O art. 515, § 4º, do CPC e a correção das nulidades sanáveis no âmbito dos recursos: belíssima norma, porém lamentavelmente em desuso
Predito dispositivo legal atua como autêntica "norma de inclusão", no sentido de permitir a correção de nulidades sanáveis verificadas nos recursos. Sua beleza reside no seu espírito de flexibilização de alguns imotivados rigores formais verificados nos recursos.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Atualizado em 20 de setembro de 2013 14:29
1 - O processo, o relógio, o drama.
É de impressionar o paradoxo que se estabelece entre o
processo e o tempo. Tais quais faces opostas de uma mesma moeda, parecem jamais
se justapor, em que pese integrem uma só realidade.
O tempo e o processo mantêm entre si relacionamento de
tensão perene, como que eterna e reciprocamente insuficientes. Vivem como
cônjuges divorciados que habitam o mesmo lar.
Tempo e processo definitivamente hoje parecem não se bastar.
O que aos leigos parecem horas, dias, meses, aos que têm o
direito como mister são meros segundos, tamanha a distrofia que a letargia
forense provoca no conceito de tempo. Pouco tempo, em termos processuais,
equivale a poucos anos.
As frações de tempo que se apresentam tão extensas aos
leigos afiguram-se, para os que lidam com o direito, brevíssimos lapsos cronológicos.
Corrosivos lapsos temporais, diga-se, dado que (i) ou fazem agigantar o
litígio, (ii) ou fazem fenecer a esperança de obtenção de uma solução.
A dramaticidade do cenário forense atualmente experimentado
tornou o tempo uma quimera do mundo jurídico. A volúpia com que se almeja uma
providência liminar não raro sobrepõe-se à expectativa pela decisão final. Ao
jurisdicionado de hoje mais seduz o oportunismo temporal ínsito às liminares do
que a concreção de uma quase intangível decisão definitiva. Parece-nos que
nunca foi tão contumaz como é hoje a substituição de litigantes vivos por
espólios, talvez o maior signo de insuficiência do processo como mecanismo de
pacificação social (mormente se a contraparte for a Fazenda Pública).
Está-se diante, é claro, de cenário de razoabilidade zero.
Em suma, tudo urge em juízo.
Neste passo, a abreviação do tempo de tramitação processual
vem atuando como a força motriz das reformas processuais. Figuras como o art.
285-A do CPC (o chamado "julgamento antecipadíssimo da lide"), o julgamento
monocrático dos recursos pelo relator e a repercussão geral como requisito de
admissibilidade dos recursos extraordinários exprimem com bastante robustez
qual o vetor que vêm conduzindo as alterações da legislação processual civil brasileira.
Dentre estas modificações recentes pelas quais passou o CPC,
destacamos a que nos parece mais bela, mais relevante, conquanto não
percebamos, ainda, amplitude em sua aplicação: a inserção do § 4º no art. 515
do CPC.
Predito dispositivo legal atua como autêntica "norma de
inclusão", no sentido de permitir a correção, pelo próprio Tribunal e sem a
morosa remessa ao primeiro grau de jurisdição para tanto, de nulidades sanáveis
verificadas nos recursos. Em que pese esteja inserta em artigo do CPC que diga
respeito à apelação, doutrina abalizada (como se verá adiante) sustenta a idéia
de que se trata de norma regente dos recursos como um todo, e nos parece
absolutamente escorreita tal convicção.
A beleza desta norma reside no seu espírito de flexibilização
de alguns imotivados rigores formais verificados nos recursos. E, como cediço,
os recursos têm experimentado cada vez maiores restrições formais em sua
tramitação, até mesmo como uma equivocada tentativa de contenção do volume de
impugnações recursais que ascendem aos tribunais. Fatores absolutamente contornáveis como a
complementação de peças facultativas em agravos de instrumento, eventuais
imprecisões no preenchimento de guias de recolhimento de despesas recursais e
até mesmo questionamentos acerca da legibilidade do carimbo de protocolo aposto
aos recursos (como se o jurisdicionado pudesse controlar os matizes das tintas
empregadas pelo Judiciário nas chancelas de protocolo de peças) vêm assumindo
foros de muralhas obstativas do trâmite dos recursos.
