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O fator previdenciário e sua perversão

A aposentadoria previdenciária com o cálculo via fator previdenciário não é o suficiente para manter o mesmo padrão de vida do trabalhador.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Atualizado em 5 de dezembro de 2013 16:56

A aposentadoria é um direito constitucional, que todos temos após um período trabalhado previsto na legislação. Por conta de diversos fatores, a capacidade de continuar trabalhando diminui. Diante de um sistema onde existe a contribuição acumulada, o Estado passa a garantir a sobrevivência mediante o pagamento do benefício aposentadoria.

As gerações sempre serão substituídas por outras, trabalhadores passam por seus empregos e um dia vão para casa. Em tese, a aposentadoria concluiria o ciclo, e novos trabalhadores entrariam no mercado.

No Brasil anterior a 1988 (atual CF), o início da atividade profissional se dava para muitos em idade hoje dita como trabalho infantil. Era comum nos deparamos com trabalhadores com idades de 12, 14, 15 anos. Estes, nos dias de hoje, estão em torno de 50 anos e já atingiram um limite de tempo trabalhado com 35 anos ou mais de contribuição previdenciária.

É de se perguntar se existe uma idade ideal para a entrada no mercado de trabalho. Com a EC 20/98, antes dos 16 anos, passou a existir expressa vedação legal ao trabalho. Estudar, formar e ter uma população melhor preparada são alguns dos desafios que o país assumiu a partir da Constituição. Certas ou não, as políticas de Estado, que se sucederam ao longo dos anos, tentaram ter esse norte. Algumas mais, outras menos. Mas a realidade do fim do trabalho infantil ainda é um caminho em constante evolução.

E essa juventude consegue chegar ao mercado de trabalho? Existem empregos suficientes para ela?

Ao olhar para as condições das aposentadorias no Brasil, especificamente para o seu valor, como elas são calculadas e os fatores de inibição para o seu recebimento, podemos observar alguns aspectos perversos dessa conta. Ao contrário de uma pretensa economia, o que salta aos olhos é o déficit maior para o país.

A mágica - o fator previdenciário - a inibição para se aposentar

Desde o início desse século, passamos a conviver, para o cálculo dos benefícios previdenciários da aposentadoria por contribuição e por idade, com o chamado fator previdenciário. Ele se baseia em quatro elementos: alíquota de contribuição, idade do trabalhador, tempo de contribuição à Previdência Social e expectativa de sobrevida do segurado (conforme tabela do IBGE).

Anteriormente a 26/11/99, data em que as regras atuais para o cálculo da aposentadoria passaram a vigorar, a aposentadoria respeitava o cálculo com base nas 36 últimas contribuições. Depois desta data, com o advento da lei 9.876/99, buscou-se um sistema de cálculo em que o benefício respeitasse efetivamente a média das contribuições existentes, ou seja: a aposentadoria passou a ser o resultado daquilo que a pessoa recolhe ao longo do período contributivo, recuando-se, como marco inicial do cálculo, ao mês de julho de 1994. O cálculo desse benefício considera 80% das maiores contribuições realizadas a partir de julho de 1994. Para se ter uma ideia, um trabalhador, que no período de apuração tenha contribuído com o teto da Previdência Social (hoje em R$ 4.150,00), terá a sua média das contribuições correspondendo a algo em torno dos R$ 3,9 mil. Isso porque, são considerados os valores anteriores a dezembro de 2003. Cabe lembrar que as contribuições realizadas entre 1994 a dezembro de 2003, quando atualizadas para a apuração da média hoje, correspondem normalmente de R$ 2,8 mil a R$ 3,4 mil. Isso porque, somente depois de 2003 é que a atualização dos benefícios valorizou-se com a política atual de reajuste real do salário mínimo.

O resultado prático dessa conta é a redução dos valores dos benefícios. Imagino, porém, que essa situação não sirva de papel inibidor para o pedido de aposentadoria.

Não inibe porque por outros motivos como a seguir veremos, a aposentadoria mesmo que reduzida passa a ser um ganho momentâneo para o trabalhador, o qual somente no futuro quando mais precisar desses vencimentos é que sentirá os efeitos de sua redução.

