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A compulsória e a invalidez (II)

O Estado não pode desistir do trabalho de profissionais experientes, de comprovado bom senso, simplesmente para atender à progressão funcional de jovens juízes.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Atualizado em 23 de maio de 2013 14:48

Prosseguindo sobre o assunto, iniciado na primeira parte desse trabalho, ratificamos a tese de que a aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade, não se compatibiliza com os princípios da isonomia, da dignidade da pessoa humana e com o livre exercício de qualquer trabalho, além de plena de preconceito contra o idoso.

Diante deste quadro, como já se disse em outra oportunidade, o Estado não pode desistir do trabalho de profissionais experientes, de comprovado bom senso, simplesmente para atender à progressão funcional de jovens juízes; ao invés de omitir-se, com prejuízo para a sociedade, busque então as associações de magistrados e de promotores o Congresso Nacional para aprovar a fixação de idade mínima de trinta anos de idade e cinco de atividade jurídica, como requisito para ingresso na carreira, PEC 56/11. Outra providência seria a renovação periódica na magistratura através da escolha pelo sistema de eleição, pois como já se disse, entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, este é o único poder que exerce esse múnus público sem delegação alguma do povo, como exige a CF/88. E o pior é que advogados e promotores sem se submeter a concurso público para a magistratura e sem experimentar a arte de julgar são conduzidos aos tribunais, já na condição de desembargadores e ministros, tomando a vaga de quem iniciou a atividade nas comarcas do interior e somente após dez ou mais anos chegam aos tribunais.

Não há maiores cuidados por parte do Estado nessa seara da aposentadoria. Veja-se, por exemplo, que o servidor público recebeu, por mais de cem anos, os benefícios da aposentadoria sem qualquer fonte de custeio, que só aconteceu com a EC 3/93; o pagamento aos aposentados, sem contrapartida alguma, iniciou-se em 1891, quando se criou o instituto da aposentadoria, enquanto a contribuição só passou a ser cobrada em 1993.

Na atualidade, o Brasil gasta em torno de 5% do PIB com a previdência dos servidores públicos no Executivo, Legislativo e Judiciário, percentual que representa mais do dobro do que despende países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.

Segundo dados do Ministério do Planejamento, atualmente, existem no serviço público 6.290 milhões de homens e 3.415 milhões de mulheres com idades entre 66 e 70 anos, implicando em que nos próximos anos teremos em torno de 10 milhões de servidores fora do trabalho simplesmente por causa da idade.

O Judiciário precisa de magistrados com sabedoria, cujos requisitos são ciência, consciência e experiência de vida e 'o ser humano está em melhores condições de exercer os deveres de Estado na maturidade'. Ademais, bom que se repita, a alteração constitucional não impede que o servidor público deixe a atividade antes dos 75 anos, apenas impede que somente pela longevidade seja descartado, apesar de ter boas condições para o trabalho. Recentemente, o ministro Francisco Rezek afastou-se do Supremo com 53 anos; Nelson Jobim, com 60 anos e Ellen Gracie com 63 anos.

Os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto representaram o absurdo e a desordem inerente na aposentadoria compulsória, porque, no ano passado, em pleno julgamento do 'mensalão', um dos processos mais tumultuados da Corte, tiveram de deixar o cargo, depois de meses de sessões e debates, somente pelo fato de terem completado 70 anos de idade. Nessa ocasião, após sua última sessão, Peluso disse que 'um país inteligente mudaria a regra da aposentadoria para todo o funcionalismo público, para não pagar duas vezes, para quem se aposenta e para quem chega para ganhar experiência'.

Enquanto essa balbúrdia constitucional ocorre no STF, mais de 100 prefeitos, quase 400 vereadores, com mais de 70 anos, são eleitos para administrar os municípios e fazer leis; acresce os inúmeros deputados, senadores e governadores que administram o país com mais de 70 anos; os magistrados, entretanto, não podem interpretar as leis feitas e executadas pelos agentes políticos enumerados, simplesmente porque são considerados inválidos, somente pelo implemento da idade de mais de 70 anos.

O envelhecimento do brasileiro não passou por décadas, como aconteceu na Europa; o processo aqui se deu muito rapidamente, apontando as estatísticas o crescimento da população com idade mais avançada e diminuição de pessoas com idade inferior a 65 anos. A expectativa de sobrevida das mulheres que atingem a idade de 60 anos mostra que poderão viver até os 78, enquanto os homens se chegarem aos 65 anos, esperam viver até os 77 anos.