Nota-se, ainda, certa exacerbação da aferição formal dos
recursos comparativamente ao trâmite processual de primeiro grau: no âmbito do
recursos, temos sentido que a jurisprudência não é dada a facultar às partes
correções de problemas formais, o que compõe um evidente descompasso com o
próprio espírito de nosso CPC, que admite até mesmo a correção formal da mais
relevante peça processual, mediante emenda da petição inicial.
E, convenhamos, ao surgimento de cada óbice de cunho formal,
o jurisdicionado vê-se compelido a insurgir-se mediante a interposição de
recursos, e assim fomenta-se a roda vida do congestionamento judicial, com o
que se alonga o tempo dos processos.
Se, como asseveramos acima, a maioria das recentes reformas
processuais vem na esteira da restrição de acesso ao Judiciário como modo de
aceleração, o § 4º do art. 515 do CPC comporta-se em sentido absolutamente
diverso: trata-se de norma que, diante das medidas que franqueia aos órgãos
jurisdicionais recursais, está a permitir a supressão de óbices plenamente
sanáveis sem que (i) ocorra a fortiori a conversão em diligência do julgamento
para a remessa ao primeiro grau de jurisdição a fim de haver a correção da tal
nulidade sanável e, também, (ii) prevenindo-se a interposição de mais e mais recursos
em face de decisões arrimadas em critérios mera e excessivamente formais
(legibilidade de cópias e de carimbos sem que se permita sua substituição,
etc.).
Na medida em que permite a "descomplicação" do trâmite
recursal, permitindo o contorno ou a correção de alguns problemas de ordem
formal que sejam sanáveis, o dito § 4º do art. 515 do CPC evidentemente atua
como elemento racionalizador do tempo processual sem atuar como fonte de
restrição de acesso ao Judiciário.
É por tais razões que manifestamos firmemente nosso
posicionamento no sentido de que a norma em apreço deve ser apreendida como
regra fomentadora do princípio do aproveitamento dos atos processuais, no
sentido de se extrair do processo o maior grau possível de utilidade,
evitando-se o incremento de atividade jurisdicional de cunho meramente
procedimental.
A se permitir sem preconceitos que nulidades sanáveis sejam
debeladas pelo próprio órgão recursal, ganha-se tempo processual, ganha-se em
termos de utilidade processual, racionaliza-se a duração do processo
expiando-se o lamentavelmente iterativo "cale a boca" dos decretos de
inadmissão de recursos por nulidades totalmente corrigíveis.
2 - A razão de ser do dispositivo legal
Em 2006, com a entrada em vigor da lei 11.276/06,
modificaram-se, por acréscimo ou por mera alteração, as redações dos arts. 504,
506, 515 e 518 do CPC, respeitantes aos recursos cíveis, especialmente à
apelação (no caso dos arts. 515 e 518).
Na específica hipótese do art. 515 do CPC, à sua redação
acresceu-se o § 4º, que determinou a possibilidade de o tribunal, por ocasião
do julgamento da apelação, conhecer de nulidades sanáveis, determinando seu
saneamento mediante renovação ou realização do ato processual, a isso se
seguindo, quando possível, o prosseguimento do julgamento da apelação.1
A ratio essendi dessa inovação legislativa tem a ver com o
objetivo de se "conferir eficiência à tramitação dos feitos e evitar a morosidade"
que hoje em dia caracteriza a atividade jurisdicional. Para a reforma da
Justiça, "faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o
escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação
jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa"
(é nosso o destaque).2
O que se pretende, inegavelmente, é que possa o tribunal,
identificando a ocorrência de vício processual sanável em grau recursal,
desenvolver atividade jurisdicional corretiva desse vício, sem que seja
necessária a determinação de retorno dos autos à instância monocrática para tal
finalidade. A celeridade e a economia processuais são, à evidência, as balizas
dessa inovação processual.