A aposentadoria e o fator previdenciário - os efeitos do eu não vou para casa

Trabalhando com o setor bancário, encontro normalmente a realidade do alcance do tempo limite de contribuição para aposentadoria, diante de trabalhadores com idade entre 50 e 55 anos.

O fato é que, ao alcançarem a condição para aposentadoria, esses trabalhadores não hesitam em buscar junto à Previdência Social o benefício que lhe é de direito. A redução do benefício decorrente do fator previdenciário não corresponde a motivo inibidor, como dito antes, apesar de ter sido esta a razão de sua existência.

A não inibição decorre da continuidade das relações de emprego até então existentes, ou mesmo, com novas pactuações, de outras relações de trabalho.

Aposentado que continua a trabalhar, mantém seus direitos regularmente, sendo respeitados perante a empresa, podem sacar mensalmente as contribuições do FGTS. Numa eventual dispensa, possui o direito à indenização dos 40% do FGTS pertinente à totalidade do contrato de trabalho.

A aposentadoria previdenciária com o cálculo via fator previdenciário não é o suficiente para manter o mesmo padrão de vida do trabalhador, que por sua vez, se vê na necessidade de continuar trabalhando regularmente para complementar sua renda.

A aposentadoria e o fator previdenciário - a contribuição sem sentido - o tal pau que bate Chico bate em Francisco

Até 1995, o empregado que continuasse a trabalhar sofria os descontos previdenciários de seus vencimentos. Num eventual desligamento do emprego, aquelas contribuições realizadas após a aposentadoria retornavam-lhe como um pecúlio.

Com a lei 9.032/95, isso mudou. Deixou de existir o pecúlio. Mas, se o aposentado continua no emprego, permanece a necessidade de recolher as contribuições à Previdência, as quais em nada servem a priori para o trabalhador, pois por já receber aposentadoria não possui direito a benefícios como auxílio-doença, acidentário e outros , nem mesmo uma nova aposentadoria.

Também a aposentadoria passou a não implicar na necessidade do rompimento da relação de emprego por conta da lei 8.213/91.

A manutenção dos vínculos e contribuições levou à discussão da chamada desaposentação, na qual o contribuinte da Previdência Social postula o cancelamento de sua aposentadoria anterior, na busca de uma nova. Para isso, passou a requerer o novo benefício, considerando as contribuições feitas posteriormente à aposentação e a idade no momento desse novo pedido. Em resumo, o fator previdenciário gerou um benefício inferior, que conduziu o trabalhador a continuar no mercado de trabalho, para, no momento seguinte, buscar condições mais adequadas para uma outra aposentadoria.

A conclusão que fica é: a pretensa economia com a aplicação do fator previdenciário, por conta da precocidade das aposentadorias, deixa de existir com a própria lógica que o sistema de arrecadação previdenciária criou. Não existe razão alguma de se impor uma contribuição para algo que é feito sem sentido, isto é, aquele que se aposenta e continua a trabalhar, ao se ver obrigado a manter as contribuições previdenciárias, é claro que também buscará o direito a ter essas contribuições revertidas para o seu benefício. A desaposentação - algumas vezes reconhecida com nenhuma compensação dos valores que a Previdência pagou como benefício - ao contrário de representar economia aos cofres previdenciários, gera um déficit ainda maior a eles.

A aposentadoria e o fator previdenciário - não há vagas

Outra lógica perversa do fator previdenciário é o mercado de trabalho.

Como acima abordamos, as pessoas continuam a se aposentar na faixa etária entre os 50 e 55 anos.

Também é fato que, aposentando-se nessa idade, as condições para a continuidade no mercado de trabalho são atrativas. Para o aposentado empregado é a condição de ter uma renda complementar. Na verdade, a aposentadoria assume o papel de uma renda suplementar ao salário, de ter o saque dos valores da conta do FGTS, bem como os recolhimentos seguintes a aposentadoria. Para o empregador, é fato que ele continuará como um empregado que já conhece o sistema de produção do negócio, que não necessita de formação e qualificação, e ainda, não tem a necessidade, naquele momento, de pagamento de indenizações devidas pela rescisão contratual.

