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Segurança jurídica e contratações públicas

Eliane Cristina Carvalho e Luciano Velasque Rocha

Em um ambiente no qual a responsabilidade pelo crescimento econômico não está mais exclusivamente nas mãos do Poder Público, o Estado parece afugentar seus parceiros no momento em que mais precisa deles.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Atualizado em 11 de dezembro de 2013 14:50

A recente e amplamente noticiada discussão judicial a respeito do serviço de inspeção ambiental veicular na cidade de São Paulo proporciona farto material para reflexão jurídico-político-econômica.

Como se sabe, a Prefeitura Municipal entendeu que haveria chegado ao fim o prazo do contrato de concessão firmado com a prestadora do serviço, Controlar S.A., e notificou essa empresa privada a respeito. Por sua vez, a empresa valeu-se de medida judicial em que argumentou que a decisão municipal equivalia à encampação da concessão sem que lhe houvesse sido garantida a indenização prevista em lei.

A liminar foi deferida para manter a Controlar como prestadora do serviço concedido até 31/1/14. O ente municipal não obteve êxito na cassação da medida até o fechamento dessa edição.

Para além de simplesmente externar posição favorável a qualquer dos lados envolvidos na controvérsia, algo com que as cortes paulistas já estão suficientemente ocupadas, é preciso questionar o legado dessa discussão judicial e o que ela verdadeiramente sinaliza.

Esse tipo de questionamento dificilmente poderia ser mais atual. De fato: a polêmica judicial em que se envolveram a Controlar e o Município de São Paulo é um subproduto do momento histórico em que vivemos, no qual é clara a aproximação entre as esferas pública e privada.

Não obstante seja evidente que o Estado não pode renunciar às suas atribuições é também evidente, em diversas esferas, sua incapacidade e sua ineficiência.

É nesse contexto de sobrecarga e busca por eficiência que o Estado desperta dos sonhos de onipresença e se dá conta de que não consegue desempenhar sozinho todas as muitas funções que lhe são atribuídas. A solução é dividir a conta: a introdução de modelos político-econômicos estruturados em torno de parcerias público-privadas, de concessões de serviços públicos, como é o caso dos serviços concedidos à Controlar pelo Município de São Paulo, e de outras formas híbridas de colaboração entre o Estado e o particular.

No entanto, tais modelos não entram em funcionamento automaticamente e tampouco são autossustentáveis. Longe disso: para atrair a iniciativa privada e encorajá-la a financiar os não raras vezes elevados investimentos que a prestação de serviços públicos demanda, é preciso garantir-lhe mínimo retorno em relação ao capital investido e alguma segurança a respeito da manutenção das condições de contratação, sob pena de tornar o negócio pouco atraente.

Essa segurança é o que de mais importante se deve garantir à parte privada que contrata com o Poder Público: a certeza de que serão mantidas as condições de contratação e a garantia de que não haverá modificação unilateral das condições contratuais por parte da Administração, em prejuízo do particular. Em poucas palavras: que valerá o combinado.

É esse último ponto que nos traz de volta à controvérsia que envolve a Controlar e a Prefeitura da capital paulista.

Considerando que a notificação dirigida à Controlar teve por fundamento aquilo que a Prefeitura denominou de "escoamento completo do prazo de vigência" do contrato de concessão e em um cenário em que a própria Procuradoria do Município reconheceu como controversa a questão referente ao prazo da concessão, é de se indagar que espécie de segurança foi garantida à Controlar na hipótese e qual a mensagem que o ente público comunica à iniciativa privada ao dar por encerrada a concessão.

O recado não poderia ser mais claro: o Estado sinaliza que vale o combinado, mas quem diz o que está combinado é... o próprio Estado. O sinal que chega à iniciativa privada é de intranquilidade, o que faz com que parcerias com o Poder Público somente pareçam viáveis aos olhos de investidores com grande apetite para o risco.

Essa incerteza produz resultados já lamentavelmente conhecidos: leilões sem ofertas (caso da licitação do trecho da BR-262 situado entre Minas Gerais e o Espírito Santo) ou com baixo índice de participação (caso da licitação para exploração de petróleo no campo de Libra), ambos ocorridos nesse ano de 2013. Convém lembrar também que o leilão da Companhia Energética de São Paulo (CESP) fracassou em 2008 justamente em razão da insegurança em relação ao prazo da concessão das usinas hidrelétricas, se passível de renovação ou não.

Nessas situações ou em casos assemelhados, perde o governo, que pode se ver na contingência de ter que absorver parte dos custos que seriam direcionados à iniciativa privada; perde a sociedade, que receberia serviços públicos mais eficientes, com tarifas tendencialmente menores caso houvesse mais competição; e perde o país, cuja credibilidade no âmbito interno e externo fica irremediavelmente comprometida.

Em um ambiente no qual a responsabilidade pelo crescimento econômico e pela prestação adequada de serviços públicos não está mais exclusivamente nas mãos do Poder Público, o Estado parece afugentar seus parceiros no momento em que mais precisa deles.

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* Eliane Cristina Carvalho é sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

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* Luciano Velasque Rocha é associado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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