Neste passo, parece-nos, por tudo quanto exposto acima, que
se operou sensível atenuação da parte final do parágrafo único do art. 560
("ordenando a remessa dos autos ao juiz, a fim de ser sanado o vício") pelo §
4º do art. 515, ambos do CPC: no primeiro, dispõe-se ser necessária a remessa
dos autos à instância monocrática com a finalidade de sanação de vícios
identificados pelo tribunal, o que é absolutamente dispensável atualmente,
justamente por conta do disciplinado no § 4º do precitado art. 515, autorizador
de tal correção no trâmite perante o próprio tribunal.
Não nos parece mais ser absoluta, portanto, a necessidade de
remessa dos autos ao primeiro grau sempre que se converter o julgamento em
diligência, como ocorria tradicionalmente.
3 - A interpretação do art. 515, § 4º, do CPC
Volvendo nosso foco de atenção para a aplicabilidade do
dispositivo legal em apreço, algumas ponderações merecem ser lançadas, de modo
que se possa delimitar a esfera de abrangência da norma em questão.
Neste passo, uma primeira palavra que merece ser dita
respeita ao conceito das nulidades sanáveis a que se refere o primeiro trecho
do § 4º do art. 515 do CPC.
Em contida síntese, tem-se que as nulidades processuais são
classicamente divididas em sanáveis e insanáveis, conforme seja possível sua
convalidação, ou não, no desenvolvimento do processo.
Nesse sentido, pode-se afirmar que há gradação de nulidades
processuais, considerando a lei que algumas nulidades processuais são mais
nocivas que outras. Desse escalonamento organizacional das nulidades decorre
que vícios processuais que sejam, por assim dizer, menos agressivos às formas
preestabelecidas no CPC comportam prorrogação, ao passo que vícios que importem
violação mais intensa aos ditames do CPC não admitem tal convalidação.
Essa circunstância de existirem nulidades, portanto, de
menor e maior gravidade faz com que exista, por conseguinte, um regime próprio
de provocação das nulidades: as nulidades ditas relativas (atinentes a normas
de direito processual de caráter disponível) têm prazo para sua argüição;
d'outro turno, as nulidades consideradas absolutas não se submetem à preclusão,
vale dizer, são argüíveis (pelas partes ou pelo juiz) em qualquer tempo e grau
de jurisdição, dado que com sua persistência maculam a própria higidez da
atividade jurisdicional.
São muitas vezes comuns confusões relativamente ao tema das
nulidades; o assunto, a bem da verdade, realmente apresenta-se multifacetado.
Há, contudo, um aspecto que não comporta vacilações, especialmente se se
pretende atribuir ao § 4º do art. 515 do CPC sua real força: não só as
nulidades relativas são sanáveis, bem como não só as nulidades absolutas são
insanáveis.
De fato, se há esta natural tendência de se entender
expressões "sanável" e "insanável" como simetricamente relacionadas,
respectivamente, às nulidades relativas e absolutas, fato é que tal concepção
cai por terra diante da constatação de que também nulidades de caráter absoluto
são sanáveis.
Tal asserção torna-se mais palatável ao se revisitarem os
conceitos de nulidades relativas e absolutas.
As nulidades processuais relativas caracterizam-se por sua
origem em normas nas quais prevaleça o interesse das partes litigantes: são,
dessarte, normas de direito disponível pelas partes, sendo que sua violação não
eiva o processo de modo que se considere viciada a própria atividade
jurisdicional.
Em geral, as normas processuais instituintes de nulidades
relativas não contêm cominação de nulidade: caso o ato processual seja
praticado por outra forma que não aquela prevista pela lei processual, ainda
assim será considerado válido, desde que se atinja sua finalidade. A expressão
mais acabada dessa realidade vem consignada no art. 244 do CPC.3
A respeito das nulidades relativas, diga-se também que
contam com prazo para sua argüição (e às vezes, contam também com forma
específica, caso da incompetência relativa, argüível por exceção de
incompetência). Caso não haja argüição da nulidade relativa no momento oportuno
(prazo de defesa do réu, por exemplo, nas hipóteses de incompetência relativa),
se dará a prorrogação da nulidade relativa, id est, haverá sua convalidação, a
teor do art. 245, caput, do CPC.4
No que é pertinente às nulidades absolutas, cediço que são
as violações de normas processuais de natureza indisponível, relacionadas às
partes ou ao próprio órgão jurisdicional. A ocorrência de nulidade absoluta no
curso do processo é impassível de preclusão, vale dizer, jamais são
convalidáveis as nulidades absolutas, porquanto inexiste prazo preclusivo para
que as partes ou para que o órgão jurisdicional promova a suscitação da
nulidade absoluta e se dê sua correção.
