O crime não deixa de ser comum por causa da motivação política
O debate sobre a morte do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, ser resultado de um "crime político", como muitos têm defendido, é mais um capítulo do festival de besteiras que assola o País, neste momento agudo de nossa história. Em termos técnicos, os chamados crimes políticos são delitos praticados com fins altruístas, como, por exemplo, os crimes praticados em luta pela democracia ou pela liberdade
sexta-feira, 11 de novembro de 2005
Atualizado em 10 de novembro de 2005 07:32
O crime não deixa de ser comum por causa da motivação política
Marcos Augusto Perez*
O debate sobre a morte do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, ser resultado de um "crime político", como muitos têm defendido, é mais um capítulo do festival de besteiras que assola o País, neste momento agudo de nossa história. Em termos técnicos, os chamados crimes políticos são delitos praticados com fins altruístas, como, por exemplo, os crimes praticados em luta pela democracia ou pela liberdade.
Um exemplo eloqüente de crime político foi o praticado por Nelson Mandela, por se opor ao "apartheid" (discriminação racial) e que lhe valeu, na época, anos de prisão.
A Constituição Brasileira dá tratamento benéfico àqueles que praticam "crime político" ao vedar (art. 5º, LII) sua extradição. O Supremo Tribunal Federal fez uma discussão interessante desse tema, recentemente, no Processo de Extradição 855-2 (Requerente Governo do Chile, Relator Ministro Celso de Mello) ocasião em que considerou que a prática de terrorismo não se qualifica como "crime político", não gozando, portanto, do benefício da não extradição (art. 5º, LII).
O crime não deixa de ser comum para ser político somente porque foi praticado com motivações políticas ou por um político. Se um político, por exemplo, durante uma CPI, divulga dados declarados sigilosos em processo judicial (como parece ter ocorrido durante a CPI dos Bingos, na semana passada) comete um crime que, tenha ou não propósitos políticos, é crime comum ("quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial" - art. 10 da Lei 9296/96 - pena: reclusão, de dois a quatro anos e multa) e, não, um "crime político".
Em termos jurídicos, portanto, o crime contra a vida do ex-prefeito de Santo André não foi um crime político.
Quem foram os verdadeiros autores do crime e qual foi a sua motivação é, ao que pude saber desse caso pela imprensa, algo ainda em apuração, sem decisão jurisdicional definitiva. Mas esse assunto, alvo de tanta especulação, não tem nenhuma pertinência com o fato (em termos adequados, insisto) de ter sido o crime comum ou político.
Infelizmente, essa não é única tolice que tem sido dita nos últimos meses. Outra que se tornou comum é a tese defendida por muitos de que o julgamento daqueles que são acusados, atualmente, no Congresso Nacional, deve ser um "julgamento político". Esse tipo de afirmação só pode ser feita por alguém que desconhece totalmente o sistema constitucional brasileiro.
Um "julgamento político", ou seja, a cassação de um mandato parlamentar por motivos políticos atenta contra o princípio democrático. E isso é óbvio! Se assim o Congresso pudesse agir, a maioria poderia sempre cassar a minoria e estaria definitivamente eliminado o princípio democrático.
Seria cômico, não estivéssemos falando de assuntos tão sérios e tão importantes à proteção dos direitos fundamentais do cidadão.
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*Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia
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