Remoção para acompanhar cônjuge em provimento originário (art. 36, III, a, da lei 8.112/90)
As discussões se iniciam quando o cônjuge do servidor é aprovado em concurso público, tomando posse em localidade diversa daquela antes domiciliada pelo casal e sua família.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Atualizado em 25 de fevereiro de 2014 08:29
No âmbito administrativo, diversas são as possibilidades de remanejamento dos servidores dentro do mesmo quadro do órgão a que estão vinculados.
Uma das que causam maiores discussões é a relativa à remoção para acompanhamento de cônjuge, prevista no art. 36, inciso III, alínea a, da lei 8.112/90, que assim prescreve:
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
[...]
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
[...]
Trata-se, portanto, de direito subjetivo do servidor a remoção quando o seu cônjuge, também servidor público, é removido no interesse da Administração.
Tal premissa não encontra respaldo pura e simplesmente no artigo supracitado. A própria CF/88, no art. 226, preleciona que A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Assim, não pode, por um ato da Administração, a entidade familiar ser aquinhoada.
Referida matéria já foi discutida pelo Poder Judiciário, tendo sido firmado entendimento de que:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 84 DA LEI 8.112/90. CABIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a licença para acompanhar cônjuge, prevista no art. 84 da Lei 8.112/90, trata-se de um direito assegurado ao servidor público, de sorte que, preenchidos os requisitos legais, não há falar em discricionariedade da Administração quanto à sua concessão. Precedentes: REsp 422.437/MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 4/4/2005; e REsp 287.867/PE, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, DJ 13/10/2003; AgRg no REsp 1.195.954/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 30/8/2011; AgRg no Ag 1.157.234/RS, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 6/12/2010; REsp 960.332/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 3/8/2009. [...] 3. Agravo regimental não provido.
(AGRESP 201100373153, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 08/02/2013). [grifo nosso].
Contudo, as discussões se iniciam quando o cônjuge do servidor é aprovado em concurso público, tomando posse em localidade diversa daquela antes domiciliada pelo casal e sua família.
Referida investidura no cargo público denomina-se provimento originário, ou seja, o primeiro ingresso do cidadão no serviço público, sendo que sua lotação naquela localidade não foi a pedido do servidor, nem tão pouco pelo interesse da Administração.
Exemplificando: João é servidor público de determinado Poder da Administração Federal desde 2010, casado com Maria, dona de casa, e residente da cidade de Brasília/DF. Maria, por espontânea vontade, realiza, em 2013, concurso estadual no Estado do Goiás e galga sua nomeação e posse. Nesse caso, não poderá João requerer, com base no art. 36, inciso III, alínea a, da lei 8.112/90, remoção para acompanhar Maria, nem vice-versa.
Isso porque esta situação não se enquadra nos pressupostos legais exigidos para concessão da citada remoção, uma vez que não houve deslocamento do cônjuge ou companheiro (Maria) para outra localidade, muito menos no interesse da Administração.
Trata-se, na realidade, de provimento originário de candidato aprovado em concurso, ato este caracterizado pela voluntariedade do cidadão e não pelo interesse público.
Há, na verdade, uma conveniência do casal, sendo que, ao assumir cargo público em local diferente da cidade onde seu cônjuge, também servidor, se encontra lotado, descaracterizada está a hipótese legal a justificar o deferimento do pedido de remoção, vez que, a teor do dispositivo aplicável, deve haver o deslocamento inicial no interesse da Administração para que a remoção do outro servidor seja deferida.
Em relação aos ditames do art. 226 da CF/88, mencionado alhures, não se aplicam no caso do exemplo, tendo em vista que, no que pese a CF/88 criar o dever do Estado em proteger a entidade familiar, essa proteção deve ser feita, em primeiro lugar, pela própria família. O Estado não pode agir sozinho nessa empreita, muito menos quando os próprios integrantes dessa unidade agem contrariamente à sua proteção.
Assim, verifica-se que, não preenchidos os requisitos do artigo 36, inciso III, alínea a, da lei 8.112/90, em especial por se tratar de provimento originário de cargo público do cônjuge do servidor, a Administração não está obrigada a conceder a remoção vindicada.
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* Fernando Modesto Magalhães Vieira é advogado do escritório Ibaneis Advocacia e Consultoria.