O Ecad e a cobrança de direitos autorais em festas de casamento
Com base na lei 9.610/98 o Ecad tem cobrado direitos autorais pela execução de músicas em festas de casamento.
terça-feira, 28 de maio de 2013
Atualizado em 27 de maio de 2013 15:12
O Ecad - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de
Direitos Autorais há algum tempo vem insistindo na cobrança de direitos
autorais pela execução de músicas em festas de casamentos.
Para justificar a cobrança dos direitos autorais, o Ecad se
utiliza do disposto no artigo 68, da lei 9.610/98, segundo o qual "sem prévia e
expressa autorização do autor e titular, não poderão ser utilizadas obras
teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas em
representações e execuções públicas".
No entanto, para essa breve análise aqui nos interessa o que
dispõem os §§2º e 3º, do art. 68 da lei 9.610/98, que define o conceito
de "execução pública" e apresenta rol exemplificativo dos "locais de frequência
coletiva".
Nos termos da lei, considera-se execução pública a
utilização de composições musicais, mediante a participação de artistas,
remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em
locais de frequência coletiva.
O rol que enumera os locais de frequência coletiva, por sua
vez, não é taxativo, mas sim exemplificativo, e por essa razão dá azo a
inúmeras interpretações subjetivas, entre elas o fato de se entender que o
espaço onde é realizada festa de casamento é local de frequência coletiva.
De acordo com Walter Morais, in Artistas e Intérpretes e
Executantes, p.92 e 93, 1973, execução pública em local de frequência coletiva
é aquela acessível a qualquer pessoa. Nos seus dizeres "execução pública não é
a ocorrida em lugar público necessariamente, pois o artista pode executar para
o público a partir de um ambiente privado [...]; pode, por outro lado, atuar em
lugar público uma execução não pública, como a pessoa que canta ou declama num
parque ou numa praia para um círculo privado. Tampouco se trata de um critério
numérico ou quantitativo; pública não é necessariamente a execução dirigida a
uma multidão de pessoas, porque o artista que interpreta para uma multidão de
convivas não realiza com isso uma execução pública".(Walter Moraes, Posição
Sistemática do Direito dos Artistas Intérpretes e Executantes, Empresa Gráfica
da Revista dos Tribunais S/A, 1973, páginas 91/92)
Fato é que
recentemente, o Ecad, utilizando-se do rol exemplificativo do §3º do art. 68 da
lei de direitos autorais, efetuou a cobrança de direitos autorais a um "Espaço
de Eventos" localizado na cidade de São Paulo, em razão de, naquele local, ter
sido realizada uma festa de casamento.
O espaço de eventos repassou aos noivos o valor que pagou ao
Ecad em razão da execução de músicas durante a festa de casamento, e o noivo,
por sua vez, ajuizou uma ação contra o Ecad requerendo a devolução em dobro dos
valores cobrados, sob a alegação de que se trata de uma festa particular, não
incidindo a cobrança de direitos autorais pela execução de músicas.
A ação que tramita no Juizado Especial Cível da Comarca de
São Paulo foi julgada parcialmente procedente em 1ª instância, para declarar a
inexigibilidade da taxa do Ecad, condenando-o a reembolsar o valor cobrado, com
incidência de correção monetária desde o desembolso da quantia e juros legais
de mora de 1% ao mês desde a citação.
O juiz entendeu pela aplicação do disposto no art. 46,
inciso VI, da lei 9.610/98, que autoriza a execução musical no recesso
familiar, desde que não haja intuito de lucro. De acordo com a sentença "festas
de casamento" não podem ser considerados locais públicos, por representar uma
"espécie de prolongamento da casa dos noivos".
Nas palavras do Julgador "o clube locado para a realização
de festa de casamento é uma espécie de prolongamento da casa do noivo, não
podendo ser considerado local público com execução coletiva de músicas".
A decisão judicial ao destacar que o casamento "trata-se,
portanto, de festa particular, cujo local em que se realizou deve ser
considerado como extensão da casa dos nubentes, já que não estava aberto ao
público", se amolda ao disposto no §3º do art. 68 da lei de direitos autorais,
não podendo incidir a cobrança dos direitos autorais por se tratar de uma festa
particular, restrita a amigos e familiares.
E quanto ao fato da festa ser realizada em um clube, boate,
hotel ou qualquer outro espaço de evento, ainda que previsto no rol de locais
de frequência coletiva do §3º do art. 68 da lei 9.610/98, o que se deve
analisar é a natureza do evento realizado, se particular, como na hipótese de
festas de casamentos, não deverá haver cobrança dos direitos autorais.
A propósito, é de se destacar, ainda trecho da decisão que
ressaltou "Não há diferença em se realizar uma festa de casamento no salão de
festas de um condomínio, em um espaço próprio para eventos ou na residência dos
noivos ou familiares. É irrelevante o número de pessoas que participaram do
evento. Somente os convidados, familiares e amigos compartilharam com os noivos
dessa festa. Não houve cobrança de ingressos ou aferição de proveito econômico
por parte dos organizadores do evento, ou seja, o autor e sua esposa.".
(Processo n. 061.5789-25.2012.8.26.0016. Juizado Especial Cível da Comarca de
São Paulo, Capital)
Por todos esses motivos é que o Prof. Newton Silveira, em
seu artigo "Direito Autoral: Princípios e Limitações" sugere que seja acrescido
ao final do rol exemplificativo do §3º do art. 68 da lei 9.610/98, "exceto
quando tais locais estejam interditados ao público em geral para uso ou evento
privado".
É exatamente essa a interpretação justa, adequada e coerente que devemos dar à lei de direitos autorais.
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* Lyvia Carvalho Domingues é advogada, especialista em
Propriedade Intelectual e Direito das Novas Tecnologias e integra o escritório
Newton
Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.