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A boa morte anunciada

O Código de Ética Médica, no parágrafo único do art. 41, aconselha a prática ortotanásica ao paciente em fase terminal, contraindicando todo esforço de ações diagnósticas.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Atualizado em 29 de novembro de 2013 11:32

Machado de Assis, assim como outros escritores de sua época, tinha por costume relatar que as pessoas quando se cumprimentavam desejavam boa morte reciprocamente. Isto porque o bom dia, boa tarde e boa noite são votos ocasionais, por períodos, ao passo que a boa morte significava que, mesmo se as pessoas não mais se encontrassem, ficava antecipadamente expresso o desejo de uma morte boa e confortável, nos limites de sua realidade.

A convivência entre o homem e a morte remonta à história da própria humanidade. O nascer e o morrer são atos reiterados, vinculados, um compreende o outro, como o alfa e o ômega. A vida, por si só, é uma preparação para a morte. Ou se morre de forma repentina ou em razão de doença que se agrava e assume caráter de irreversibilidade. No primeiro caso, é claro, não há como dispensar qualquer tipo de cuidado à pessoa, preparando-a para o evento final. No segundo, porém, abre-se um campo enorme em razão da dignidade humana e do espírito cristão que habita cada um, principalmente diante de uma enfermidade incurável. O novo pensamento que se aflora não busca encontrar o homem imortal, como sugeriu Simone de Beauvoir em seu livro "Todos os homens são mortais", mas sim, mesmo com a ocorrência da senescência celular, aquele que viva com conteúdo, com qualidade e a intensidade necessária cada ciclo da vida.

A morte surge, desta forma, como tema central e até mesmo natural, apesar do homem resistir a travar discussão a respeito. O modo humano de morrer, percorrer o caminho da longa jornada e saber que a vida, apesar de frequentar todos os sentimentos humanos, é uma preparação para a morte. Mas o que se leva, não é a morte e sim, a vida. O anseio das pessoas é ter uma morte rápida, sem sofrimento e, logicamente, após ter exaurido a vida em sua intensidade. Sêneca, na antiguidade do Império Romano, já proclamava que morrer bem significa escapar vivo do risco de morrer doente.

Com o pensamento voltado para atender o homem em seu estertor, o Conselho Federal de Medicina editou a resolução 1995, de 9/8/12, que introduziu as diretivas antecipadas da vontade do paciente a respeito do tratamento que pretende receber ou não no momento em que se encontrar incapacitado para expressar sua vontade como, por exemplo, em estágio terminal em razão de doença irreversível. A vontade pode ser expressa por um documento, chamado Testamento Vital, permitindo-se até mesmo a nomeação de um procurador para tal fim. E, mesmo que haja colidência com os interesses familiares, deve prevalecer a vontade manifestada pelo testador e o médico deverá executá-la.

O Código de Ética Médica, em vigência desde o dia 13/4/10, no parágrafo único do artigo 41, aconselha a prática ortotanásica ao paciente em fase terminal, contraindicando todo esforço de ações diagnósticas e terapêuticas inúteis e recomenda a oferta de cuidados paliativos. Não se trata de um apressamento da morte, mas sim um cuidar cauteloso para conferir ao paciente a continuidade da sua dignidade. O estertor da morte é suavizado, de acordo com a intenção demonstrada pelo paciente no seu testamento.

Não se pode cogitar em omissão em não fornecer medicamentos para curar a moléstia e nem mesmo em suicídio assistido. Não se exige tão extremada conduta quando a medicina não reúne mais conhecimentos científicos e terapêuticos para combatê-la com sucesso. Suaviza-se, por outro lado, a dor e o sofrimento, com a oferta dos medicamentos apropriados. Assim, numa definição rápida, pode-se dizer que os cuidados paliativos são ações voltadas ao paciente que se encontra em estado irreversível de saúde, visando contemplá-lo com o conforto familiar, espiritual e tudo o mais que possa traduzir em sensação de bem-estar. Seria o tomar o paciente pelas mãos e com ele caminhar com segurança e lentamente até o umbral que interrompe o ciclo vital. É, portanto, uma tarefa especializada, que exige muito mais do que a solidariedade humana. Daí, muitas vezes, nem mesmo os parentes poderão executá-la a contento.

Assim, a vontade do paciente supera qualquer outra manifestação a respeito da assistência à terminalidade da sua vida. A autonomia da vontade integra os direitos da pessoa humana e, como tal, deve ser preservada quando optar pela prática ortotanásica. Tanto é que o doente pode sair de uma determinada instituição de saúde e ser encaminhado para um hospice dying ou até mesmo sua própria casa, preferencialmente equipada com home care, para passar os últimos momentos de sua vida.

É uma conquista a ser dividida com o desenvolvimento das novas tecnologias médicas e com a evolução do pensamento do homem que, em razão de sua autonomia e determinação, pode estabelecer uma disciplina de final de vida compatível com sua moral ética, sem afrontar qualquer texto legal que normatiza em sentido contrário. É continuar viver, vivendo, seguir, seguindo a estrada até o seu final e, quando chegada a hora, fazer prevalecer a morte com a dignidade merecida. Como entoava Fernando Pessoa, a morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser visto.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.

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