As nulidades absolutas não se sujeitam a qualquer sorte de
prazo preclusivo para que se dê sua argüição, vale dizer, não se convalidam no
curso do processo, dado não se submeterem ao regime da preclusão temporal. É o
que consta do parágrafo único do art. 2455
e do § 3º do art. 2676, ambos do
CPC.
De conformidade com o texto do § 4º do art. 515 do CPC, são
passíveis de cognição pelo tribunal as nulidades "sanáveis".
Pois bem: qual a extensão da expressão nulidades "sanáveis",
de modo que seja possível a atividade saneadora respectiva por parte do
tribunal? É o que se aborda a seguir.
4 - Nulidades absolutas são sanáveis?
Não raro associa-se a expressão "nulidades sanáveis" com as nulidades relativas, como se apenas estas admitissem saneamento (correção) no âmbito do processo civil. Nesse sentido clássico de pensamento, as nulidades absolutas seriam consideradas insanáveis.7
Considerando-se tal linha de entendimento, tão-só as
nulidades relativas seriam passíveis de atividade judicial de ofício em grau
recursal.
A defesa dessa
concepção, contudo, geraria grande limitação da esfera de abrangência da norma
inserida no § 4º do artigo 515 do CPC, dado que poderiam ser corrigidas (ou
consertadas, conforme referência de Wambier, Talamini e Correia de Almeida8) na
própria segunda instância (sem necessidade de remessa dos autos ao primeiro grau
para saneamento da nulidade) apenas as nulidades relativas.
Aqui, convém registrar de modo bastante demarcado ser este o
relevo da adequada conceituação do que vêm a ser "nulidades sanáveis": se a
possibilidade existir atividade judicial de ofício em grau recursal no sentido
de serem detectadas as nulidades absolutas (relembre-se o teor do § 3º do art.
267 do CPC), não constava do CPC qualquer previsão, anteriormente ao § 4º do
art. 515, de possibilidade não só de cognição das nulidades processuais (de ofício
as absolutas, por provocação das partes as relativas), mas também de
determinação de que no próprio segundo grau de jurisdição desenvolva-se
atividade jurisdicional saneadora da nulidade, seja para determinar a
realização de ato que não foi praticado em primeiro grau, seja para determinar
a repetição de ato que, em que pese tenha sido praticado, não veio ao mundo
mediante observância dos preceitos legais processuais.
A confusão que pensamos existir advém do indevido
baralhamento do conceito de nulidades sanáveis e insanáveis com o de nulidades
convalidáveis e não convalidáveis.
Entendemos que o fato de serem convalidáveis ou não as
nulidades tem a ver não com sua sanabilidade, senão com a circunstância de
existirem certos vícios processuais que, se não forem suscitados pela parte
interessada, passam a ser "não-vícios", porquanto passíveis de prorrogação.
O tempo processual, no que tange às nulidades convalidáveis,
assume função curativa e convola vício processual em "não-vício" processual. O
exemplo rematado dessa situação advém da própria incompetência relativa, que se
não argüida prorroga-se, convolando-se em competente o juízo incompetente
territorialmente ou em razão do valor.
A expressão sanabilidade (nulidades sanáveis ou insanáveis),
d'outro modo, não se vincula à possibilidade de convalidação ou não
convalidação (prorrogação ou não-prorrogação), porém à possibilidade de
correção do ato viciado.
Essa possibilidade de correção do ato viciado pode operar-se
indistintamente tanto a respeito dos atos absolutamente nulos quando no que se
refere aos atos relativamente nulos.
Em confirmação ao que ora se afirma, tome-se como exemplo a
seguinte gama de nulidades absolutas que admitem saneamento (são, portanto,
sanáveis): ausência de instrumento de mandato (acarretando falta de pressuposto
processual de existência, qual seja, capacidade postulatória), insuficiência de
recolhimento de preparo recursal, falta de assinatura de petição por advogado,
determinação de remessa de recurso à instância superior sem intimação para
apresentação de contra-razões (lesão ao princípio do contraditório e da ampla
defesa) etc.
