O atropelo do Judiciário pesa - mais uma vez - na advocacia
O TJ/SP, buscando a implementação do processo eletrônico, iniciou em maio de 2012 o chamado Plano de Unificação, Modernização e Alinhamento, com previsão de finalização para dezembro de 2013.
sexta-feira, 14 de junho de 2013
Atualizado em 13 de junho de 2013 13:44
O Tribunal de Justiça de São Paulo, buscando a implementação do processo eletrônico, iniciou em maio de 2012 o chamado PUMA - Plano de Unificação, Modernização e Alinhamento, com previsão de finalização para dezembro de 2013.
Tudo parece perfeito e funcional, mas o certo seria acender-se uma luz vermelha, pois é sabido que, de um modo geral, a estrutura de TI do Judiciário pode não suportar a mudança brusca que se tenta implementar. Tanto é assim que, no sítio do próprio TJSP na internet consta que o sistema não funcionou corretamente em 24 dias no período de 10 meses (31/08/12, 10/09/12, 24/09/12, 16/10/12, 18/10/12, 01/11/12, 23/11/12, 16/01/13, 17/01/2013, 07/02/13, 08/02/13, 12/02/13, 22/02/13, 27/02/13, 11/03/13, 15/03/13, 19/03/13, 21/03/13, 25/03/13, 26/03/13, 22/04/13, 24/04/13, 13/05/13 e 03/06/13)[1].
Além do mais, infelizmente, sabe-se da deficiência quanto aos recursos e ao nível de conhecimento de informática dos cidadãos brasileiros, onde se incluem os advogados, mas também os servidores do Judiciário. Não é do dia para noite que bruscamente se deve mudar. São necessárias tolerância e hibridez de sistemas por período razoável, não por 2, 3 ou 6 meses, haja vista a questão cultural e secular.
É certo que o processo eletrônico trará benefícios e se mostra necessário à modernização, à evolução, à melhor distribuição da Justiça, à efetividade, à celeridade e à economia processuais, mas alto lá! Que tal dar-se um passo por vez?
Particularmente, defende-se aqui o processo eletrônico, mas, ao mesmo tempo, é assustador quando se denota: (i) fragilidade do sistema, aliás, dos sistemas, pois são mais de 30 diferentes no Brasil, e os advogados que militam em vários Estados devem saber manusear todos; (ii) do nível de preparo dos servidores; (iii) e do preparo dos advogados, não se referindo, aqui, com todo respeito às exceções, àquele advogado de 70 anos de idade, que terá uma dificuldade natural com a informática do terceiro milênio, mas, sim, ao de 25, 30 ou 40 anos de idade, que também tem demonstrado dificuldade em número assustador.
Como se já não bastassem todos os percalços que a implementação do processo eletrônico trouxe e ainda trará, o Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente expediu o Comunicado nº 300 (DJE de 19, 22, 23, 24, 25, 26 e 29 de abril de 2013)[2] , determinando que a partir de 29/04/2013, somados aos reclamos julgados pela Câmara Especial, os recursos de competência da Subseção de Direito Privado 3 - e somente eles - deverão ser interpostos pela forma eletrônica, ficando vedado totalmente o meio físico, inclusive para as petições intermediárias. Esta é a razão deste desabafo que se traduz em grande preocupação.
É inevitável o déjà vu com a época em que existiam o Tribunal de Justiça e os três Tribunais de Alçada e tinha-se de saber a competência material de cada um para endereçar-se corretamente uma petição e para acertado protocolo, quando ainda não existia o protocolo integrado nas Cortes de 2º grau.
À primeira vista, parece simplório, bastando-se analisar a competência da Subseção de Direito Privado 3, que será atingida pelo processamento eletrônico, vide abaixo:
- ações de cobrança a condômino;
- ações de ressarcimento por dano em prédio urbano ou rústico;
- ações e execuções oriundas de contrato de alienação fiduciária em garantia;
- ações relativas a direito de vizinhança e uso nocivo da propriedade;
- ações e execuções relativas a honorários de profissionais liberais;
- ações relativas a acidente do trabalho fundado em direito comum / prevenções de acidentes / segurança do trabalho;
- ações relativas à locação de bem imóvel / móvel;
- ações de arrendamento rural / parceria agrícola;
- ações e execuções relativas a seguro de vida / acidentes pessoais;
- ações e execuções relativas à venda a crédito com reserva de domínio;
- ações e execuções relativas a arrendamento mercantil, mobiliário ou imobiliário;
- ações e execuções oriundas de mediação / de gestão de negócios / de mandato;
- ações e execuções de crédito de serventuário da justiça / de perito / de intérprete / tradutor;
- ações civis públicas, monitórias e de responsabilidade civil contratual relacionadas com matéria de competência da própria seção;
- ações que versem sobre a posse, domínio ou negócio jurídico que tenha por objeto coisas móveis corpóreas e semoventes;
- ações relativas a locação/prestação de serviços regidas pelo direito privado, in-clusive as que envolvam obrigações irradiadas de contratos de prestação de serviços escolares e de fornecimento de água, gás, energia elétrica e telefonia;
- ações relativas a acidente de veículo / seguros correlatos;
- não enquadrada.
