A resolução 107/13 do INPI - Novas regras para o reconhecimento e registro de marcas de alto renome
A resolução parece ter se equivocado no tocante ao princípio do contraditório, por não oferecer a possíveis interessados a possibilidade de impugnação.
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Atualizado em 28 de agosto de 2013 11:58
Foi publicada, no Diário Oficial da União de 20/8/13, a resolução 107/13, do INPI, que "estabelece a forma de aplicação do disposto no art. 125 da Lei nº 9.279/96" ("lei da propriedade industrial"), o qual assegura à marca registrada no Brasil, considerada de alto renome, proteção especial, em todos os ramos de atividade.
As marcas de alto renome são sinais distintivos que, dada a sua autoridade incontestável, conhecimento e prestígio diferidos, extrapolam o seu segmento de mercado, merecendo ampla proteção, em exceção ao princípio da especialidade, que rege a concessão e proteção às marcas em geral. A marca de alto renome tem, assim, o condão de impedir, de forma extraordinária, o registro e o uso de outros signos iguais, semelhantes ou afins, independentemente dos produtos ou serviços por eles identificados.
Em breve histórico, os titulares de marcas consideradas notórias, sob a vigência do Código da Propriedade Industrial de 1971, tinham à sua disposição a possibilidade de obtenção de um registro especial, mediante requerimento direto ao INPI, para proteção em todas as classes de produtos ou serviços.
Posteriormente, a lei da propriedade industrial trouxe duas importantes modificações, quais sejam: o reconhecimento de que a condição do alto renome (reconhecimento pelo público/consumidor) deveria ser analisada como uma situação de fato. Consequentemente, não previu um registro especial para os titulares das marcas consideradas de alto renome, dada a mutabilidade dessa situação de fato durante o período de vigência do registro da marca.
Daí poder-se afirmar que, a partir da lei da propriedade industrial, a condição de alto renome de determinada marca deve ser reconhecida, no âmbito administrativo e também judicial, independentemente de qualquer registro especial ou anotação pelo INPI.
Entretanto, a ausência de regulamentação para o reconhecimento da condição de alto renome acabou, infelizmente e ao contrário do propósito da Lei da Propriedade Industrial, acarretando insegurança jurídica e a prolação de decisões administrativas e judiciais contraditórias, algumas das quais condicionando o reconhecimento do alto renome à sua anotação pelo INPI, à semelhança do que ocorria no Código da Propriedade Industrial de 1971.
Nesse cenário, e a fim de facilitar a defesa (pelos titulares das marcas de alto renome) no âmbito dos processos administrativos1, o INPI editou a resolução 121/05 (substituída pela resolução INPI/PR 23/13, de igual teor), que estabeleceu que o reconhecimento e a anotação da proteção especial conferida às marcas de alto renome deveriam ser pleiteados por via incidental, como matéria de defesa, em duas únicas oportunidades: (i) quando da apresentação de oposição a pedido de registro de marca de terceiro e (ii) na apresentação de processo administrativo de nulidade de registro de marca de terceiro2.
Ou seja, a resoluçãoº 121/05 não previa a possibilidade de requerimento direto para o reconhecimento da condição de alto renome, ficando este condicionado ao depósito ou registro, no INPI, de sinais que caracterizassem reprodução ou imitação da marca de alto renome, o que na maioria das vezes não ocorria.
Além de limitar o reconhecimento dessa condição à forma incidental, a resolução 121/05 estabelecia um prazo de apenas cinco anos para a vigência da anotação do alto renome, renovável apenas em caso de novo requerimento incidental. Significa dizer que, se decorrido tal prazo, e um terceiro não requeresse uma marca igual ou semelhante em outra classe a ensejar a sua impugnação em um novo procedimento incidental, a marca de alto renome perderia essa anotação no INPI, independentemente da sua fama e prestígio.
Tais problemas também foram, novamente, objeto de diversas críticas, uma vez que comprometiam a efetividade da proteção especial conferida às marcas de alto renome, podendo, ainda, prejudicar os vultosos investimentos que os titulares de marcas de alto renome despendem para garantir a qualidade e prestígio dos seus signos.
Nesse sentido, reconhecendo a necessidade de aprimoramento do modelo de anotação do alto renome, o INPI publicou a resolução 107, que estabelece um procedimento autônomo para a anotação da condição de alto renome de marcas registradas, mediante a apresentação de petição específica, relativa a um único sinal marcário e que poderá ser apresentada a qualquer tempo da vigência do respectivo sinal.
Com esse novo procedimento, o titular interessado em obter tal anotação não precisará aguardar eventual depósito ou registro de signo que reproduza ou imite a sua marca, podendo formular pedido direto e autônomo, o que desburocratiza e gera independência ao sistema.
Para comprovar a condição do alto renome de marca registrada, o seu titular deverá demonstrar (i) o reconhecimento do signo de sua titularidade por ampla parcela do público em geral; (ii) a qualidade, reputação e prestígio que o público associa à marca e aos produtos e serviços por ela assinalados, preferencialmente por meio de pesquisas de mercado; e (iii) o grau de distintividade e exclusividade do sinal marcário3.
Caso reconhecido o alto renome da marca, o INPI anotará tal condição no respectivo registro pelo prazo de 10 anos, renovável por igual período, mediante a apresentação de novo requerimento.
A resolução 107/13 entrará em vigor a partir da fixação do valor da taxa necessária para o requerimento de anotação da condição do alto renome em nova Tabela de Retribuições do INPI, o que deverá ocorrer em breve.