Perceba-se que, mesmo lavrando-se rápido rol de hipotéticos
vícios processuais de caráter absoluto que podem ocorrer ao longo do processo
civil, é perfeitamente admissível seu saneamento, empregando-se tal termo no
sentido de ser factível sua correção e prosseguimento do feito.
Nesta toada, vê-se às claras que a expressão "nulidades
sanáveis" contida no precitado § 4º do art. 515 do CPC espraia-se às nulidades
absolutas e às nulidades relativas, repita-se, indistintamente, isto é, sem que
se adstrinja exclusivamente às nulidades relativas.
Nulidades convalidáveis, neste diapasão, são nulidades
prorrogáveis (relativas, portanto). Nulidades sanáveis são nulidades
corrigíveis, independentemente de seu caráter relativo ou absoluto.
5 - A aplicação do art. 515, § 4º, a outros recursos cíveis
além da apelação
Conforme já observado por comentaristas das reformas
estabelecidas pela lei 11.276/06, a inserção de um § 4º ao art. 515 do CPC no
sentido de se permitir a correção de nulidades sanáveis em grau recursal deve
ser entendida como extensível a todos os recursos cíveis, dado tratar-se de uma
regra geral dos recursos.
O fato, como observa Cássio Scarpinella Bueno, é que, a
despeito de constar no texto do art. 515, § 4º, que, "cumprida a diligência
(correção da nulidade sanável), sempre que possível prosseguirá o julgamento da
apelação"9, deve tal dispositivo de lei
ter sua vigência ampliada para todas as demais atividades recursais,
especialmente porque sua razão de ser (permitir a atividade judicante saneadora
de nulidades sanáveis em grau recursal, em homenagem à celeridade da
jurisdição) assim o exige e porque os demais recursos, além da apelação,
igualmente compõem relevante manancial de hipóteses em que vícios de ordem
procedimental podem ser conhecidos de ofício, e sanados pelo magistrado,
permitindo-se o julgamento do recurso em seqüência.10
Como exemplo de outra
disposição que, em que pese figurar exclusivamente no Capítulo III do Título X
do CPC (destinado ao recurso de apelação, a princípio), é regra geral dos
recursos, mencione-se a norma contida no art. 519 do CPC, determinante do
relevamento da pena de deserção em caso de demonstração de justo motivo para
tanto.
A demonstração, pelo recorrente, de justo motivo impeditivo
do recolhimento de valores necessários ao processamento do recurso11 perfaz regra subsumível aos demais recursos
cíveis, a despeito de constar expressamente como disposição típica do recurso
de apelação.
6 - O prosseguimento do julgamento, quando possível
Em trecho final de sua redação, consta do § 4º do art. 515
do CPC que, "cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o
julgamento da apelação".
Já registrada nossa convicção de que a regra sob comento
aplica-se aos demais recursos cíveis e não exclusivamente à apelação,
cumpre-nos avaliar qual a amplitude desta locução "sempre que possível" como
condição para o prosseguimento do julgamento do recurso.
A nosso ver, o legislador utilizou-se da expressão "sempre
que possível" como condição para o seguimento do julgamento recursal porque,
por exemplo, pode ocorrer de, uma vez identificada a nulidade sanável, não se
desincumbir a parte da realização ou renovação do ato de modo a corrigi-la.
Nesta hipótese, ainda que tenha existido identificação de ofício de nulidade
sanável e ainda que tenha o tribunal instado a parte à sua correção, não será
possível o seguimento do julgamento recursal.
À guisa de exemplo, tome-se a situação da parte que,
provocada a complementar o depósito do valor de preparo (CPC, art. 511), não o
faz: estar-se-ia, aqui, diante de hipótese clara de impossibilidade de
seguimento do julgamento da apelação.
Há que se observar, ainda, que a locução "sempre que
possível" deve-se ao fato de que a nulidade sanável referida no § 4º do art.
515 do CPC pode ter sua correção empreendida de ofício pelo magistrado ou pode
depender de ato da parte.
