Eduardo García de Enterría: um legado internacional
Foi o primeiro Juiz espanhol do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e, pode-se dizer, era o maior administrativista contemporâneo vivo com larga influência teórica na formulação de direitos fundamentais dos administrados nas Constituições ibero-americanas.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Atualizado em 24 de setembro de 2013 13:12
Faleceu no último dia 16/9, em Madri, o jurista espanhol
Eduardo García de Enterría (1923-2013) aos 90 anos de idade. García de
Enterría, como ficou conhecido, autor de numerosos livros, artigos, fundador de
revistas e de uma Escola de Catedráticos que congrega hoje quase uma centena de
Catedráticos de toda a Espanha, além de juristas da Itália, da França, da Argentina, da Venezuela, do Brasil, e de
vários outros países. Foi o primeiro Juiz espanhol do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos e, pode-se dizer, era o maior administrativista contemporâneo
vivo com larga influência teórica na formulação de direitos fundamentais dos
administrados nas Constituições ibero-americanas. Doutor honoris causae por inúmeras
universidades em todo o mundo, no Brasil, recebeu seu título honoris causae
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2003, em evento organizado
pelo Instituto Internacional de IIEDE - Estudos de Direito do Estado, instituto
que ele próprio fundou e dele se tornou presidente honorário, ao lado de
professores como Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Almiro do Couto e Silva.
García de Enterría foi percursor de uma nova mentalidade no Direito Administrativo contemporâneo. Elaborou e lapidou na Europa o princípio constitucional de interdição à arbitrariedade dos Poderes Públicos, que fez inserir na Constituição Espanhola de 1978 através de seu discípulo, o também hoje catedrático emérito de Direito Administrativo e à época senador constituinte Lorenzo Martin Retortillo Baquer. É da década de 50 o célebre trabalho do Professor García de Enterría sobre interdição à arbitrariedade dos poderes públicos, em plena Era Franquista, quando anunciava que ao Direito Administrativo competia combater as imunidades dos Poderes: a luta contra as imunidades dos poderes.
Ficou famosa sua polêmica com o jurista Pablo Lucas Verdú,
que representava na Europa o constitucionalismo pelo chamado "Direito
Político". Era um constitucionalismo vazio, formal, despido de
normatividade. García de Enterría escreveu impactante livro tratando da
Constituição como norma, em 1981, e buscou agregar efetividade aos direitos
estampados no Diploma constitucional. A constitucionalização do Direito
Administrativo seria uma fórmula para emprestar densidade normativa superior a
determinados direitos.
Seu Curso de Direito Administrativo é reeditado
ininterruptamente desde 1974, em coautoria com o catedrático Tomás Ramón
Fernández, outro grande jurista espanhol. O estilo diferenciado de um Curso que
valoriza, desde longa data, o papel da jurisprudência como fonte produtora de
direitos, é sem dúvida um referencial histórico.
Com este jurista, humanista e líder intelectual tivemos a oportunidade de privar da amizade (dele e de sua esposa Amparo), daí a homenagem que lhe prestamos. Foi nosso orientador no doutorado da Universidade Complutense de Madri (1998-2003), sendo que antes do nosso doutoramento ele já não orientava ninguém há muitos anos. Abriu uma exceção. E esta exceção não foi reaberta posteriormente. Um amigo, um ser humano exemplar, uma pessoa simples e ao mesmo tempo um gigante capaz de aglutinar em torno de si toda uma Escola de Catedráticos, que se reúne uma vez por ano em algum lugar da Espanha. Fundador do IIEDE, que atualmente presido, trouxe para dentro do instituto grande parte de sua Escola de Catedráticos. Pessoalmente olhou os nomes e formulou os convites. Veio ao Brasil em algumas oportunidades, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Foi enterrado em sua Região Natal, na cidade de Potes, em Cantabria, dia 17.09, mas seu legado universal agora, mais do que nunca, frutificará eternamente. O exemplo de jurista original, corajoso, generoso, humanista e despido das vaidades acadêmicas artificiais que cercam personagens deste universo. Saudades do Maestro!
_____________
* Fábio Medina Osório é advogado do escritório Medina Osório
Advogados e presidente do IIEDE.