A independência é o norte!
Se D. Pedro I fosse vivo e tivesse a arbitragem como uma de suas ocupações, certamente ele poderia ter sido o pai da frase que intitula este artigo.
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Atualizado em 23 de agosto de 2013 13:40
Se D. Pedro I fosse vivo e tivesse a arbitragem como uma de suas ocupações, certamente ele poderia ter sido o pai da frase que intitula este artigo.
Instituída legalmente no Brasil como instrumento para a solução de controvérsias no campo dos direitos patrimoniais disponíveis por meio da lei 9.307/96, a arbitragem tem crescido sistematicamente no meio jurídico brasileiro, já se encontrando altamente consolidada.
Entre os fundamentos principais desse instituto está o da independência do árbitro, conforme estabelecido pelo parágrafo 6º do art. 13 daquele diploma legal:
Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
(...)
§ 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.
Vejamos o seu entendimento e alcance dentro do campo restrito que é neste momento o objeto de nossas preocupações.
Primeiramente verifica-se que no caput do aludido dispositivo a lei de arbitragem faz uma referência ao fato de que o árbitro deve ter a confiança das partes. Isto não significa que, indicado por uma delas, o árbitro seja considerado defensor dos seus interesses no procedimento arbitral. A confiança de que se trata diz respeito ao fato de que as partes o reconhecem como apto ao exercício da função que lhe foi cometida e que a realizará segundo a orientação dada pelo parágrafo 6º do mesmo artigo, ou seja, com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.
No tocante à afirmação de que a independência é o norte, destacam-se do texto legal em apreço, precisamente, a imparcialidade e a independência propriamente dita.
No tocante à imparcialidade, o árbitro tratará as partes com toda a igualdade, não dando preferência a qualquer delas em todos os momentos do processo. O direito de uma é o mesmo direito da outra. Nesta área os pratos da balança da atividade arbitral devem permanecer sempre em absoluto equilíbrio.
Quanto à independência, ela é o fulcro da confiança que as partes depositam no árbitro, no sentido de que o seu procedimento e a sua consciência estarão direcionados desde o preciso momento em que foi consultado por uma das partes ou pelos dois outros árbitros já escolhidos (para, neste caso, atuar como presidente do painel arbitral) objetivando a prolação de uma sentença fundada na pura aplicação do direito, conforme assim vier a ficar convencido pelas provas produzidas nos autos.
Indicado por uma das partes, o árbitro deve limitar-se a conhecer quem é a outra, para o fim da verificação da não existência de impedimentos, objeto de uma declaração expressa que dará neste sentido. Não é necessário conhecer naquele momento qualquer particularidade do caso para cuja solução colaborará com o seu trabalho (ou será por ele definido isoladamente, na medida em que vier a ser árbitro único). O objeto da arbitragem será obrigatoriamente uma querela no campo dos direitos patrimoniais disponíveis, fundamentalmente nas áreas contratual e societária. A sua competência jurídica ou técnica não se discute, uma vez que para tanto ele foi avaliado pela parte que o indicou e que foi considerada previamente quando se trata de alguém que seja membro do corpo de árbitros de alguma entidade administradora da chamada arbitragem institucional.
A partir de sua indicação e aceitação, o árbitro desliga-se da parte que o indicou e não manterá ligações com esta e com a contraparte a contar deste momento até o final do procedimento arbitral com a entrega da sentença e manifestação final sobre eventuais pedidos de esclarecimentos.
Esta independência não significa dizer que os árbitros passarão a formar um conclave reservado e se fecharão em algum lugar de acesso vedado às partes e aos seus advogados, até que a fumaça branca da sentença seja lançada de alguma chaminé.
O mundo jurídico arbitral no Brasil é ainda relativamente pequeno e nele transitam as pessoas que são designadas como árbitros na habitação dos mesmos espaços e exercendo às vezes ao mesmo tempo em outros casos o papel de advogados. Nestas situações não é raro acontecer que alguém seja árbitro em um caso, e co-árbitro em outro, ao lado de um dos advogados do primeiro. Não há incompatibilidade nem inconveniência uma vez que, cientes de sua posição e de suas responsabilidades em cada um dos casos nos quais estão envolvidos, mantenham o sigilo que deles se exige e a distância que sua consciência moral e jurídica lhe determina.
Atendidos estes parâmetros a arbitragem continuará crescendo e se fortalecendo cada vez mais, como instrumento apta a resolver em um tempo consideravelmente mais reduzido e com maior grau de certeza de aplicação do bom direito casos de elevada complexidade, que não teriam no Judiciário o mesmo grau de atenção e de conhecimento, dada a avassaladora carga de trabalho que se encontra sobre os juízes e os limites de seu saber jurídico, que não pode abranger todas as áreas do direito contratual e societário ao mesmo tempo. Isto porque enquanto cada árbitro é escolhido a dedo pelas partes segundo a área de sua experiência profissional e, portando, dando à sentença uma caráter de roupa sob medida, o juiz frequentemente transita durante a sua carreira por muitas áreas e trata do caso na condição de um vestuário prêt -à-porter.
Por tudo isto, repita-se, A Independência é o Norte!
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* Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial da USP e consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.