Justiça sob medida
Saudosos os tempos do Tribunal intocado (do Judiciário respeitado), mercê de decisões efetivamente equidistantes e justas, a servirem de parâmetro e referencial às consciências ávidas de Justiça.
sábado, 8 de março de 2014
Atualizado em 6 de março de 2014 16:19
Vinte e sete (27) de fevereiro de 2014, data histórica. Como bem dito pelo presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, "uma maioria de circunstância" (e, doravante, as palavras são minhas) fez o desfavor de desconstituir o primoroso originário julgamento do chamado "mensalão", absolvendo, sob medida, réus de peso político/social do crime de quadrilha ou bando.
Com isso, esses protegidos do poder safam-se, diante duma nação estarrecida (ao menos, no que condiz a consciências esclarecidas), de cumprir pena em regime fechado, mantendo-se no semiaberto. Pergunta-se: por que razão isso aconteceu? Teria sido pela só posição jurídica dos ministros "vencedores", escudada em argumentos de inquestionável peso e justificada adoção?
Para o ministro Joaquim Barbosa, como para mim - simples cidadão brasileiro -, não! Argumentação pífia, de pouco valor jurídico, não tem esse poder. Mas, de fato, o que sucedeu?
O que de algum tempo vem acontecendo neste país. Lula e Dilma, no poder, valendo-se da injustificável prerrogativa legal de indicar os ministros dos tribunais ditos superiores (critério dissociado do merecimento real e permeado pelo fundamento do "interesse ideal"), como verdadeiros técnicos dum time, a dedo, vêm escalando pessoas suscetíveis de, duma ou doutra forma (direta ou indiretamente), atender-lhes aos reclamos, de molde a transformar o STF, no caso específico, verdadeiramente e a refugir às suas célebres e memoráveis decisões, num tribunal político (quase partidário).
A associação dos réus para cometer crimes (delinquir), não fossem as pessoas que são, estava (como está) estampada nos autos do processo. Noutras palavras, fossem outros, sem as "ligações" que lhes adornam o histórico, e, em que pesem os famigerados embargos infringentes, não teriam a mínima chance de escapulirem daquilo que, por direito, lhes estava reservado.
E não se invoque o pretexto de que o julgamento é jurídico, e não popular. Aqui, um e outro se casavam, destinados, iniludível e umbilicalmente, à manutenção do primeiro julgamento; então, da lavra de ministros defensores do melhor Direito e da verdadeira Justiça (alguns dos quais já aposentados e, por isso, infelizmente substituídos).
Desde aquelas substituições, pela notoriedade dos julgamentos precedentes, tem-se mais que a só impressão, mas a real constatação de que, saídos de campo os antigos jogadores, os novos integrantes do "jogo" vieram como que dar satisfação aos técnicos que os escalaram, esquecidos (ou não), quiçá, de que, uma vez investidos no cargo, porque vitalício, só devem satisfação à própria consciência.
Decerto, dirão eles: justamente por isso, decidimos como decidimos. Todavia, difícil acreditar. Há como que um clima - e um clímax - denotador de que, na hipótese, o Direito perdeu espaço a interesses outros, fortes na contextura de inequívoco poder político. De fato, a fraqueza duma posição, inda que no bojo dum tribunal, muitas vezes esconde a fortaleza duma determinação, mais que tarefa, uma quase missão.
Como sugerido pelo ministro Joaquim Barbosa, avizinha-se a perspectiva (virtual) de que, com a atual composição da Corte, se continue na sanha reformadora, para pior.
Saudosos os tempos do Tribunal intocado (do Judiciário respeitado), mercê de decisões efetivamente equidistantes e justas, a servirem de parâmetro e referencial às consciências ávidas de Justiça. Frustrada, pois, não só a consciência nacional, mas o justo desejo de ver a Justiça funcionar, doe a quem doer, trate-se de quem tratar.
Numa democracia de verdade, o último reduto é o Poder Judiciário. Triste da sociedade que dele desconfie, por revestido de mais que o só interesse de fazer prevalecer o melhor direito e a verdadeira Justiça.
O episódio revela, sem dúvida, na base do discurso do direito a preservar (pura retórica vazia de real conteúdo), a contingência infeliz do malogro da esperança dum povo na sua Justiça, a assomar, cada vez mais, a indignação dos homens de bem. Traduz, ainda, verdadeiro perigo à sustentação do arremedo de democracia brasileira, a mais se afigurar a pior e mais nefasta de todas as ditaduras - a institucionalizada.
Enfim, uma vez mais, desfez-se Justiça, aquela originariamente emanada dum julgamento Supremo, então, adstrita às particularidades do caso, compassadamente à consciência nacional do senso comum do homem médio. Por fim, viu-se do advento dum julgamento novo de cartas marcadas, sob a medida e no padrão dos interesses imperiais que inda regem a vida do Brasil, tão distante da nobreza de seus gloriosos destinos.
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* Edison Vicentini Barroso é desembargador do TJ/SP e cidadão brasileiro.