Rolê nos shopping centers
O apartheid social no Brasil não se resolve forçando os shopping centers a equacionar o problema, com franco e irrestrito acesso do público aos seus espaços.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
Atualizado às 08:17
Li atentamente excelente artigo do estimado amigo Luciano Godoy sobre o Direito ao "rolezinho" em shopping centers, publicado aqui no Migalhas, no qual defende a seguinte posição:
"O Shopping Center é propriedade privada de acesso público, como também são as agências bancárias, os hospitais privados, restaurantes, hotéis, os prédios corporativos, até o mesmo o conhecido vão livre do MASP em São Paulo. Podem ter horários fixados para ingresso, saída e permanência. Mas não podemos aceitar que haja discriminação de ingresso por condição social ou econômica, raça, origem, idade, sexo, orientação sexual ou mesmo por ser um grupo oriundo de um convite por uma rede social.
Isso é discriminação e o empreendedor responderá por danos morais e, dependendo da situação, por fato tipificado como crime.
A Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 3º como objetivo do Estado brasileiro promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Outro artigo interessante, publicado neste mesmo espaço, por André Luis Silva Fetal, Promotor de Justiça no Estado da BA, defende o mesmo direito ao "rolezinho", aduzindo o seguinte:
"Decerto, não fomos arrebatados por uma comoção grave de repercussão nacional, mas a solução encontrada para obstar o "rolezinho" foi, em pleno tempo de paz, a adoção de medida drástica digna de estado de sítio. Basta ler o art. 139, IV, da Constituição da República, para dissipar qualquer tentativa de atribuição de sensacionalismo a esta afirmação.
O direito à reunião, a toda evidência, não pertence a todos, trata-se de uma ilusão semeada também em outros verbetes como "democracia", "liberdade", "igualdade" e no extenso rol dos demais direitos e garantias previstos em um documento solene, outrora proclamado efusivamente por uma Assembleia Constituinte subsequente a duas décadas de regime autoritário.
Afinal, de longa data já lecionava Ferdinand Lassale que "os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal e qual elas são".
Em outros termos, embora tenhamos um texto constitucional escrito com pretensão democrática, de pouca valia terá essa folha de papel, haja vista que a outorga de direitos fundamentais é meramente diplomática. A concretização de seu conteúdo nunca interessou, porque jamais foi o propósito das forças políticas vigentes.
Isto explica o fato de a nossa Magna Carta proclamar a igualdade perante a lei, embora alguns espaços de convivência e lazer não sejam acessíveis a todos. Do mesmo modo, prosseguimos enaltecendo a história de Madiba, sem prestigiar a sua causa. Curtimos a sua luta, sem compartilhar dos seus ideais".
Ouso discordar dos argumentos esgrimidos em favor de um ilimitado direito de reunião em shopping centers, como ponto de encontro para atividades que vão muito além da finalidade ínsita ao local. Não há direitos absolutos. E obviamente o direito à reunião não é um direito absoluto, em realidade nem se trata de direito de acesso irrestrito a local comercial.
Veja-se que uma boate pode selecionar as pessoas que nela ingressam em função de parâmetros discricionários. Indago, qual o motivo para que se vede um shopping center de assim proceder igualmente? É um templo de consumo, claro, mas quem ali ingressa pode, sim, ficar exposto ao crivo do sistema de segurança. A discriminação e o preconceito dar-se-iam tão somente se a negativa de acesso estivesse fundamentada em fator ilícito, como a raça, a cor, a religião. No entanto, por exemplo, se estivesse fundada em critério atrelado a um padrão social, como a vestimenta da pessoa, certamente não haveria problema algum. Não é ilícito estipular padrões de vestimenta para frequentar determinados locais. Outrossim, se o fator de censura ocorresse por critérios discricionários do sistema de segurança, fundamentando-se em avaliação de risco, certamente tampouco haveria problema algum. É uma prerrogativa do titular do espaço privado, que abre suas portas ao público e tem direito de oferecer serviços e dever de ofertar segurança, sob pena de responsabilidade.
O apartheid social no Brasil não se resolve forçando os shopping centers a equacionar o problema, com franco e irrestrito acesso do público aos seus espaços. Diversamente, a segurança pública é um desafio dos entes federados, em especial dos Estados e da União Federal, e as políticas sociais e públicas de erradicação da pobreza devem ser eficazes, combatendo desigualdades, miséria, corrupção e proporcionando direitos fundamentais às pessoas.
É necessário que o shopping center pactue suas políticas com os lojistas, isto sim, para não afetar o equilíbrio econômico dos respectivos contratos.
Levando ao extremo os argumentos daqueles que defendem os direitos de acesso irrestrito a shopping centers, indago: os mendigos, por exemplo, podem entrar nos shopping centers? Uma marcha de mendigos? Qual o motivo para a negativa? Ora, obviamente não é do interesse nem dos comerciantes, nem dos donos desses estabelecimentos, que mendigos frequentem shopping centers. Apenas um exemplo extremo para demonstrar que, apesar de chocante, a desigualdade existe e pode refletir-se em posturas empresariais legítimas. É uma opção do comerciante abrir suas portas para aqueles com potencial de compra, com perfil ligado às finalidades institucionais do local. Não vejo discriminação ilícita nessa postura.
Muitos dirão que a desigualdade deve ser erradicada permitindo-se o acesso indistinto de pessoas a todos os locais. Nesse caso, as pessoas poderiam entrar com trajes de banho nos tribunais, ou quem sabe frequentar restaurantes de pijamas. Seria uma opção individual. Mas mesmo nos espaços públicos pode haver limites legítimos ao direito de ir, vir e ficar, e inclusive ao direito de reunião.
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* Fábio Medina Osório é doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri e advogado do escritório Medina Osório Advogados.