Alimentos diferidos
Alimentos por necessidade superveniente, quando anteriormente o ex-cônjuge omite a verba alimentar na separação judicial, são alimentos diferidos ou alimentos futuros que podem ser exigidos, quando comprovada uma dependência econômica posterior.
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Atualizado em 9 de janeiro de 2014 11:37
Alimentos por necessidade superveniente, quando anteriormente o ex-cônjuge omite a verba alimentar na separação judicial, são alimentos diferidos ou alimentos futuros que podem ser exigidos, quando comprovada uma dependência econômica posterior.
Neste sentido, a Súmula 336 do Superior Tribunal de Justiça empreende o seu mais exato alcance, ao enunciar o verbete que "a mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito a pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente".
No espectro do atual sistema codificado, tem-se que os alimentos são devidos ao cônjuge que não concorreu com culpa à separação (artigo 1.702 do Código Civil), como alimentos compatíveis às condições sociais anteriores do beneficiário, na forma do artigo 1.694 do mesmo estatuto; e serão apenas aqueles necessários ou naturais, indispensáveis à subsistência ou sobrevivência, os alimentos que devam ser prestados ao ex-cônjuge admitido culpado na separação (artigo 1.704, parágrafo único, CC), como tal entendidos alimentos humanitários.
No ponto, assinala-se, de passagem, que correntes doutrinárias divergem quanto à manutenção do sistema do Código Civil, em pressupostos de culpa ou não-culpa para os alimentos, diante da Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, que dispondo sobre o divórcio, dando nova redação ao parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal, suprimiu o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por dois anos para a sua concessão. E, nesse ser assim, dispensando motivação e prazo, afasta a discussão da culpa para o próprio divórcio, arrastando, de conseguinte, a mesma impossibilidade de discussão para os alimentos. Sustenta-se, porém, que aquelas normas do Código Civil não se acham revogadas, cabendo a discussão em ação autônoma de alimentos, para os fins de arbitramento dos alimentos adequados.
Pois bem. A questão a saber situa-se quanto ao artigo 1.704 do Código Civil, no tocante à sua cláusula expressa: "se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos", significando dizer alimentos diferidos, a depender de ulterior necessidade.
Antes de mais, cumpre observar achar-se o dispositivo revogado ou não pela Emenda Constitucional 66, porquanto teria o novo comando constitucional eliminado a separação judicial como instituto jurídico, ante o largo espectro dado ao divórcio, nada justificando a permanência da separação judicial como uma das formas de disciplinar a extinção da sociedade conjugal.
E mais: a possibilidade de alimentos diferidos, ali tratada, poderia ser estendida ao próprio divórcio, admitindo-se então, ao tempo do divórcio, alimentos diferidos, que possam ser depois reclamados, mesmo rompido o vínculo?
Mais precisamente: revogado o art. 1.704 do Código Civil, por se referir unicamente à separação judicial (demolida pela EC 66/10), serão cabíveis alimentos diferidos, para as pessoas divorciadas? Eis a questão posta.
Em outra latitude, tenha-se presente a disposição do art. 1.707 do Código Civil, segundo a qual, "pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos", que a seu turno tem sido interpretada, minimamente, ou seja, apenas para as relações parentais.
A norma de irrenunciabilidade alimentar tem sido questionada quanto aos cônjuges ou conviventes, sendo certo que nessa esfera, dimensionam-se singularidades outras, a exemplo de permitir inclusive "alimentos transitórios", de caráter indenizatório, com prazo certo, implicando renúncia aos alimentos comuns.
Nesse sentido entenda-se, portanto, admissível, por expressa disposição de vontade, a cláusula de renúncia a alimentos, com a produção de todos os seus efeitos legais, ou seja, válida e eficaz, a não permitir que o ex-cônjuge que renunciou à prestação alimentícia, possa ao futuro exercer a pretensão de obter o encargo.
Em outras palavras, a renúncia alimentar implica em afastar alimentos diferidos no tempo, porque a cláusula persistirá incólume, por segurança jurídica da avença. Significa dizer, à vista do artigo 1.704 do Código Civil, que alimentos diferidos serão apenas aqueles que, em inexistindo a renúncia alimentar por ocasião da separação judicial, poderão ser reclamados diante de uma necessidade superveniente.
Segue-se pensar, nessa linha, a respeito do divórcio, quando desfeito o vínculo, por definitivo, nele não se tratam dos alimentos ao ex-cônjuge, ou seja, não exista cláusula de renúncia e tampouco, discipline-se a respeito de encargos alimentares.
Agora, em Recurso Especial 1073052-SC, a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, pontificou no sentido de que, inexistindo a renúncia alimentar, por ocasião do divórcio, opera-se a hipótese de alimentos diferidos, a permitir o seu reclamo adiante.
O Acórdão, do Relator Ministro Marco Buzzi, apresenta-se bastante elucidativo à questão posta. Vejamos:
"Recurso Especial. Ação de alimentos deduzida em face de ex-cônjuge. Ausência de pedido de fixação do encargo no divórcio litigioso. Impossibilidade jurídica e renúncia tácita reconhecida na sentença de primeiro grau. Manutenção da extinção do feito, sem resolução do mérito (art. 267, VI, do CPC), pelo acórdão local. Insurgência da alimentanda. 01. Tese de violação ao art. 1.704 do Código Civil. Acolhimento. Alimentos não pleiteados por ocasião do divórcio litigioso. Requerimento realizado posteriormente. Viabilidade. Impossibilidade jurídica afastada. Renúncia tácita não caracterizada. 2. Não há falar-se em renúncia do direito aos alimentos ante a simples inércia de seu exercício, porquanto o ato abdicativo do direito deve ser expresso e inequívoco. 3. Em atenção ao princípio da mútua assistência, mesmo após o divórcio, não tendo ocorrido a renúncia aos alimentos por parte do cônjuge que, em razão dos longos anos de duração do matrimônio, não exercera atividade econômica, se vier a padecer de recursos materiais, por não dispor de meios para suprir as próprias necessidades vitais (alimentos necessários), seja por incapacidade laborativa, seja por insuficiência de bens, poderá requerê-la de seu ex-consorte, desde que preenchidos os requisitos legais. 4. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade jurídica do pedido e determinar que o magistrado de primeiro grau dê curso ao processo."
Cai a lanço explicitar mais.
Alimentos diferidos serão aqueles, sempre, à falta de renúncia alimentar expressa e em não havendo sido disciplinada a prestação dos alimentos, mesmo quando do divórcio. O artigo 1.704 do Código Civil, embora não mais subsista a separação judicial, deixa seu recado para os divorciados, sempre que um deles vier a necessitar de alimentos, que resultaram diferidos.
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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE e diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.