As primeiras lições do leilão de Libra
Vencedor do leilão do maior campo de petróleo do Brasil foi o consórcio formado pelas empresas Petrobras, Shell, Total, CNPC e CNOOC.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Atualizado em 5 de novembro de 2013 14:43
Desde o anúncio da descoberta da província do pré-sal, muito se discutiu sobre a conveniência do modelo de partilha. Neste primeiro leilão utilizando o modelo, um único consórcio apresentou proposta e venceu ofertando o valor mínimo previsto no edital de licitação.
Concluído este primeiro passo, estamos em momento propício para efetuar uma análise crítica desse primeiro leilão do pré-sal, tal qual faz a ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis em relação às rodadas carreadas sob o modelo de concessão, aprimorando elementos do edital de licitação e do contrato a cada novo leilão.
Já se vem questionando o benefício para a sociedade e para a própria Petrobras com relação à sua participação obrigatória como operadora dos blocos em partilha. Uma rápida análise dos resultados das últimas rodadas de concessão, na qual a Petrobras compete com o mercado sob as mesmas regras, demonstra que sua capacidade técnica, conhecimento geológico e ganhos de escala já lhe possibilitam ser usualmente a maior vencedora em número de blocos ou extensão de áreas arrematadas.
A obrigatoriedade de sua participação como operadora, aliada à possibilidade de integrar um dos consórcios licitantes, pode criar situações problemáticas. Em primeiro lugar, a adesão da Petrobras a determinado consórcio pode oferecer vantagem pouco isonômica em relação a outros consórcios que não tenham o benefício de se consorciar previamente como aquela que será a operadora compulsória do bloco a ser explorado.
Por outro lado, se o consórcio integrado pela Petrobras vier a ser derrotado, esta será obrigada a aderir ao consórcio vencedor em condições possivelmente indesejadas. Talvez fizesse mais sentido estabelecer no edital de licitação as condições em que a Petrobras estaria disposta a integrar o consórcio vencedor, de modo que todos os consórcios pudessem concorrer em igualdade de condições.
Adicionalmente, a própria situação financeira da companhia pode gerar desconforto a potenciais investidores e futuros parceiros obrigatórios. O que ocorrerá, por exemplo, se a Petrobras enfrentar limitações na sua capacidade de endividamento? Irá o governo federal suspender novos leilões ou sacrificar projetos em andamento?
Por fim, estender a outras empresas o direito de serem operadores poderia contribuir para propiciar ao país e à própria Petrobras acesso a novos métodos e tecnologias, bem assim acelerar o desenvolvimento da região do pré-sal, antecipando a geração de riquezas.
Quanto à PPSA, é provável que, para o próximo leilão, tenhamos o benefício de conhecer na prática como funcionará a nova estatal. Há percepções de risco por parte da indústria que poderiam ser reavaliadas, por exemplo, no que se refere à governança corporativa, procedimento para tomadas de decisão no comitê operacional, seu papel na aprovação do custo em óleo, dentre outras. A experiência a ser obtida com o primeiro contrato de partilha poderá oferecer maior ou menor segurança aos participantes dos futuros leilões.
Em um cenário em que se buscasse a otimização dos benefícios para todas as partes, a PPSA - Pré-sal Petróleo S.A. deveria ter todas as prerrogativas necessárias à representação e defesa dos interesses da União nos contratos de partilha, mas com menor grau de incerteza para as demais consorciadas, incluindo a Petrobras.
A experiência demonstra que os riscos devem ser alocados àqueles que melhor têm capacidade para absorvê-lo. A imposição de riscos excessivos ao privado traduz-se, em geral, numa oferta menos vantajosa à administração, visto que os riscos são precificados e, no extremo, podem resultar numa licitação deserta, sem interessados. A licitação de Libra, com um único consórcio proponente, mostra que não estivemos longe disso.
A título exemplificativo, ao embutir o risco inflacionário de longo prazo para a iniciativa privada (ao impedir a correção monetária dos investimentos que poderão ser ressarcidos, por exemplo), os entes privados podem efetuar "descontos no preço", por terem assumido cenários de inflação mais adversos do que eventualmente venham a se materializar.
A ausência de interesse por algumas das grandes petroleiras internacionais foi também bastante discutida. Quanto a isso, há que se notar que, apesar de toda a importância estratégica do pré-sal para nosso país, as petroleiras o veem como uma oportunidade de investimento dentre outras tantas. Nesse sentido, é razoável que tais empresas, que possuem elevada expertise exploratória, prefiram investir em oportunidades com maior potencial de lucro, ainda que às custas de maior risco exploratório, ao invés de comprometer elevados recursos com projetos cujos custos e investimentos sejam tão altos justamente em virtude de o risco exploratório ser reduzido.
Chamou a atenção, ainda, o fato de o leilão ter recebido lance único. Em que pese a presença de empresas fortes no consórcio vencedor, o lance único revela dois possíveis e indesejáveis cenários: ausência de disputa ou, se houve, de forma circunscrita apenas à fase de formação do consórcio, em sede totalmente privada.
A participação de mais empresas interessadas incrementaria a certeza de que o certame foi modelado de forma a estimular a concorrência, aumentando as chances de uma oferta vencedora ainda mais vantajosa para a União. No processo de consulta pública deste primeiro leilão do pré-sal, a indústria apresentou diversas contribuições, que em sua maioria não foram aceitas. Um amplo debate entre os agentes públicos, do mercado e da sociedade a respeito das mudanças sugeridas poderia ser uma boa forma de iniciar o debate.
O governo federal concluiu uma primeira etapa na exploração das riquezas do pré-sal. Está em suas mãos, agora, buscar o constante aprimoramento do modelo da partilha de produção para assegurar a maximização dos resultados dessa riqueza nacional, inclusive por meio de ajustes que aumentem a competição e estimulem ofertas mais vantajosas para a União.
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* Daniel Szyfman é advogado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
* Pedro Jardim é advogado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.