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Homeschooling e planejamento familiar

Fabrício Veiga Costa

Admitir o Homeschooling como uma prática juridicamente aceita no Brasil é o mesmo que legitimar a autonomia dos pais no que tange à violação do direito fundamental à educação de seus filhos.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Atualizado em 18 de fevereiro de 2014 11:17

O fenômeno contemporâneo do Homeschooling consiste na iniciativa dos pais oferecerem aos seus filhos educação intelectual e ensino técnico diretamente em sua residência. Muito sedimentada em países como os Estados Unidos, tal prática visa conferir autonomia aos pais com relação ao Estado quando se trata da educação (formação técnico-científica) de seus filhos. No Brasil tal fenômeno tem crescido substancialmente, fato esse que ensejou a apresentação do PL 3179/12, de autoria do Senador Lincoln Portela. Tal PL visa inserir o §3º no artigo 23 da lei 9394/96 (lei de diretrizes e base), facultando aos pais a educação básica domiciliar, desde que obedecidas as diretrizes gerais instituídas por legislação federal.

A problemática que gira em torno desse tema é a seguinte: o Homeschooling é uma prática pedagógica condizente com o Estatuto da Criança e do Adolescente? Há violação de Direitos Fundamentais da criança que se submete è educação domiciliar imposta pelos pais? Os pais podem escolher se seus filhos têm ou não o direito de irem à escola? Inicialmente é importante esclarecer que esse texto científico visa discutir tal prática no âmbito dos direitos das crianças, ou seja, filhos de até 12 anos incompletos.

A educação é um direito fundamental, de natureza personalíssima, indisponível e irrenunciável. Partindo-se dessa premissa, pode-se afirmar inicialmente que os genitores de crianças não detêm legitimidade para renunciar direitos cuja titularidade pertence aos seus filhos. Ressalta-se, ainda, que a interpretação dos Direitos Fundamentais, no âmbito da constitucionalidade democrática, deve ocorrer de forma extensiva e sistemática. Nesse ínterim, sabe-se que o direito fundamental à educação não pode ser limitado ao direito da criança receber tecnicamente o conhecimento científico reproduzido pelos livros. O ato de ir à escola vai muito além da simples transferência de conhecimento, no contexto proposto pela educação bancária. Ir à escola é a oportunidade que a criança tem de receber e construir conhecimento científico, valores morais, éticos e desenvolver o senso de socialidade e solidariedade.

A escola é o recinto onde a criança apreende a conviver com a diversidade; constrói valores morais e éticos; aprende a ser solidário; descobre que vivemos e convivemos numa sociedade plural; descobre a importância de respeitar o próximo. O papel da escola vai muito além do ato de construir e reproduzir conhecimentos científicos sistematicamente preexistentes. É na escola que encontramos a oportunidade de formar cidadãos no mais amplo sentido da palavra, algo que vem a ser limitado no momento em que se pretende institucionalizar o Homeschooling.

Considerando-se que o ato de ir à escola é corolário do direito fundamental à educação, cuja titularidade pertence à criança, deduz-se, numa perspectiva lógica, que os pais não detêm legitimidade jurídica no que tange à privação do direito de seus filhos frequentarem a escola. Admitir o Homeschooling como uma prática juridicamente aceita no Brasil é o mesmo que legitimar a autonomia dos pais no que tange à violação do direito fundamental à educação de seus filhos.

A Constituição Brasileira de 1988 estabelece o direito de planejamento familiar, cuja autonomia conferida pelo legislador constituinte aos pais esbarra certamente na proteção dos direitos fundamentais de seus filhos. Tal argumentação se torna juridicamente relevante porque muitos genitores buscam justificar a prática da educação domiciliar na legitimidade do exercício do planejamento familiar.

O direito ao planejamento familiar conferido aos pais deve ser pensado e interpretado no contexto da sistematicidade dos direitos fundamentais de natureza personalíssima pertencente aos seus filhos. Ou seja, o planejamento familiar passa a ser exercido ilegitimamente pelos pais no momento em que suas condutas e práticas acarretam a violação de direitos indisponíveis de seus filhos.

Muitos pais que optam pela educação de seus filhos em casa procuram justificar suas escolhas em motivações de ordem moral, religiosa e, principalmente, no desejo de proteger seus filhos de constantes atos de violência (física, moral, psicológica) que frequentemente ocorrem no âmbito escolar. Aparentemente estamos diante de nobres motivações que escondem o desejo dos pais criarem seus filhos em verdadeiras redomas, para que os mesmos não venham a conviver com o pluralismo e a diversidade de ideias e valores que permeiam a sociedade contemporânea e globalizada.

Dessa forma, verifica-se que o Homeschooling certamente é uma tentativa de segmentar e elitizar a reprodução do conhecimento técnico-científico, de modo a retirar das crianças a oportunidade de exercer autonomamente o direito de construir seus próprios valores éticos e morais muitas vezes distintos daqueles perpetrados pelos seus genitores, ressaltando-se que o início de toda essa construção ocorre no ambiente escolar.

O ato de ir à escola não se limita ao ato de transferir conhecimentos de forma mecanicamente estabelecida nos livros uma vez que tem um papel direto na formação e na construção de uma sociedade mais tolerante, solidária, ética e moralmente consciente de que o respeito aos direitos fundamentais é a forma mais legítima para viabilizar o exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito.

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* Fabrício Veiga Costa é doutor em Direito, advogado especialista em Direito das Famílias e membro do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

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