Podendo dar-se a supressão da nulidade sanável de ofício,
evidentemente se segue o julgamento recursal após sua realização. É o que
ocorre, por exemplo, quando o tribunal, tendo recebido o recurso de apelação
sem contra-razões, afere que não a subida dos autos deu-se sem a necessária
intimação da parte recorrida para contra-razões: a simples intimação, por
iniciativa do tribunal, da parte recorrida para que responda ao recurso
acarretará a correção da nulidade sanável.
De se contemplar, ainda, a possibilidade de a nulidade
identificada pelo tribunal quando do julgamento recursal exigir a prática de
atos processuais de competência exclusiva do primeiro grau de jurisdição.
Ad exemplum, imagine-se a hipótese de haver o tribunal,
quando do julgamento da apelação, identificado que não houve intimação
escorreita de litisconsorte acerca da sentença que lhe foi desfavorável: há
evidente nulidade (na medida em que o litisconsorte não foi intimado da
sentença), cuja correção (a intimação da sentença) e atos processuais seguintes
devem ser praticados em primeiro grau de jurisdição, dada sua competência
funcional para tanto (primeiro juízo de admissibilidade de eventual apelação
interposta por este litisconsorte). Suprida a nulidade sanável em questão (o
que deve ocorrer necessariamente em primeiro grau de jurisdição, por conta da
competência exclusiva deste para o recebimento da apelação), os autos tornam ao
tribunal para prosseguimento da apelação.
Em suma, a locução "sempre que possível" justifica-se pela
circunstância de ser meramente potencial a supressão da nulidade sanável
diretamente em segunda instância, seja porque a parte não logrou cumprir a
determinação judicial de realização ou renovação do ato, seja porque o próprio
tribunal não constitui o foro adequado para a atividade corretiva da nulidade
sanável.
7 - Reflexo do § 4º do art. 515 do CPC nas custas recursais
Antes do vigor da Lei 11.276/06 (de que deriva o § 4º do
art. 515), apenas era autorizada a complementação de preparo recursal, vedado o
seu pagamento integral em momento distinto do da interposição. Em outras
palavras, caso não houvesse ocorrido o pagamento do preparo (e aqui não se está
cogitando de pagamento insuficiente), não se afigurava possível fazê-lo em
outro momento, dado que o art. 511, § 2º, do CPC autoriza apenas a
complementação do preparo "insuficiente".
Com o advento do art. 515, § 4º, do CPC, em que se permite a
correção de nulidades sanáveis em grau recursal, entendemos que custas
recursais em sentido amplo (sejam custas de preparo, sejam custas de porte de
remessa e retorno) não recolhidas não poderão mais obstar o processamento dos
recursos de plano (dever-se-á conceder à parte faculdade para corrigir o
problema das custas).
Deveras, considerando-se que eventual não pagamento de
custas recursais compõe nulidade sanável, poderá o tribunal, em vez de
simplesmente determinar o não seguimento do recurso, instar a parte recorrente
a juntar aos autos as guias comprobatórias de recolhimento das custas em
questão. Para se evitar tumulto processual, pensamos que tal possibilidade deve
limitar-se a uma vez. Analogamente, se é possível a emenda da inicial (a
principal peça do feito), por que não seria lícito fazê-lo relativamente à peça
recursal?
Cabe, contudo, uma indagação: se o § 4º do art. 515 do CPC
perfaz norma direcionada à atividade jurisdicional de segundo grau, como lidar
com a ausência de pagamento das custas recursais em primeiro grau de
jurisdição, quando da interposição do recurso de apelação, por exemplo?
O presente questionamento justifica-se pelo fato de que,
antes mesmo de subirem os autos da apelação ao órgão ad quem, poderá ocorrer a
inadmissão do recurso por falta de preparo na instância monocrática, o que
objetaria a abertura da competência recursal do tribunal de modo que este
lançasse mão do art. 515, § 4º, do CPC.
