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Quando se encerra uma campanha de recall no Brasil e em outros países do mundo?

Renata Campetti Amaral e Caroline Visentini F. Gonçalves

As autoras apresentam exemplos de como as campanhas se encerram em outros países e dão sugestões de como as autoridades brasileiras poderiam fazer isso no Brasil.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Atualizado em 12 de julho de 2013 10:54

Essa pergunta ainda não foi respondida pelas normas em vigor no Brasil, e se encontra em discussão nos órgãos de proteção e defesa do consumidor (DPDC, Procons etc).

No Brasil, os fornecedores devem inserir no mercado de consumo produtos e serviços seguros e que não ofereçam riscos à saúde e segurança do consumidor, garantindo, assim, a proteção do maior bem do ser humano - a vida. Por sua vez, produtos considerados naturalmente nocivos ou perigosos são admitidos no mercado consumidor brasileiro, desde que as informações sobre seus riscos sejam prestadas de maneira ostensiva e adequada, evitando, dessa forma, acidentes de consumo. Tais regras foram estabelecidas com a entrada em vigor do CDC (lei 8.078/90), em 1991.

Mesmo diante dessas premissas, o legislador sabia à época de elaboração do CDC que a produção em massa, bem como o avanço da tecnologia não impediriam que, excepcionalmente, os produtos já inseridos no mercado apresentassem defeitos e, portanto, riscos à saúde e segurança do consumidor. Com isso, foi inserido na legislação brasileira o instituto do recall, como forma de mitigar os riscos criados pela comercialização de produtos que se mostrem defeituosos.

De acordo com o CDC, o fornecedor que posteriormente à introdução de produto ou serviço no mercado de consumo tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, tem a obrigação de comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários e adoção de diversas medidas, sob pena de responsabilização administrativa e criminal. O MJ detalhou o procedimento a ser adotado pelo fornecedor por meio da portaria 487/12.

O principal objetivo desse instituto é o de impedir que os consumidores sejam vítimas de acidentes de consumo. Por isso, os fornecedores devem implementar um plano de mídia para que seus consumidores fiquem cientes, o quanto antes, dos riscos causados pelo produto.

Com a divulgação do recall aos consumidores e autoridades competentes, o fornecedor deve indicar, dentre várias informações, a quantidade de produtos sujeitos à campanha, assim como as medidas que serão adotadas para correção do defeito, tais como substituição do produto ou realização de reparos. Esse procedimento é fiscalizado pelo DPDC e Órgãos Estaduais de Defesa do Consumidor, mais conhecidos como Procons, além das autoridades reguladoras competentes, tais como Anvisa e Detran.

Após o início da campanha, o fornecedor deve apresentar, pelo menos bimensalmente, relatório de atendimento da campanha, indicando o percentual de produtos recolhidos e reparados. A norma também determina que cabe ao fornecedor apresentar o relatório final da campanha, informando a quantidade de consumidores atingidos pela campanha, assim como as medidas que serão adotadas para atendimento dos produtos não recolhidos. Importante notar que o fornecedor não se desobriga da reparação ou substituição do produto ou serviço mesmo ao final da campanha, conforme indica a norma.

A norma não define, entretanto, até quando deve o fornecedor manter a campanha de recall ativa, leia-se: manutenção dos canais de divulgação da campanha e apresentação de relatórios bimensais às autoridades. As autoridades de proteção e defesa do consumidor já se manifestaram no sentido de que, em regra, a campanha deverá permanecer ativa até que 100% dos produtos chamados pela campanha sejam reparados ou trocados.

Na prática, a exigência de que 100% dos produtos sejam reparados ou substituídos para que, só então, se dê o encerramento do recall pode se transformar, muitas vezes, em uma obrigação infinita da empresa. Bem se sabe que, dificilmente, as empresas conseguem encontrar e/ou rastrear absolutamente todos os produtos objeto da campanha, seja pela ausência de mecanismos de rastreabilidade no produto, seja pelo fato de que muitos produtos podem ter sido descartados pelos consumidores ou, até mesmo, porque os consumidores, ainda que venham a ter conhecimento da campanha de recall, simplesmente não tomam as medidas necessárias para retornar o produto defeituoso.

Sabe-se que as empresas devem, antes de propor o encerramento da campanha, indicar às autoridades todas as medidas adotadas para atingir seus consumidores, entretanto, quando todas as medidas razoavelmente possíveis já foram implementadas e 100% dos produtos não foram atingidos, resta evidente o impasse entre autoridades e setor privado: quando encerrar a campanha?

