O Regime Tributário de Transição (RTT) e a isenção de lucros e dividendos após a Instrução Normativa RFB 1.397/2013
O tema proposto não é dos mais simples e desafia a compreensão mesmo dos profissionais versados nos aspectos tributários de nosso país.
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Atualizado em 25 de setembro de 2013 13:57
O tema proposto não é dos mais simples e desafia a
compreensão mesmo dos profissionais versados nos aspectos tributários de nosso
país. De toda forma, tentarei, de forma sucinta, apontar uma dificuldade central
na recente Instrução Normativa RFB 1.397/13.
Primeiramente, é interessante começarmos pelo RTT - Regime
Tributário de Transição. Com o advento da lei 11.638/07, o Brasil, em boa hora,
aderiu a modelo de escrituração contábil inovador, fundado na experiência
internacional e, também, voltado aos interesses dos agentes econômicos, e não
somente do Fisco.
Sem embargo, como as mudanças eram muitas e, em alguns
aspectos, severas, entendeu por bem o Executivo manter, para objetivos fiscais
unicamente, o regramento contábil pretérito, o que ocorreu com a Medida
Provisória 449/08, posteriormente convertida na lei 11.941/09.
Ou seja, sob o argumento de uma pretensa "neutralidade
fiscal", conseguimos gerar um ornitorrinco contábil, com a adoção de modelo
de escrituração moderno, mas, em conjunto, preservando as premissas do passado
para atender aspectos tributários. O RTT, em suma, designa esse regime contábil
fiscal moribundo, que perdura até os dias de hoje, obrigando as empresas a
manter registros contábeis paralelos.
Dentre os reflexos dessa realidade normativa, um surge com
evidência: a quantificação do lucro variará de acordo com os objetivos. Para a
contabilidade de uma sociedade anônima, por exemplo, há a necessária adequação
aos novos parâmetros contábeis, gerando, quando da existência de resultado
positivo, o chamado "lucro societário" que valeria para todos os
fins, exceto a quantificação do IRPJ e CSLL.
Já para o fisco, o resultado apurado teria de passar por
ajustes, produzindo, na hipótese de saldo positivo, o chamado "lucro
fiscal". O lucro fiscal não designa o lucro real, base do IRPJ. A
modalidade fiscal, tão somente, retrata a descontinuação dos novos parâmetros
da contabilidade brasileira, retornando aos critérios do passado para, daí,
aplicar-se a legislação tributária com as adições, exclusões ou compensações
visando quantificar o lucro real, base para o IRPJ.
Nesse contexto, uma discussão relevante é a isenção prevista
no art. 10 da lei 9.249/95, o qual traz a dispensa de imposto de renda sobre
lucros e dividendos apurados. Mas de qual lucro se fala? Societário ou fiscal?
Essa é a questão posta.
Desde o advento do RTT, muitas empresas, ao interpretar que
o regime transitório seria unicamente relacionado à quantificação do IRPJ e
CSLL, entenderam que a distribuição isenta de lucros e dividendos a sócios e
acionistas seria quantificada pelo lucro societário, o qual, frequentemente, é
mais elevado.
Com a edição da Instrução Normativa RFB 1.397/13, a Receita
Federal deixa claro seu entendimento, no sentido da base-de-cálculo de tais
distribuições isentas ser, unicamente, o lucro fiscal (lucro societário recalculado
pela dinâmica contábil anterior antes das adições, exclusões e compensações do
lucro real).
O resultado inevitável dessa concepção é a clara insegurança
gerada no mercado, haja vista a potencial ação da Receita Federal exigindo,
retroativamente, os valores devidos pelas distribuições de lucros e dividendos
acima do lucro fiscal.
Pessoalmente, não acredito que a Receita Federal tenha
razão. É certo que a lei poderá alterar conceitos do direito privado para fins
tributários, desde que não limitadores de competência tributária, e, portanto,
nada impede que isso ocorra, por mais indesejável, anacrônico e ineficiente que
seja.
Por outro lado, a tributação, justamente para evitar tais
inseguranças e imposições indevidas, rege-se pela legalidade estrita, o que
impõe a obediência aos preceitos normativos existentes. Na isenção dada pela
lei 9.249/95, em momento algum há referência ao lucro fiscal. Sendo assim, o
interprete deve-se guiar pelo geral, e não pelo excepcional. Se o novo
parâmetro da contabilidade é o lucro societário, é esse que deve ser utilizado.
A lei 11.941/09, no art. 17, com clareza meridiana, expõe o
novo regramento contábil como regra geral, o qual deve sofrer ajustes, visando
retornar aos parâmetros pretéritos, com a finalidade de apurar o tributo
devido, unicamente, e nunca restringir isenção fiscal estabelecida alhures.
Não faz sentido alegar que o RTT, ao ser criado,
genericamente, impõe, independente de previsão expressa, uma compreensão
própria dos conceitos contábeis vigentes sempre que tratarmos de temas
tributários. Ao mesmo tempo em que a lei
poderá alterar conceitos de direito privado, os mesmos devem
ser respeitados na ausência de previsão legal expressa. Indiretamente, admitir
a posição do fisco seria o equivalente a criar tributo por analogia.
Cumpre notar que a própria lei 9.249/95, no art. 10, ao
substituir o art. 46 da lei 8.981/95, expressamente deixou de utilizar como
parâmetro, para fins de quantificação da isenção, o lucro real, o que, com
alguma facilidade, manifesta a vontade do legislador em fixar a isenção em
conceitos contábeis próprios, e não fiscais. Enfim, entendo que a interpretação
fiscal, além de equivocada, seguramente não poderia afetar as distribuições já
realizadas, eis que firmadas nos estritos limites da lei 9.249/95.
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* Fábio Zambitte Ibrahim é advogado do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça
& Associados.