A respeito desta questão, vislumbramos na norma sub examine
(CPC, art. 515, § 4º) autêntica nova diretriz a respeito do tema "custas
recursais": a interpretação sistêmica deste dispositivo tem o condão de tornar
menos rigorosos aspectos como as custas recursais. De fato, se o próprio
tribunal poderá determinar, de ofício, o saneamento de nulidades sanáveis, é de
se concluir, a fortiori, que poderá fazê-lo também a instância singular.12
Ainda no que atinente ao preparo, outra circunstância de
iterativa ocorrência no cotidiano forense terá de ter seu enfoque modificado:
referimo-nos às hipóteses em que, tendo a parte requerido, quando da
interposição do recurso, os benefícios da assistência judiciária gratuita,
indefere-se tal pleito e julga-se deserto o recurso.13
De nossa parte, entendemos incorreta tal orientação decisória: caso o pedido de gratuidade seja deduzido no bojo do próprio recurso, e o órgão jurisdicional haja por bem indeferi-lo, deverá ser concedida à parte oportunidade para o pagamento das custas recursais, dado que, como dito, o tema "custas" sempre se revela nulidade passível de correção, tanto mais após a entrada em vigor do § 4º do art. 515 do CPC.
_____________
1 "Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º (...)
§2º (...)
§ 3º (...)
§4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal
poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as
partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da
apelação."
2 Estas são algumas
das assertivas constantes da exposição de motivos n. 182 do Ministério da
Justiça, relativa ao Projeto de Lei n. 4.724/2004, que gerou a Lei 11.276/06,
conforme consulta realizada no endereço eletrônico
3 "Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação
de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe
alcançar a finalidade."
4 "Art. 245. A nulidade dos atos deve ser alegada na
primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de
preclusão."
5 "Art. 245. (...)
Parágrafo único. Não se aplica esta disposição ás nulidades
que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte
legítimo impedimento."
6 "Art. 267. (...)
§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento."
7 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 2º v., 20ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 1999, p. 65. Para o insigne processualista, discorrendo sobre os vícios dos atos processuais, "absolutamente nulos são aqueles atos que não observam requisitos que a lei considera indispensáveis ao bom andamento da função jurisdicional (Liebman). Ressentem-se de vício insanável, pelo que o próprio juiz deve de ofício declarar a sua nulidade, salvo quando a lei autorize a possibilidade de sua convalidação". "Relativamente nulos são aqueles atos cuja nulidade, sem embargo do vício que os torna inidôneos ao fim visado, somente pode ser declarada por provocação do interessado. Ressentem-se de vício sanável, ou seja, de vício que se desfaz pela superveniência de uma condição que os revalide (Liebman, Bonumá). Assim, a própria falta de argüição do vício pelo interessado, em tempo hábil, revalida o ato". "Em regra, os vícios dos atos processuais são sanáveis, donde, em regra, as nulidades serem relativas" (op. cit., p. 65).
8 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, v. 1, 8ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, p. 189.
9Nossos parênteses.
10BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil v.2, Ed. Saraiva, São Paulo, 2006, p. 23.
11Seja a que título for: preparo no caso das apelações, custas de interposição no caso de recursos extraordinários, porte de remessa e retorno.
12Neste sentido, confira-se opinião de FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Ausência de preparo e o novo § 4º do art. 515 do CPC: "técnica a serviço da efetividade", Revista de Processo n. 137, Ed. Revista dos Tribunais p. 92 e ss.
13O cenário admite ilustração consoante a seguinte decisão: "PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. POSTULAÇÃO TARDIA, FEITA CONCOMITANTEMENTE COM A APELAÇÃO. PROPÓSITO IDENTIFICADO DE SE ESQUIVAR DA SUCUMBÊNCIA. ABERTURA DE PRAZO PARA PREPARO INCONSISTENTE. INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 511 DO CPC.
I. Não se configura nulidade quando o acórdão estadual, como aqui aconteceu, enfrenta as questões essenciais fundamentadamente, apenas com conclusão contrária ao interesse da parte.
II. O pedido de gratuidade formulado tardiamente, concomitantemente com a interposição da apelação, não tem o condão de, acaso indeferido, postergar o momento do preparo, que é cogente e expressamente definido pela regra do art. 511 do CPC.
III. Deserção da apelação corretamente aplicada.
IV. Inexistência de circunstância especial, a demandar solução diversa.
V. Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp. n. 434.784,
rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 16.02.2004).
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* Rogerio Licastro Torres de Mello, do escritório Licastro Sociedade de Advogados.