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Lei 11.101/05 - Recuperação judicial, Assembleia Geral de Credores e a atuação do Poder Judiciário

Lei 11.101/05 - O processo de recuperação judicial do devedor sob a ótica da Assembleia Geral de Credores em harmonia com a atuação do Poder Judiciário

Bruno Colasuonno

Norma deu tratamento especial à questão ao ampliar consideravelmente as atribuições da Assembleia Geral de Credores.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Atualizado em 13 de janeiro de 2014 13:02

A AGC - Assembleia Geral de Credores constitui um dos pontos de maior relevância na recuperação judicial, disciplinada pelos arts. 35 a 46 da lei 11.101/05, que atualizou e remodelou as possibilidades e os procedimentos de recuperação das empresas em crise econômica.

A nova lei que passou a regular a recuperação judicial deu tratamento especial à questão, ampliando consideravelmente as atribuições da AGC, passando de mero veículo de deliberação das formas de realização do ativo para incluir todas as questões sobre a recuperação judicial, notadamente a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação.

Desta forma, o credor deixou de ser um simples agente passivo, passando a atuar intensamente e de maneira permanente, durante todo o processo de recuperação judicial, por intermédio da Assembleia Geral de Credores.

Em síntese, a AGC traduz-se num colegiado representativo das classes de credores participantes diretamente na recuperação judicial. O art. 41 da lei 11.101/05 preconiza que a Assembleia Geral é composta por três classes de credores: i) a dos titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; ii) a dos titulares de créditos com garantia real e iii) a dos titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou créditos subordinados. Em tese, a Lei pretendeu unir credores com interesses próximos, de modo que a decisão da classe fosse tomada sem grandes divergências e evitasse que a preponderância de certo tipo de crédito fosse prejudicial às demais classes.

A lei determina que a AGC seja convocada pelo juiz, através de edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nos localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 dias, devendo constar: local, data e hora da Assembleia em 1ª e em 2ª convocação, devendo a 2ª convocação ser realizada com intervalo mínimo de 5 dias em relação a 1ª.

A AGC será presidida pelo administrador judicial, que contará com o auxílio de um secretario escolhido dentre os credores presentes. Todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral devem ser reduzidas a termo em ata que conterá os nomes dos presentes, bem como a assinatura do presidente, do devedor e de dois membros de cada uma das classes votantes, devendo ser entregue ao juiz, juntamente com a lista de presença, no prazo de quarenta e oito horas.

Todas as deliberações tomadas pelos membros da AGC, respeitadas as devidas prescrições legais, notadamente quanto aos quóruns específicos de votação, tornar-se-ão de natureza obrigatória para todos os credores após a homologação pelo juiz, abarcando inclusive aqueles que não participaram da assembleia. O juiz ainda detém a prerrogativa de conceder a recuperação judicial mesmo diante da rejeição do plano em Assembleia, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 58, §1°, da lei 11.101/05, hipótese conhecida como "cram down".

Nessa seara, em que pese saibamos que os planos de recuperação judicial, via de regra, estipulem condições não tão vantajosas aos credores, justamente para viabilizar a reestruturação da empresa em recuperação, não podem ser utilizados como artifícios para simplesmente procrastinar a decretação de falência de uma empresa, em manifesto prejuízo aos credores.

Quanto à necessidade de viabilidade econômica do plano, merecem destaque as lições de Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas:

"Pela Lei brasileira, os juízes, em tese, não poderiam deixar de homologar os planos aprovados pela Assembléia dos Credores, quando alcançado o quórum qualificado da lei. Mas, como a aprovação de planos inconsistentes levará à desmoralização do instituto, entendo que, sendo o instrumento aprovado um blá-blá-blá inconteste, o juiz pode deixar de homologá-lo e incumbir o administrador judicial, por exemplo, de procurar construir com o devedor e os credores mais interessados um plano alternativo."

