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Causas das concausas

Há questões jurídicas que, diante da riqueza de detalhes e da própria curiosidade do fato no qual se embasam, demandam muita atenção do intérprete e são frutos de proveitosos debates.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Atualizado em 19 de agosto de 2013 13:22

Há questões jurídicas que, diante da riqueza de detalhes e da própria curiosidade do fato no qual se embasam, demandam muita atenção do intérprete e são frutos de proveitosos debates, que certamente enriquecem os estudantes e operadores que pretendem se aproximar e ter contato com uma fonte infindável de indagações e de estudo.

Deste modo, pode-se afirmar que, na seara penal, o estudo das concausas está certamente entre as questões de alta curiosidade. Quem não se recorda, no início do estudo de Direito Penal, a clássica indagação a respeito do agente que foi alvejado por tiros, é socorrido, mas falece no acidente automobilístico da ambulância que o transportava? Onde se situa responsabilização penal?

Inicialmente, para a correta compreensão das concausas, mister o conhecimento da extensão do artigo 13, CP, e das teorias que lhe são correlatas. Posto isto, tem-se que a regra geral, conforme caput do artigo 13, in fine, CP, é a aplicação da Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (ou teoria da conditio sine qua non), segundo a qual causa é todo fato oriundo de comportamento humano sem o qual o resultado não teria ocorrido (nem como, nem quando ocorreu).

Assim, para que se possa aferir se algum comportamento ou acontecimento insere-se neste conceito de causa, aplica-se o processo hipotético de eliminação, desenvolvido por Thyrén: suprime-se mentalmente um determinado fato que está no desenvolvimento linear do crime. Se não ocorrer resultado naturalístico em razão dessa supressão, é porque esse fato era causa; de outro lado, se persistir, causa não será (ex: disparos fatais de arma de fogo contra a vítima - se forem suprimidos, não há crime de homicídio - logo, são causa).

Mas somente esse processo ainda não é suficiente para a determinação da causa, pois ele, por si só, permite o regressus ad infinitum (regresso ao infinito). Como exemplo, imagine-se a fabricação de uma arma de fogo que, posteriormente vendida, foi utilizada pelo comprador em um homicídio. Com efeito, caso seja suprimida, o crime em tese não existiria.

Por isso, a doutrina foi firme e contundente em afastar essa possibilidade, criando a figura da imputatio delicti (causalidade psíquica), que nada mais é do que a exigência de dolo ou culpa do agente para a produção do resultado. Assim, o fabricante da arma sequer age com culpa em um eventual homicídio; porém o agente que dispara contra a vítima age dolosamente.

Mas esse ainda não é o maior obstáculo a ser superado nessa questão. Excepcionalmente, nosso Código Penal adota a Teoria da Causalidade Adequada (art. 13, §1º, CP), que considera causa como sendo uma conduta adequada à produção do resultado. Ou seja, não basta que o comportamento do agente seja indispensável para o desdobramento do crime (como na conditio sine qua non); ele precisa ser adequado. Justamente por essa razão, o estudo das concausas torna-se fundamental, conforme adiante será explicitado.

Sendo assim, seguindo tal linha de raciocínio, faz-se necessária a definição do termo "concausa", que nada mais é do que o concurso de fatores (preexistentes, concomitantes ou supervenientes) que, paralelamente ao comportamento do agente, são capazes de modificar o curso natural do resultado. Ou seja, são fatores externos à vontade do agente, mas que se unem a sua conduta. Assim, têm-se duas causas: a do agente e esses fatores que com a dele convergem. Desta feita, em relação a esses fatores, pode-se afirmar que existem duas modalidades de causas: as dependentes e as independentes. Neste espaço, pretende-se discutir apenas acerca das últimas, por terem maior relevância e complexidade.

Cumpre então destacar que as causas independentes, isto é, aquelas cujo aparecimento não é desejado e nem previsto pelo agente e produzem por si só o resultado, são divididas em duas: (a) as absolutamente independentes e (b) as relativamente independentes, a depender da sua origem.

As absolutamente independentes não possuem qualquer vínculo com a conduta do agente, ou seja, possuem uma origem totalmente divorciada da conduta delitiva e ocorreriam ainda que o agente jamais tivesse agido. Por isso, trazem uma solução mais simples e não podem, jamais, ser confundidas pelo intérprete, até porque seus exemplos são clássicos e trazidos pela mais ampla doutrina. Possuem três modalidades, a saber:

1) Preexistente: é a causa que existe anteriormente à conduta do agente. Ex: "A" deseja matar a vítima "B" e para tanto a espanca, atingindo-a em diversas regiões vitais. A vítima é socorrida, mas vem a falecer. O laudo necroscópico, no entanto, evidencia como causa mortis envenenamento anterior, causado por "C", cujo veneno ministrado demorou mais de 10 horas para fazer efeito1;

2) Concomitante: é a causa que surge no mesmo instante em que o agente realiza a conduta. Ex: "A" efetua disparos de arma de fogo contra "B", que vem a falecer em razão de um súbito colapso cardíaco (cuidado, não se trata de doença cardíaca preexistente, mas sim de um colapso ocorrido no mesmo instante da conduta do agente!);

3) Superveniente: é a causa que atua após a conduta do agente. "A" administra dose letal de veneno para "B". Enquanto este último ainda está vivo, desprende-se um lustre da casa, que acaba por acertar qualquer região vital de "B" e vem a ser sua causa mortis.

