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Da barriga de aluguel, gestação de substituição ou cessão temporária do útero no Direito brasileiro

A expressão "barriga de aluguel" é criticada por muitos doutrinadores, pois traz a ideia de algo comercializável, de contraprestação, remuneração, o que no caso do Brasil não é permitido.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Atualizado em 23 de julho de 2013 09:21

A barriga de aluguel, gestação de substituição ou cessão temporária do útero é entendida por muitos doutrinadores como sendo o ato pelo qual uma mulher cede seu útero para a gestação do filho de outra, a quem a criança deverá ser entregue após o nascimento, assumindo a mulher desejosa ou fornecedora do material genético a condição de mãe.

Passagens bíblicas dão conta que a cessão de útero para a satisfação da maternidade não é recente. Em Genesis 16, Sara, mulher de Abrão, incapaz de procriar, pede a Abrão que lhe proporcione a maternidade por meio de sua escrava Agar. Em Gênesis 30, Raquel, esposa de Jacó, suplica a este que, por intermédio de sua serva Bala, realize seu desejo de maternidade.

A expressão "barriga de aluguel" é criticada por muitos doutrinadores, pois traz a ideia de algo comercializável, de contraprestação, remuneração, o que no caso do Brasil não é permitido.

No Brasil, a única disposição que trata do assunto é a resolução 2.013/13, do CFM - Conselho Federal de Medicina. Essa resolução dispõe que a barriga de aluguel só é permitida desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação da doadora genética.

Essa resolução prevê, ainda, que a cessão temporária do útero não deve ter finalidade lucrativa ou comercial.

Como requisito essencial determina, ainda, que as doadoras temporárias devam pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau, respeitando-se a idade limite de até 50 anos.

É fato que essa realidade afeta, de sobremaneira, o conceito tradicional de família, - fundado na união de um homem e de uma mulher, derivado do casamento, reunindo pais e filhos, e a própria filiação.

Para Friedrich Engels, "a família deve progredir na medida em que a sociedade se modifique, como sucedeu até agora. A família é produto do sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema".1

De fato, a barriga de aluguel, gestação de substituição ou cessão temporária do útero abalou o tradicional conceito de família e, principalmente, o da paternidade/maternidade.

O pai ou a mãe, atualmente, não se definem apenas pelos laços biológicos que os unem ao menor e sim pela vontade externada de ser pai ou mãe. Ou seja, uma questão que vai além do vínculo biológico e se caracteriza pela demonstração da vontade de assumir responsabilidades e deveres em face dessa filiação, principalmente, com demonstrações de afeto ao menor.

Cai por terra o princípio segundo o qual a maternidade é sempre certa (mater semper certa est).

A própria inexistência de legislação específica no Brasil, dificulta a solução de conflitos de maternidade que podem surgir, nessas situações, tendo em vista que a mãe pode ser a que está gestando o filho, ou pode ser a que forneceu o óvulo para fecundação, ou ainda ser a que recebeu o óvulo de uma terceira pessoa e que contratou a mãe portadora para gestá-lo, considerando que os dispositivos do CC em vigor, que tratam da matéria ainda são insuficientes para abranger todas as situações que podem surgir na utilização desses procedimentos.

Na opinião do Professor Silvio Venosa:

"Quanto à maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não se admite transação. Nem sempre será essa, porém, uma solução eticamente justa e moralmente aceita por todos. A discussão permanece em aberto. Muito difícil poderá ser a decisão do juiz ao deparar com um caso concreto. Tantos são os problemas, das mais variadas ordens, inclusive de natureza psicológica na mãe de aluguel, que o mesmo projeto de lei sobre reprodução assistida citado, em tramitação legislativa, proíbe a cessão do útero de uma mulher para a gestação de filho alheio, tipificando inclusive essa conduta como crime. Sem dúvida, essa é a melhor solução. No entanto, a proibição não impedirá que a sociedade e os tribunais defrontem com casos consumados, ou seja, nascimentos que ocorreram dessa forma, impondo-se uma solução quanto à titularidade da maternidade. Sob o ponto de vista do filho assim gerado, contudo, é inafastável que nessa situação inconveniente terá ele duas mães, uma biológica e outra geratriz. Não bastassem os conflitos sociológicos e psicológicos, os conflitos jurídicos serão inevitáveis na ausência de norma expressa".2

Em tese, deve-se levar em consideração o contrato tácito entre elas, quem doou o material genético e sob quais condições, assim como quem irá arcar com os riscos da gravidez durante os nove meses e, acima de tudo, o melhor interesse para a criança. Somente após toda essa análise, poder-se-á chegar a alguma conclusão, pois o tema carece, ainda, de mais estudos e de legislação.

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(1) ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. de José Silveira Paes. São Paulo: Global, 1984, p. 124

(2) VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, 2007. São Paulo: Atlas, 7ª edição, página 224.

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* Yves Zamataro é advogado do escritório Angélico Advogados.

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