A Jurisprudência do STJ e do TJ/SP corroboram esse entendimento:

"A consistência do plano de recuperação judicial é essencial para o sucesso da reorganização da empresa em crise. Só se justifica o sacrifício imediato de interesses dos credores e, em larga medida, da sociedade brasileira como um todo, derivado da recuperação judicial, se o Plano aprovado pela Assembleia dos Credores for consistente." (STJ - CC n.88.661 - SP (2007/0188584-8), rel. Min Fernando Gonçalves, j. 28/05/2008, grifo nosso).

"Agravo. Recuperação Judicial. Plano aprovado pela assembleia- geral de credores. Plano que prevê o pagamento do passivo em 18 anos, calculando-se os pagamentos em percentuais (2,3%, 2,5% e 3%) incidentes sobre a receita líquida da empresa, iniciando-se os pagamentos a partir do 3º ano contado da aprovação. Previsão de pagamento por cabeça até o 6º ano, acarretando pagamento antecipado dos menores credores, instituindo conflitos de interesses entre os credores da mesma classe. Pagamentos sem incidência de juros. Previsão de remissão ou anistia dos saldos devedores caso, após os pagamentos do 18º ano, não haja recebimento integral. Proposta que viola os princípios gerais do direito, os princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da propriedade, da proporcionalidade e da razoabilidade, em especial o princípio da "pars conditio creditorum" e normas de ordem pública. Previsão que permite a manipulação do resultado das deliberações assembleares. Falta de discriminação dos valores de cada parcela a ser paga que impede a aferição do cumprimento do plano e sua execução específica, haja vista a falta de liquidez e certeza do "quantum" a ser pago. Ilegalidade da cláusula que estabelece o pagamento dos credores quirografários e com garantia real após o decurso do prazo bienal da supervisão judicial (art. 61, 'caput', da Lei nº 11.101/2005). Invalidade (nulidade) da deliberação da assembleia-geral de credores declarada de ofício, com determinação de apresentação de outro plano, no prazo de 30 dias, a ser elaborado em consonância com a Constituição Federal e Lei nº 11.101/2005, a ser submetido à assembleia-geral de credores em 60 dias, sob pena de decreto de falência." (Tribunal de Justiça de São Paulo - Agravo de Instrumento nº 0136362-29.2011.8.26.0000, rel. Des. Pereira Calças, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, unânime, j. 28/02/2012, grifo nosso).

Portanto, verifica-se, pela importância atribuída à Assembleia Geral de Credores e pelo sistema de votos adotado, que o legislador valorizou a participação dos credores acreditando que o interesse coletivo pelo reerguimento prevaleceria sobre os interesses individuais, na expectativa de que os credores fossem os melhores juízes dos seus próprios interesses.

Entretanto, conforme demonstrado acima, diante de um plano de recuperação que viole princípios basilares do Direito, constitucionais e legais, por exemplo, desrespeitando o princípio da igualdade dos credores de cada classe, privilegiando determinada minoria, ou prevendo absurdas condições de pagamento, dentre tantas outras hipóteses que evidenciam desequilíbrio e inconsistência, deve o juiz rejeitar a proposta de recuperação, visto que o Poder Judiciário, nesse caso específico, não pode limitar-se a uma mera análise da legalidade dos atos processuais praticados, cumprindo também, sempre que necessário, a análise do mérito acerca da deliberação sobre a aprovação ou não do plano de recuperação, evitando a desmoralização do instituto da recuperação judicial e preservando o direito dos credores.

Portanto, observa-se que o poder da AGC é revestido de caráter provisoriamente decisório, não se sobrepondo ao jurisdicional, cabendo ao Poder Judiciário exercer uma tutela efetivamente apreciadora das deliberações tomadas em Assembleia, notadamente quando à aprovação do plano de recuperação judicial, o que atribui aos juízes um amplo poder apreciador de mérito, viabilizando a necessária aferição do equilíbrio entre a preservação da função social da empresa e os princípios basilares do Direito, constitucionais e legais, garantindo-se, dessa forma, a necessária, justa e salutar harmonia entre o interesse do devedor e o direito dos credores.

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* Bruno Colasuonno é advogado da área contenciosa do escritório Cerdeira Advogados e Consultores Legais.







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