Assim sendo, percebe-se que nos três itens acima citados o resultado naturalístico ocorreu de maneira totalmente independente da conduta do agente e que as causas atuaram de forma independente foram responsáveis pela produção do resultado. Então, por não haver relação de causalidade (nexo causal) entre resultado e conduta do agente, este responde apenas pelos atos já praticados, isto é, por tentativa de homicídio, desde que comprovado o animus necandi.

Conclui-se, assim, que nas causas absolutamente independentes (quaisquer de suas modalidades - preexistentes, concomitantes ou supervenientes) o agente responderá somente pelos atos já praticados, mas jamais pelo resultado, ante a falta de relação de causalidade. Aplica-se, então, a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (conditio sine qua non), prevista no artigo 13, caput, CP.

Já as causas relativamente independentes, por sua vez, têm origem na conduta do agente e, por isso, são relativas: dependem da atuação do agente para existir. Também possuem três modalidades:

1) Preexistente: a causa existe antes da prática da conduta, embora seja dela dependente. O clássico exemplo é o agente que dispara arma de fogo contra a vítima, causando-lhe ferimentos não fatais. Porém, ela vem a falecer em virtude do agravamento das lesões pela hemofilia.

2) Concomitante: ocorre simultaneamente à conduta do agente. Outro clássico exemplo é o do agente que dispara arma de fogo contra a vítima, que foge correndo em via pública e morre atropelada por algum veículo que ali trafegava.

Nessas duas hipóteses, por expressa previsão legal (art. 13, caput, CP), aplica-se a teoria da equivalência dos antecedentes causais e o agente responde pelo resultado naturalístico, já que se suprimindo mentalmente sua conduta, o crime não teria ocorrido como e quando ocorreu. Assim, responde por homicídio consumado.

A grande e essencial diferença aparece na terceira causa relativamente independente:

3) Superveniente: aquela que ocorre posteriormente à conduta do agente. Neste específico caso, torna-se necessário fazer uma distinção, em virtude do comando expresso ao artigo 13, §1º, CP: A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Ora, da simples leitura deste artigo, depreende-se que existem as causas relativamente independentes que, por si só, excluem o resultado e as que não excluem. Sendo assim, novamente pelo expresso comando legislativo, apenas as que produzem por si só o resultado naturalístico terão tratamento diverso.

Para resumir:

1) Causa Superveniente Relativamente Independente que não produz por si só o resultado: aplica-se a teoria da conditio sine qua non - regra geral - por não se enquadrar na exceção do §1º do artigo 13. Como exemplo clássico, tem-se a vítima que é alvejada por disparos não fatais, mas vem a falecer em virtude de imperícia médica na oportunidade da cirurgia a qual teve que ser submetida em virtude dos ferimentos. Resta claro que a imperícia médica não mata qualquer pessoa, mas somente aquela que enseja a intervenção médica. Como a lei manda aplicar a teoria da equivalência dos antecedentes, constata-se que a vítima somente faleceu em virtude da intervenção cirúrgica necessária em razão dos ferimentos causados por disparos de arma de fogo (suprimindo-se os disparos, a cirurgia não seria necessária e, portanto, temos a causa do homicídio). Logo, neste caso, o agente responde por homicídio consumado.

2) Causa Superveniente Relativamente Independente que produz por si só o resultado: é a situação excepcional, que se amolda ao artigo 13, §1º, CP. Aqui, aplica-se a teoria da Causalidade Adequada e temos como exemplo a vítima que é atingida por disparos de arma de fogo não fatais, mas vem a falecer em virtude do acidente automobilístico de sua ambulância e a vítima que, também alvejada, vem a falecer em razão de um incêndio na ala de feridos do hospital.

Neste preciso ponto, demanda-se máxima atenção do estudioso do Direito Penal. Caso houvesse apenas o caput do artigo 13, CP, nesse último item teríamos a imputação de homicídio consumado ao agente, vez que, pela teoria da equivalência dos antecedentes, sua conduta é causa do homicídio.

Destarte, a lei não contém palavras inúteis e a previsão do §1º, artigo 13, tem sua razão de existir. Por expressa determinação, deve-se aplicar a teoria da Causalidade Adequada nos casos do item 2 supra, o que enseja entendimento diverso.

Por essa teoria, entende-se como causa uma contribuição adequada do agente. Assim, naqueles exemplos da ambulância e do hospital em chamas, qualquer pessoa que ali estivesse fatalmente iria morrer e não apenas a vítima alvejada por disparos. Como o disparo não fatal não é adequado para configuração do homicídio, o resultado naturalístico morte (em razão do acidente ou do incêndio) não pode ser imputado ao agente. Por isso, nestes casos do item 2, o agente responde por homicídio tentado.

Percebe-se, deste modo, a grande diferença. Nosso Código Penal determina em quais situações deve o intérprete se valer da regra geral (conditio sine qua non) e em quais situações se valer da exceção (causalidade adequada). Assim, a imputação ao agente é completamente distinta, a depender da teoria aplicada.

Portanto, recomenda-se demasiada atenção para caracterizar qual modalidade de concausa incide no caso concreto, para optar pela teoria correspondente e, assim, atribuir o resultado naturalístico ao agente. Mesmo com tal zelo, não se pode perder de vista que a diferenciação decorre única e exclusivamente do comando legal.

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1 É cientificamente comprovado que o arsênico, por exemplo, leva cerca de 16 horas para produzir seus efeitos.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado e pós-graduado "Lato Sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/São Paulo.

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