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Responsabilidade pré-contratual

A advogada aborda os dois tipos de atos ilícitos comuns na fase que antecede a formalização de um contrato de trabalho : os background checks e a denominada "perda de uma chance".

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Atualizado em 27 de dezembro de 2013 10:46

Como regra, o contrato de trabalho é antecedido de negociações simples e de curta duração. Contudo, especialmente em relação a altos executivos e indivíduos com perfil diferenciado, comumente procurados por headhunters para ocupar significativas posições dentro das mais variadas organizações, as negociações que precedem a formalização de um contrato de trabalho podem tomar bastante tempo.

A exigência cada vez maior das empresas para a contratação de seus empregados e o longo tempo dispendido em negociações de contrato de trabalho têm dado maior espaço ao surgimento do dever de indenizar decorrente de responsabilidade pré-contratual.

A fase pré-contratual é dirigida pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Na fase pré-contratual, também deve ser observado o princípio da boa-fé objetiva, previsto no CC e aplicável a todas as relações jurídicas. Segundo o princípio em questão, os contratantes devem manter a boa-fé não apenas na conclusão e execução do contrato, mas, também, e, principalmente, no nosso entender, na formação do contrato. Como se observa, a responsabilidade pré-contratual é principiológica, não havendo lei que discipline, de forma expressa, esse tipo de responsabilidade do empregador.

Nesse sentido, pretendemos explorar dois tipos de atos ilícitos bastante comuns na fase que antecede o contrato de trabalho, quais sejam, os background checks e a denominada "perda de uma chance".

Os background checks constituem nada mais nada menos do que as investigações sobre a vida pregressa de um candidato a emprego, inclusive no que se refere à maneira como o candidato conduz sua vida financeira.  E é sobre esse ponto que nos ateremos, já que existem outros tipos de investigações da vida pregressa.

A CLT possuía uma disposição para permitir a aplicação da medida disciplinar trabalhista mais rigorosa, ou seja, a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, ao empregado bancário que, de forma contumaz, deixava de pagar dívidas legalmente exigíveis.

Referida disposição estava reproduzida no art. 508 da CLT e foi revogada pela lei 12.347/10. Com a revogação aqui comentada, o legislador impediu não apenas que os empregadores pudessem desligar seus empregados bancários por justa causa. Com esta revogação, ainda que indiretamente, o legislador terminou, também, por impossibilitar o empregador de realizar pesquisas de qualquer tipo de trabalhador em banco de dados de sistemas de proteção ao crédito, seja no curso de uma relação empregatícia ou na fase que a antecede, ou seja, no curso das negociações.

Está em trâmite na Câmara o PL 7.756/10, de autoria do então deputado Mario Couto, o qual visa a inclusão, na CLT, de um dispositivo que proíbe a consulta a banco de dados e cadastros de proteção ao crédito, públicos ou privados, para fins de admissão de empregados.

De acordo com este projeto, a empresa, seja o próprio empregador, ou intermediador de mão-de-obra, empresa de consultoria, e afins, que realizar a consulta aos mencionados cadastros, estará sujeita à multa administrativa, que poderá variar de dez mil a um milhão de reais, além de indenização por danos morais em montante equivalente a, no mínimo, dez vezes o valor do salário oferecido para a posição que o candidato ocuparia.

Os tribunais Trabalhistas, sensíveis ao vazio legislativo e pautados nos princípios anteriormente mencionados, vêm, reiteradamente, condenando empresas que realizam investigação da vida pregressa de candidatos a vaga de emprego e terminam por obstar a contratação devido, por exemplo, ao fato de o candidato possuir seu nome listado em cadastro de proteção ao crédito.

Com esse tipo de discriminação, evidentemente, gera-se um ciclo vicioso, pois o indivíduo que não está empregado e, portanto, que se encontra desprovido de fonte de renda, naturalmente, enfrenta dificuldades para quitar suas dívidas. Acima de tudo, o trabalho é fonte primordial de subsistência. Logo, o direito ao trabalho não pode ser obstaculizado por uma consequência até mesmo natural da falta de colocação no mercado.

Como exemplo da intolerância das Cortes Trabalhistas a esse tipo de prática discriminatória, fazemos referência a um julgado do Tribunal do Trabalho do RS, publicado no final de setembro de 2013.

Na decisão em referência, proferida no processo 0010169-42.2012.5.04.0211, o Tribunal manteve a condenação de uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes, dentre outras razões, de dação de aviso prévio a empregada com nome listado no SPC. A indenização, no caso, foi de R$ 4 mil, fixada com base em elementos do caso concreto, já que inexistente na legislação trabalhista elementos para a quantificação do dano moral.

A outra forma de dano moral decorrente de ato ilícito praticado na fase pré-contratual diz respeito à denominada "perda de uma chance", sendo mais comum nas relações com os considerados altos empregados.

Recentemente, no final de novembro de 2013, o TST, ao examinar o processo TST-RR-1767-12.2011.5.04.0403, manteve a condenação de uma empresa de vigilância ao pagamento de indenização por danos morais e materiais decorrentes de ato ilícito praticado na fase pré-contratual.

O ato ilícito, segundo esta decisão, correspondeu ao fato de a empresa, sem nenhuma justificativa, não ter contratado a potencial empregada, apesar de ter exigido que a trabalhadora entregasse os documentos necessários à formalização do contrato de trabalho, que abrisse conta salário e que realizasse o exame admissional. Conforme o TST, as exigências em questão foram o bastante para demonstrar a efetiva intenção da empresa em contratar a trabalhadora.

Nesse caso, a indenização por danos morais foi fixada em valor equivalente a uma vez o salário mediante o qual a trabalhadora seria contratada. Já a indenização por danos materiais foi fixada com base em custos dispendidos pela trabalhadora referentes ao cumprimento das etapas pré-contratuais para o preenchimento de vaga, bem como devido ao fato de que, durante este período pré-contratual, a trabalhadora dispensou outras oportunidades profissionais, "perdendo chances".

A responsabilidade pré-contratual denominada "perda de uma chance" se torna ainda mais grave quando um empregador alicia trabalhador empregado em outra empresa para, posteriormente, e sem nenhuma justificativa plausível, optar por não seguir com a contratação do trabalhador. Portanto, as empresas devem estar cada vez mais atentas ao cumprimento de sua função social para, assim, não incorrer em práticas discriminatórias ou atos ilícitos diversos que lhe acarretem responsabilização pré-contratual.

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* Priscila Novis Kirchhoff é advogada do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.






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