reiteradas licenças médicas. O que se nota é que, se de um lado levanta a voz da inclusão social, com a intenção de pacificar o convívio entre as pessoas, de outro brada o coro divergente.
Se o Estado pretende, na esfera de seus objetivos sociais, ditar regras específicas a respeito da saúde pública, notadamente com medidas proibitivas aos obesos, deve desenvolver programas de proteção à saúde dessa nova categoria, orientando-a a conter o controle de seu peso, com políticas claras de nutrição saudável e balanceada, além de possibilitar com maior frequência o acesso à cirurgia bariátrica, mais conhecida como redutora de estômago. Cria-se, desta forma, para o Estado-providência, outra proteção e agora relacionada com o fantasma da obesidade que ronda o país. Aí sim fica justificada a intromissão estatal nesta área de intimidade pessoal.
O gozo da boa saúde, prudentemente recomendado pelo Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, que será comprovado pela inspeção realizada pelo órgão médico oficial, não pode erigir a obesidade como inaptidão absoluta para o exercício do cargo do magistério. Se assim for, o obeso será considerado um doente e outra opção não se apresenta a não ser a aposentadoria por invalidez, com mais ônus ainda ao Estado. Cai por terra, desta forma, a igualdade que deve prevalecer entre as pessoas, sem distinção de qualquer natureza e fica prejudicado o predicado da dignidade, que é o apogeu perseguido pelo legislador constitucional.
O fato, embora isolado ainda, faz lembrar "O Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, que abrigava somente as pessoas perfeitas, nascidas de espermas e óvulos perfeitos, com saúde ditada pela aceitabilidade do Estado, em sua definição do bem-estar social, numa sociedade organizada por castas, onde às superiores era reservado um trabalho de relevância social e às inferiores as mais banais tarefas.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.
* Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é bacharel em Direito pelo Mackenzie, advogado e mestrando em Direito Civil pela Unesp.