Implodindo o custo Brasil
O STF não tomou decisão jurídica, mas, sim, política, ao constatar que de nada adiantaria a nomeação de interventores federais que se deparariam com a crônica falta de recursos e muito pouco poderiam fazer para prestigiar as decisões judiciais.
terça-feira, 13 de maio de 2003
Atualizado às 15:26
Implodindo o custo Brasil
A Câmara Nacional de Compensação de Precatórios - em nome da reabilitação da Constituição da República
Salvador Ceglia Neto*
O Supremo Tribunal Federal em recentes decisões sobre pedidos de intervenções federais em Estados da Federação inadimplentes com os seus precatórios judiciais tornou letra morta a Constituição Federal, da qual deveria ser o guardião supremo.
Ao consagrar a posição de Governadores que reiteradamente aplicam o "devo, não nego; pago quando puder" o mais alto Tribunal do País não tomou decisão jurídica, mas, sim, política, ao constatar que de nada adiantaria a nomeação de interventores federais que se deparariam com a crônica falta de recursos e muito pouco poderiam fazer para prestigiar as decisões judiciais, repetindo-se um incontrolável círculo vicioso.
O Estado, como um todo, é o maior litigante do Brasil, seja na posição de devedor, seja na posição de credor. Quando o Estado é devedor ele "finge" que paga, ou no mínimo, que tem a intenção de pagar e que só não o faz por falta absoluta de recursos (basta isso para o STF dar-se por satisfeito); quando ele é credor depara-se com problemas criados por ele próprio ao Judiciário abarrotado de processos. Na enorme maioria dos casos a Fazenda Pública "finge" que cobra, e aí quem se faz de morto são os devedores, que contam com a ineficiência da Fazenda, na cobrança e do próprio Judiciário, no mais das vezes, ineficaz e ineficiente.
Resultados concretos: dois estoques de dívidas que sabe-se lá Deus quando ou que jamais serão pagas.
A do Estado, como credor, e a do Estado, como devedor, tudo isso consumindo recursos públicos escassos em larga escala: Procuradores da Fazenda Pública, Juízes, serventuários da Justiça, recursos materiais, uma perda de tempo e improdutividade absurdas.
Por outro lado, há um mercado latente a ser explorado: milhões de credores desesperados e sem perspectivas que provavelmente acederiam em receber uma décima parte do seu crédito, quitando-o todo, e de outro lado, dezenas de milhares de devedores, que jamais quitarão os seus débitos e nem tem bens para fazer face ao pagamento, que sofrem execuções na Justiça que se arrastam por mais de década, consumindo mais recursos públicos, sem nenhum resultado prático a não ser o de ter seus nomes positivados em certidões dos distribuidores forenses.
Se houvesse a junção dessas duas pontas, preferencialmente sem a interveniência estatal, salvo a mínima necessária destinada a validar os créditos e os débitos negociados, poderíamos estar caminhando para resolver várias questões hoje insolúveis, quais sejam:
a. diminuir o estoque da dívida pública;
b. diminuir o estoque da dívida ativa incobrável ou de difícil e onerosa cobrança;
c. desafogar o Poder Judiciário que poderia melhor alocar recursos materiais e humanos hoje aplicados nesse "faz de conta" e absurdamente improdutivos;
d. satisfazer minimamente os credores do Estado;
e. reabilitar comercial e civilmente os devedores do Estado;
f. desburocratizar e tornar eficientes as novas execuções fiscais;
g. começar a arrumar a casa para que, algum dia, as decisões judiciais contra o Estado possam voltar a ser cumpridas nos termos da lei;
h. reabilitar a Constituição Cidadã ao menos nesse aspecto.
É fácil entender o temor dos governantes em abrir mão de créditos fiscais potenciais, razão pela qual ninguém em sã consciência ousaria defender a tese de que os tributos recém vencidos e não pagos, ou mesmo os vincendos, pudessem deixar de ser pagos para serem trocados por precatórios desvalorizados. Não é nada disso! Nesse sentido, compreensível o temor e o veto do Presidente Lula a artigo do novo Código Civil que admitia compensações indiscriminadas.
Deveriam ser criadas algumas regras (não muitas, para não complicar e entravar o processo) que definissem quais débitos poderiam se enquadrar nos títulos comercializáveis.
Alguma coisa bem diferente do que timidamente é aplicado pelo Governo Federal que admite a compensação das dívidas quando o devedor governamental é também credor do Governo, hipótese em que a compensação pode-se proceder desde que os tributos sejam da mesma espécie. Coisa muito tímida.
Poucos Governadores, no passado, como o saudoso Mário Covas, adotaram iniciativa permitindo algumas compensações, tudo de alcance muito limitado.
A própria relação entre os Estados e os Municípios e a União poderia ser favorecida nessa medida, se se estabelecessem mecanismos de compensação quando um Estado ou um Município tivesse o seu crédito pago com débitos da União, o que poderia gerar um mecanismo de redução das dívidas dos Estados e Municípios com a União, com benefícios para todos.
Seria a materialização de um círculo virtuoso, a exigir profissionais muito capazes assessorando as partes e uma eficientíssima Câmara Nacional de Compensação de Precatórios, que se encarregasse de obter as validações oficiais de créditos e débitos e chancelasse a operação idealizada pelas partes.
Ninguém duvida de que alguma coisa deve ser feita para sairmos desse estado de coisas.
Ao lançar essa discussão pela Internet, no site Consultor Jurídico em 1997 recebi dezenas de manifestações de apoio à idéia, vinda de advogados, juízes, desembargadores e até mesmo o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio Mello, num debate em São Paulo, manifestou-se favoravelmente ao estudo do mecanismo.
É um trabalho de fôlego que exige alterações legislativas, e quiçá até mesmo constitucionais, razão pela qual sugiro que o Ministro da Justiça Márcio Thomás Bastos, homem de mente aberta e moderna, constitua Comissão Interministerial com os Ministérios da Fazenda e do Planejamento e com a participação indispensável da Ordem dos Advogados do Brasil que talvez pudesse coordenar a Operação da Câmara Nacional de Compensação de Precatórios.
Claro que não é simples, mas é preciso começar se quisermos realmente implodir o "Custo Brasil" e fazer este País funcionar.
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*sócio do escritório Ceglia Neto, Advogados.
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