Todavia, a realidade é outra e a advocacia não pode ficar com tamanho fardo e com o ônus exclusivo da distribuição. Ora, é justo o Judiciário exigir tal tarefa aos advogados, se os próprios servidores da Distribuição do TJ/SP, que em tese só fazem distribuir recursos, erram em inúmeros casos quanto à competência regimental em razão da matéria?
Como sustentar tal exigência, se mesmo os Desembargadores constantemente têm dúvidas quanto à competência material interna do TJSP e suscitam a instauração de incidente de Dúvida de Competência? (tirados do resultado de centenas de julgados, segue para ilustração: proc. 165.031-0/6-00; proc. 0260274-29.2012.8.26.0000; proc. 0256812-64.2012.8.26.0000; proc. 0110755-07.2008.8.26.0004; proc. 0600487-23.2002.8.26.0000).
Há casos tão sui generis, que os deslocamentos de competência não se dão apenas entre as Subseções de Direito Privado, dão-se entre Privado e Público, entre Justiças Estadual, Federal e Trabalhista.
Determinações como as constantes no Comunicado 300 devem ser abolidas do mundo jurídico, uma vez que militam em favor da instabilidade jurídica. Referido Comunicado veda ao servidor do protocolo o recebimento da petição física. Porém, não dá solução aos casos de equívoco deste servidor, gerando indagações que amedrontam, já sendo possível enxergar decisões que serão tomadas no futuro próximo.
E se ele, servidor, equivocadamente não receber petição física, determinando que o advogado o faça eletronicamente, e depois o julgador da Subseção de Direito Privado 3 verificar ser de competência de uma das outras duas Subseções, o que vai ocorrer?
E se, por outro lado, o servidor receber um recurso físico imaginando ser das Subseções 1 ou 2 e, no julgamento, concluir-se que na verdade é de competência da Subseção 3?
Abre-se, lógico, espaço à subjetividade e isto é o pior dos cenários diante da jurisprudência defensiva dos Tribunais. Não se tem dúvida que, na maioria dos casos, o recurso não será conhecido e, pior, hão de dizer que o advogado deveria saber a competência material do Tribunal.
Notem que sequer se faz menção neste artigo, àquele servidor do protocolo da pequena e longínqua Comarca. Com todo respeito do mundo, há centenas de servidores de primeira instância, na Capital e no interior, que sequer sabem que existe esta divisão em subseções no Tribunal.
Sem qualquer espécie de avaliação subjetiva, mas com os olhos frios da realidade, existindo o protocolo integrado entre 1ª e 2ª Instâncias, se em muitas vezes o próprio desembargador, após aprofundado estudo do caso, não sabe se é competente e suscita incidente de dúvida, imagine-se o servidor do protocolo, que tem que, de plano, certificar a competência. É, mas competirá a ele a avaliação imediata e a recusa ou não ao protocolo. Se errar, os advogados que busquem a solução.
Não se deseja simplesmente criticar tal conduta do TJ/SP. O que se busca é a melhora para todos e que o fardo originado com este atropelo não fique com a advocacia e, por consequência, não traga risco ao jurisdicionado e à pacificação social.
A lógica e o mínimo de pragmatismo seriam bem-vindos. Se há pressa, muito embora fosse o ideal, o TJ/SP não necessita esperar todas as Seções (Privado, Público e Criminal) estarem prontas para o peticionamento eletrônico, basta esperar, no caso, as Subseções de Direito Privado 1 e 2. Ocorrendo isto, determinar-se-á: processo de Direito Privado - TODOS - são eletrônicos.
Dessa feita, as dúvidas seriam extirpadas e a chances de equívoco reduzidas ao mínimo, não ficando mais este peso nos ombros da advocacia, pois assim, neste açodamento, quem perde é o Estado Democrático de Direito e o cidadão.
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[1] https://www.tjsp.jus.br/Sistemas/Indisponibilidades/Default.aspx
[2] https://www.tjsp.jus.br/Download/pdf/ComunicadoN300-2013.pdf
* Eduardo Elias de Oliveira é advogado do escritório Décio Freire e Associados.