A questão do encerramento do recall é silente na legislação de muitos países que adotam esse instituto. Entretanto, verifica-se que, comumente, as autoridades participam da discussão da efetividade e encerramento da campanha juntamente com os fornecedores, buscando uma solução eficaz e viável para todos.

Na Itália, por exemplo, a empresa estabelece uma meta para o nível de atendimento da campanha, definido caso a caso. Quando possível, estatísticas e informações de outras campanhas envolvendo produtos similares podem ser utilizadas para definir as metas da campanha. Caso essas informações não estejam disponíveis, as autoridades podem auxiliar na determinação de uma meta suficiente de contatos/respostas, assim, quando a meta é atingida, a campanha pode ser encerrada.

Já na África do Sul, o recall poderá ser encerrado quando o fornecedor demonstrar que adotou todas as medidas razoáveis para efetivamente mitigar os riscos causados pelo produto. Com o encerramento da campanha, o fornecedor não precisa promover ativamente a campanha e a fiscalização das autoridades se encerra. Para tanto, o fornecedor deve apresentar um relatório final para a autoridade, antes do encerramento da campanha.

Na China e Espanha, a decisão de encerramento da campanha é feita caso a caso, definida entre autoridades e empresas.

No Reino Unido, as autoridades muito raramente esperam que as campanhas atinjam 100% de atendimento. No caso de produtos de baixo custo e de consumo em massa, índices de sucesso da campanha de 15% podem ser entendidos como aceitáveis.

Em Taiwan, o recall de veículos que exceder a 90% de nível de atendimento e, após obter a confirmação de um técnico da empresa que há claras dificuldades para manutenção da campanha, a empresa pode solicitar aprovação do Ministério dos Transportes para o encerramento da campanha.

Na Alemanha, a empresa decide, individualmente, quando será encerrada a campanha de recall, tipicamente após aguardar um período de tempo substancial sem receber novos contatos de consumidores. Esse cenário se verifica, na maioria dos casos, muito antes do final vida útil do produto.

Como se vê, poucos países enfrentam o tema do encerramento por meio de definição legal expressa, entretanto, soluções razoáveis e compartilhadas vêm sendo implementadas pelas empresas e autoridades.

No Brasil, tem-se que já foi admitido o encerramento de campanhas de produtos perecíveis após ter encerrado o prazo de validade desses produtos. Entretanto, no caso de itens de maior durabilidade, como eletrônicos, seria o caso de se admitir o encerramento das campanhas após a vida útil razoável desses produtos, ainda que não se tenha atingido 100% dos produtos chamados?

A análise de dados de outras campanhas também pode auxiliar as autoridades brasileiras a identificarem a realidade de cada caso, tendo em vista o tipo de produto, criando-se, na medida do possível e, de forma não vinculativa, metas de atendimento para cada gênero produto.

As autoridades podem também incentivar medidas preventivas dos fornecedores para a identificação dos produtos inseridos no mercado de consumo que facilitem o monitoramento das campanhas, tais como a atenuação de sanções aos fabricantes que detenham informações precisas sobre a cadeia de distribuição de seus produtos.

Outra possibilidade que se pode admitir é a análise conjunta entre os órgãos competentes e empresa sobre o momento desse arquivamento, uma vez que, dificilmente haverá uma única regra para todos os casos de recall. Nessa oportunidade, a empresa apresentaria todas as medidas adotadas e resultados obtidos, para então verificar, de forma compartilhada, se existem outras formas possíveis para atingir os consumidores não encontrados. Em caso negativo, as autoridades autorizariam o encerramento da campanha, mantendo-se, ainda, a obrigação de a empresa de reparar/substituir os produtos objeto da campanha, caso venham a ser apresentados por eventuais consumidores, mesmo após o encerramento da campanha.

Discussões entre regulador e regulado podem proporcionar soluções mais rápidas e efetivas para o caso concreto, propiciando uma decisão compartilhada que acompanhe o real contexto de cada campanha de chamamento. Assim, o envolvimento do DPDC, inclusive por meio do seu Gepac - Grupo de Estudos Permanentes de Acidentes de Consumo, Procons, órgãos reguladores e sociedade civil pode propiciar soluções realistas para o encerramento dos recalls promovidos no Brasil que não atinjam 100% dos produtos chamados.

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* Renata Campetti Amaral e Caroline Visentini F. Gonçalves são advogadas do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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