A partir dessa data, os titulares que já tenham requerido a anotação da condição de alto renome com base na resolução 121/05 terão 90 dias para apresentar petição reiterando o alto renome de sua marca, podendo, para tanto, apresentar documentos adicionais ao exame a ser realizado pelo INPI.
A resolução 107/13 parece ter se equivocado no tocante ao princípio do contraditório, uma vez que não confere aos possíveis interessados a possibilidade de impugnar, previamente, esse requerimento, procedimento comum a todos os pedidos de registro de marca.
Com relação aos recursos, a resolução 107/13 dispõe somente que "da decisão decorrente do exame do requerimento da proteção especial objeto desta Resolução caberá recurso", nos termos da lei da propriedade industrial, sem especificar se apenas o requerente do alto renome pode recorrer ou se terceiros eventualmente afetados pela anotação do alto renome também estariam autorizados, o que nos parece ser o caso.
Não obstante, a possibilidade de questionar a condição de alto renome de determinada marca apenas após a sua concessão e o exame de fartas provas pelo INPI pode colocar eventuais terceiros titulares de outras marcas (até mesmo de alto renome) em condição de desvantagem.
Sem prejuízo dessa crítica pontual, a resolução 107/13, ao prever um procedimento autônomo e independente para a obtenção do reconhecimento do alto renome de marcas registradas pelo INPI, constitui um inegável avanço, conferindo maior segurança jurídica aos signos distintivos e a possibilidade de sua defesa aos seus titulares.
Com isso, todos aqueles titulares de marcas de alto renome que, até então, não tiveram a oportunidade de buscar tal reconhecimento pelo INPI podem iniciar os preparativos para buscar essa proteção de forma autônoma.
Por fim, ressalte-se que a resolução 107/13 tem natureza exclusivamente administrativa, com função precípua de facilitar a defesa dos titulares de marcas de alto renome e da anotação dessa condição no sistema de marcas do INPI.
Em nosso entendimento, o artigo 125 da lei da propriedade industrial está sujeito "à regulamentação do INPI", tal qual recentemente decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.162.281-RJ, relatora ministra Nancy Andrighi), apenas e tão somente para o fim da anotação dessa condição no âmbito administrativo do INPI.
Dessa forma, a edição da resolução 107/13 não exclui do Poder Judiciário o direito constitucional ao reconhecimento da condição de alto renome de marcas registradas, de forma direta ou incidental, em medidas que questionem o uso indevido de marcas por terceiros, ainda que os efeitos desse reconhecimento devam ser inter partes, não alcançando terceiros que não participaram da lide, ou seja, sem a constituição de coisa julgada material.
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1 - Lei da Propriedade Industrial:
Art. 158. Protocolizado, o pedido será publicado para apresentação de oposição no prazo de 60 (sessenta) dias.
(...)
Art. 168. A nulidade do registro será declarada administrativamente quando tiver sido concedida com infringência do disposto nesta Lei.
Art. 169. O processo de nulidade poderá ser instaurado de ofício ou mediante requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da expedição do certificado de registro.
2 - Art. 3º A proteção especial conferida pelo art. 125 da LPI deverá ser requerida ao INPI, pela via incidental, como matéria de defesa, quando da oposição a pedido de registro de marca de terceiro ou do processo administrativo de nulidade de registro de marca de terceiro que apresente conflito com a marca invocada de alto renome, no INPI, nos termos e prazos previstos nos arts. 158, caput, e 168 da LPI, respectivamente.
§ 1º O INPI, quando do exame da oposição ou do processo administrativo de nulidade de que trata o caput, apreciará e decidirá quanto à condição de alto renome da marca.
§ 2º Reconhecido o alto renome da marca, o INPI acolherá a oposição ou o processo administrativo de nulidade e decidirá pelo indeferimento do pedido de registro ou pela nulidade do registro, independentemente de impedimentos outros oponíveis.
§ 3º Não reconhecido o alto renome da marca, o INPI rejeitará a oposição ou o processo administrativo de nulidade e decidirá pelo deferimento do pedido de registro ou pela manutenção do registro, ressalvados impedimentos outros oponíveis.
3 - A resolução 107 sugere as seguintes informações como prova da condição de alto renome:
1. Extensão temporal da divulgação e uso efetivos da marca no mercado nacional e, eventualmente, no exterior;2. Perfil e fração do público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica, e perfil e fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identificam a marca com os produtos ou serviços a que ela se aplica;
3. Perfil e fração do público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica, e perfil e fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identificam a marca essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado;
4. Meios de comercialização da marca no Brasil;
5. Amplitude geográfica da comercialização efetiva da marca no Brasil e,eventualmente, no exterior;
6. Meios de divulgação da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior;
7. Valor investido pelo titular em publicidade e propaganda da marca na mídia brasileira nos últimos 5 (cinco) anos;
8. Volume de vendas do produto ou a receita do serviço nos últimos 5 (cinco) anos;
9. Valor econômico da marca no ativo patrimonial da empresa;
10. Perfil e número de pessoas no Brasil atingidas pelas mídias em que o titular anuncia a sua marca;
11. Informações que ofereçam indícios de que está havendo diluição da capacidade distintiva da marca alegada como de alto renome ou de que a mesma esteja sofrendo aproveitamento parasitário por terceiros;
12. Informações que evidenciem a identificação do público com os valores da marca;
13. Informações que demonstrem o grau de confiança do consumidor em relação à marca.
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* André Zonaro Giacchetta, Márcio Junqueira Leite e Vanessa Pirró são advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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