Sendo assim, passou a ser regular a continuidade das relações de emprego dos empregados aposentados. Com isso, o mercado de trabalho sente as consequências. As vagas decorrentes das aposentadorias e de desligamentos, que poderiam estar à disposição, deixam de existir. O prejuízo desse ciclo afeta, exatamente, a entrada da juventude no mercado de trabalho. Cada dia mais se constatam as dificuldades para o primeiro emprego e, em alguns segmentos, a estagnação de carreiras.

Um paralelo não relacionado à previdência do trabalhador vinculado ao INSS reside nas carreiras públicas. Com a obrigatoriedade da contribuição previdenciária em carreiras como do MP e da Magistratura, bem como com a suspensão do desconto previdenciário, o qual persiste enquanto não aposentado o servidor, é notório o envelhecimento da carreira, com a permanência dos profissionais.

Portanto, o fator previdenciário ao estimular a manutenção do empregado no mercado de trabalho, com continuidade dos vínculos, também resulta, numa outra ponta, na dificuldade de renovação das vagas de trabalho, por não existir o regular afastamento decorrente das aposentadorias.

A aposentadoria e o favor previdenciário - a luz no final do túnel - falta o interruptor

Nos últimos anos, o fator previdenciário e as críticas que enumerei acima se avolumam. A alternativa mais plausível a buscar o seu fim é oferecida de forma consensual pelas Centrais Sindicais brasileiras, a chamada fórmula 85/95.

Nessa fórmula, o benefício da aposentadoria seria calculado tomando-se por base a somatória do tempo de contribuição com a idade. Para a mulher, seria necessário atingir o número 85, enquanto que, para o homem, o número 95.

Esse procedimento resultaria na integralidade do benefício, deixando de existir a variação do mesmo por conta da idade e expectativa de vida. Consistiria numa sistemática, onde a resultante idade não seria impedimento a se atingir uma aposentadoria digna, mesmo o trabalhador se aposentando com idade inferior ao que hoje seria a garantia para o teto de benefícios, pois se o trabalhador iniciou no mercado de trabalho cedo, a resultante tempo de contribuição seria maior a gerar a possibilidade de maior ganho.

Exemplificando: um homem que tenha começado a trabalhar aos 15 anos de idade, aos 55 anos, após 40 anos de contribuição, alcançaria a totalização 95, o que lhe garantiria a aposentadoria integral, que, pelo fator previdenciário de hoje, somente existiria quando ele atingisse a idade superior a 62 anos. Na mesma situação uma mulher, iniciando as atividades aos 15 anos, alcançaria essa possibilidade aos 50 anos, ou seja, muito tempo antes do que oferece o fator previdenciário.

Imaginemos que esses trabalhadores tenham contribuído desde 1994, pela contribuição máxima para a Previdência Social.

No caso dele, considerando o fator previdenciário, o benefício de sua aposentadoria corresponderá a R$ 3.226,23. Se adotado o critério defendido pelas Centrais após 40 anos de trabalho, mesmo com 55 anos de idade, sua aposentadoria corresponderia a R$ 3.900,19.

No caso dela, considerando o fator previdenciário, o benefício de sua aposentadoria corresponderá a R$ 2.690,35. Se adotado o critério defendido pelas Centrais após 35 anos de trabalho, mesmo com 50 anos de idade, sua aposentadoria corresponderia a R$ 3.900,19.

Nessa proposta em discussão no Congresso, caso não se atinja os totais de 85-95, discute-se uma alternativa, com redutor de 2% ao ano, para cada ano que falta para se atingir os mesmos limites.

Sem dúvida, trata-se de uma proposta interessante, pois o cálculo do benefício não será punitivo para quem cedo iniciou suas atividades profissionais, bem como, o valor da aposentadoria real não servirá de estímulo para que as relações de emprego continuem (não afasto dessa discussão a reflexão se o contrato de trabalho deve ter seu obrigatoriamente seu término com a aposentadoria, bem como a não necessidade de contribuição previdenciário do empregado que retorna ao trabalho na condição de aposentado), o que poderá significar novas oportunidades no mercado de trabalho.

Portanto, luz pode existir no túnel, cabe ao Congresso instalar os interruptores até hoje desligados. A escuridão gerada pelo fator previdenciário somente poderá continuar a causar tragédias ao patrimônio dos trabalhadores.

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* Eduardo Surian Matias é advogado da Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.







 

   

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