A lei anticorrupção brasileira
"Um ponto que chama a atenção na lei anticorrupção é a valoração dada às iniciativas adotadas pelas empresas no sentido de prevenir práticas de fraude e corrupção no âmbito empresarial", ressalta o autor.
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Atualizado em 19 de agosto de 2013 12:37
Em 1/8/13 foi sancionada a lei 12.846/13 ("lei anticorrupção"), que regulamenta a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública. O momento é propício para se debater o combate à corrupção, notadamente diante das recentes iniciativas populares de ir às ruas protestar contra o nível de corrupção da Administração Pública brasileira.
A nova lei preenche uma lacuna em nossa legislação, já que até hoje, não havia legislação específica encarregada de imputar a pessoas jurídicas qualquer penalidade pela prática de atos de corrupção. A lei procura atender ao compromisso assumido pelo Brasil no ano de 2000 perante a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ao ratificar a convenção sobre o combate da corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. A corrupção envolvendo funcionários públicos estrangeiros foi recentemente regulamentada por países como o Reino Unido, o México e o Chile, seguindo os passos dos EUA, que desde os anos 70 trata do assunto por meio do FCPA - Foreign Corrupt Practices Act.
A legislação brasileira, entretanto, não se limitou a tratar da corrupção do funcionário público estrangeiro, mas atribuiu responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas que praticarem atos lesivos à Administração Pública, seja ela nacional ou estrangeira. As práticas definidas como lesivas incluem não apenas o efetivo pagamento de quantia ou dação de vantagem indevida a agente público ou terceiros a ele relacionados, mas também o oferecimento ou custeio dessas práticas. A lei anticorrupção alcança ainda aqueles que utilizarem intermediários para de alguma maneira beneficiar agentes públicos e veda, ainda, uma série de atos que atentem contra o caráter competitivo de licitações públicas ou contra o equilíbrio originário dos contratos administrativos.
Na esfera administrativa, as sanções aplicadas abrangem a publicação extraordinária de eventual condenação e o pagamento de multa que pode chegar a 20% do faturamento bruto do exercício financeiro anterior à instauração do processo administrativo. A multa nunca deverá ser inferior à vantagem auferida pela condenada, e pelo seu pagamento são solidariamente responsáveis às empresas controladas, controladoras, coligadas e também as consorciadas integrantes de um mesmo contrato administrativo. Quando for impossível a aplicação do critério do faturamento anual, a multa deverá variar entre R$ 6.000 e R$ 60 milhões. Na esfera cível, a Administração Pública poderá ajuizar ações requerendo o perdimento de bens, direitos ou valores de modo a ressarcir o erário público na proporção das vantagens obtidas. Tais ações podem, ainda, resultar na suspensão ou interdição parcial de suas atividades, e, nos casos mais graves, na dissolução compulsória da pessoa jurídica.
A exemplo do que preveem a nossa lei de defesa da concorrência (lei 12.529/11) e algumas legislações anticorrupção estrangeiras, a lei anticorrupção autoriza a realização de acordos de leniência com empresas acusadas da prática de atos lesivos que colaborem com as investigações e respectivo processo administrativo, podendo reduzir em até 2/3 o valor da multa aplicada.
Ao invés de delegar a instauração e condução desses processos administrativos a um único órgão que desenvolva o conhecimento técnico necessário ao desempenho dessa atribuição, o texto legal confere tal competência à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em cujo âmbito tenha ocorrido o suposto ato lesivo, com a possibilidade de delegação única. Exceção a essa regra diz respeito aos processos relativos a agentes públicos estrangeiros, cuja condução é de competência exclusiva da CGU - Controladoria Geral da União. A pluralidade de órgãos competentes para condenar empresas por violações à lei anticorrupção pode ser uma causa de apreensão do empresariado em relação ao nível de coesão entre os processos administrativos que serão instaurados Brasil afora.
Finalmente, um ponto que chama a atenção na lei anticorrupção é a valoração dada às iniciativas adotadas pelas empresas no sentido de prevenir práticas de fraude e corrupção no âmbito empresarial. A lei anticorrupção é expressa ao garantir que a existência de mecanismos que reforcem a integridade das empresas tais como controles internos, canais de denúncia e a efetiva aplicação de códigos de conduta deve ser levada em conta na aplicação das sanções ali previstas.
Resta às empresas que ainda não tomaram providências no sentido de prevenir internamente o combate a práticas de fraude e corrupção adotar as medidas que atendam às exigências da nova legislação; e às empresas que já possuem tais mecanismos, assegurar-se de que o seus códigos e controles estão em integral harmonia com o texto da lei anticorrupção. A lei 12.846/13 entra em vigor no início de 2014.
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* Marcelo dos Santos Barradas Araújo é advogado do escritório Araújo e Policastro Advogados.