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Paulicéia desvairada

"A causa primária dos protestos de rua em SP e no RJ foi a insatisfação difusa da população com as condições de vida da cidade em si".

terça-feira, 18 de junho de 2013

Atualizado em 17 de junho de 2013 14:32

Não por acaso os protestos de rua desencadeados na última semana foram liderados e atingiram o maior vulto na capital paulista. "São Paulo é uma cidade infeliz", ouvi dizer, há três décadas, de um velho paulista. As condições de vida estão se agravando de forma crescente e irreversível em nossa cidade, e atingem as raias do insuportável.

O cotidiano paulistano sofreu deterioração irreversível, na qual até respirar em paz fica difícil, não só por causa da poluição, como pelo risco de conversar pacificamente numa esquina, com perigo de levar um tiro fatal. Que dirá das filas de espera nos postos de saúde e dos tormentos do transporte público e também do privado, com carros e táxis paralisados diariamente. Taxistas vivendo à custa de calmantes, como me confessou um deles. A poluição sonora dominando em toda parte, tirando o sono dos habitantes. E o povo transportado como gado nos ônibus, trens e metrô.

Com tamanha carga de tensão reprimida, não é de admirar que o aumento das passagens de ônibus em míseros R$ 0,20 desencadeie tamanhos e tão indignados protestos na rua.

Insisto que a causa primária geradora dos protestos de rua em SP e no RJ foi a insatisfação difusa da população com as condições de vida da cidade em si. Somente em segundo lugar, por efeito, talvez, de "racionalização" psicológica, somam-se aqueles fatores de insatisfação genéricos, de ordem política, citados por Dora Kramer: "corrupção, inflação, gastos exorbitantes com a construção de estádios, conduta dos políticos, indiferença do poder para com os serviços devidos ao público, etc", (artigo "Curto-circuito", Estadão, 16/6/13). Primeiro o que doeu na pele foi o desconforto da vida a que estão condenados os moradores das grandes cidades. Foi este o estopim da explosão popular; só depois vieram as motivações propriamente políticas.

Melhor do que eu, escreveu Ignácio de Loyola Brandão: "Nem o governador nem o prefeito entenderam é que os protestos não são políticos coisa nenhuma. São contra as condições gerais de vida, de qualidade medíocre de vida e, essencialmente, da indigência dos transportes numa cidade enorme como a nossa. Os protestos não são contra os 20 centavos. São contra a vida miserável, expressam o saco cheio. E este é apenas um rastilho, o bicho ainda vai pegar", (O Estado de S. Paulo, 17/6/13).

Se bem conduzidos, se expurgados dos arruaceiros, os protestos de rua nas grandes capitais brasileiras, ainda na fase inicial, anárquica, podem tomar o rumo que tomaram as repulsas contra os preços cobrados no restaurante da USP nos anos 70. Lembra Dora Kramer que tais protestos acabaram abrindo caminho "aos movimentos contra a carestia, às greves dos metalúrgicos do ABC, à campanha pela anistia, à mobilização por eleições diretas, à retomada da democracia".

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.

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