A Organização Mundial das Nações Unidas indica que a população mundial de pessoas com idade compreendida entre 15 e 55 anos diminuirá de 61% para 55% até o ano de 2050; conclui que nesse mesmo período o percentual dos maiores de 65 anos subirá de 9% para 20%. As seguradoras já modificaram seu modo de trabalhar passando a usar o raciocínio de que quem chega aos 60 anos tem amplas possibilidades de viver mais de 20 anos e as pesquisas mostram que, no Brasil, a idade média de vida saltou para mais de 73 anos.

Na Pesquisa por Amostragem de Domicílios - Pnad - a população idosa do Brasil saiu de 7,4%, em 2009, para 12%, em 2012. Segundo o IBGE a cada ano são 650 mil novos idosos a se incorporarem à população brasileira.

Estudos do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - no Censo de 2000 conclui que o Brasil será o sexto país mais envelhecido do mundo em 2025. Atualmente, são considerados idosos jovens aqueles que têm entre 60 e 70 anos; medianamente idosos entre 70 e 80 anos e muito idosos acima de 80 anos.

Assim, o grande desafio da sociedade brasileira, no mercado de trabalho, reside na manutenção do maior número possível de cidadãos na ativa, tornando-se indispensável a adoção dos avanços tecnológicos para evitar o desgaste físico.

O governo brasileiro que só pensava em tratamento de enfermidade para os idosos passou a considerar nas políticas a eles direcionadas também o aspecto profissional, a exemplo da prática de esportes.

Torna-se necessária a revisão do conceito da palavra aposentadoria, extremamente vinculada a 'retirar do trabalho' ou 'já deu o que tinha de dar'; pensa-se agora no verdadeiro significado que é a troca de ocupação.

O diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Salo Buksman, defende a tese de que a lei deveria deixar o indivíduo escolher a idade para aposentar-se.

Nessa polêmica sobre a fixação de idade para o magistrado aposentar-se, resta uma incongruência e antinomia entre o princípio constitucional da vitaliciedade e a aposentadoria compulsória, como, aliás, já se questionou no STF, através da ADIn 2883, que não foi conhecida pela Corte; a vitaliciedade é garantia do magistrado, Capítulo III - Do Poder Judiciário -, art. 95, I; a aposentadoria compulsória é tratada em capítulo direcionado aos servidores públicos, Capítulo VII - Da Administração Pública, Seção II dos Servidores Públicos, arts. 93, VI e 40, parag. 1º, II.

A lei constitucional diz que a vitaliciedade só pode ser afastada em caso de pena disciplinar, art. 93, VIII, acontecendo aí, a aposentadoria compulsória. A interpretação de que a vitaliciedade significa impossibilidade de remoção não soluciona o impasse, pois onde fica a outra garantia da inamovibilidade?

Apesar de polêmico o assunto, preferiu o intérprete incluir o magistrado no mesmo regime jurídico do servidor público, fazendo incidir o art. 40, II, no Capítulo VII - Da Administração Pública - Seção II - Dos Servidores Públicos, ao invés daquele capítulo especial dedicado somente à magistratura.

Vitaliciedade nos Estados Unidos e em outros países significa que o favorecido com esse instituto fica onde está até morrer. Assim ocorre com juízes americanos, a exemplo do ministro da Suprema Corte Samuel Nelson que permaneceu no cargo mesmo depois de completar os 100 anos. Busca-se o exemplo americano porque de lá importamos o instituto da vitaliciedade.

Enfim, chega-se à conclusão de que o problema não se resolve com a fixação de idade em 70 ou 75 anos, mas a mácula situa-se na inexistência de critério científico para justificar a invalidez aos 70 ou 75 anos; se o servidor goza de suas faculdades mentais, e disso não comporta dúvida, ao menos na maioria, não se entende essa restrição para trabalhar seja com 70 ou com 75 anos.

O STF simplesmente deixou de aplicar uma das normas incompatíveis e preferiu restringir o instituto da vitaliciedade.

Os Estados do Piauí e do Maranhão, no final de 2011, chegaram a aprovar ECs 32/11 e 64/11, respectivamente, pelas quais se alteravam dispositivos das Constituições estaduais, elevando o limite da idade para aposentadoria compulsória dos servidores públicos para 75 anos de idade. Pouco depois, o STF julgou inconstitucionais os dispositivos.

Além dos dois Estados, que editaram as Emendas, o Distrito Federal, Amazonas, Goiás e Mato Grosso do Sul iniciaram movimentos no mesmo sentido. Todas as unidades federadas assim procederam para forçar o Congresso a votar a alteração constitucional que se encontra paralisada desde 2006, depois de aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado com alterações, o que provocou o retorno à Câmara.

No meio jurídico, a PEC 457/05 é mais questionada simplesmente por interesses pessoais, porquanto as associações de classe, que contam com maior número de profissionais com idade menor que 50 anos, buscam rodízio para chegar aos tribunais mais cedo.

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior

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