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A compulsória e a invalidez

Enquanto a PEC 457/05 não é aprovada muitos servidores público são desligados do trabalho, sob o fundamento de que estão possuídos de ´invalidez intelectual´.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Atualizado em 13 de maio de 2013 14:45

Desde o ano de 2005 tramita no Congresso Nacional a PEC 457/05, destinada a alterar o art. 40, parágrafo 1º, II, da CF/88, que fixa em 70 anos a idade para aposentadoria compulsória do servidor público; por esse dispositivo, obrigatoriamente, o funcionário do executivo, legislativo ou judiciário, em todos os níveis, deve ser imediatamente desligado do trabalho, sob o fundamento de que está possuído de 'invalidez intelectual'.

 

Celso de Melo, decano do STF, por ocasião da aposentadoria do ministro Carlos Ayres Britto, disse que "lamenta-se - e o digo com a disposição de quem não pretende aguardar o implemento da idade-limite - que o legislador constituinte de 1988 se haja distanciado do modelo consagrado pelos fundadores da República em nossa primeira Constituição republicana (1891), que, por não haver estabelecido a cláusula da aposentadoria compulsória, soube preservar, com equilíbrio e sabedoria, a vasta experiência de magistrados".

 

Esse assunto foi tratado pela primeira vez na Constituição de 1934, que estabeleceu a idade de 75 anos para aposentadoria compulsória de servidores públicos; a de 1937 diminuiu para 68 e a de 1946 fixou 'a expulsória' em 70 anos; nessa época, a expectativa de vida do brasileiro era de 45 anos; atualmente, segundo o IBGE, essa média subiu para 73,4 anos. Aceita essa afirmação e considerando que o critério para aposentadoria compulsória é de ordem biopsicológica, induvidosamente, a mudança da idade média, através do tempo, influi na busca de novos parâmetros para não dispensar o trabalho do cidadão somente pelo implemento de idade. O passar dos anos juntamente com os avanços tecnológicos, cultural, educacional, além da maturidade psicológica e sociológica do maior de 70 anos contribuiu para a nova realidade. Mesmo assim, não se entende como separar a fronteira da capacidade e da incapacidade somente pelo critério biológico, que implica na afirmação de que se é capaz para o trabalho até os 70 anos ou se é incapaz para o trabalho após os 70 anos.

 

Essa situação assemelha-se com a maioridade penal: poucos brasileiros admitem que a lei de 1940 deve continuar em vigor para excluir de pena o criminoso menor de 18 anos; todavia, nada muda, sob as mais infundadas alegações, a exemplo de que não há presídio para comportar a prisão digna do maior de 16 e menor de 18 anos, como se o maior de 18 anos não merecesse ser tratado com dignidade.

 

O dispositivo constitucional indicado possui temerária presunção de invalidez, incompetência, improdutividade, doença física ou mental, desconsiderando a boa saúde, a experiência, a capacidade física e psíquica que, atualmente, goza o cidadão com mais de 70 anos. Nem se observa os princípios constitucionais de proibição ao preconceito, inciso IV, art. 3º, o trabalho como direito social, art. 6º, como veículo de integração, arts. 170 e 230.

 

Em países civilizados, a aposentadoria compulsória é caracterizada como preconceito e prática de discriminação contra o idoso, porque vincula a velhice à doença, incapacidade intelectual e improdutividade.   

 

O estabelecimento de idade para descarte do septuagenário no trabalho não alcança os eleitos para governar o país, art. 14, § 3º, ministros de Estado, art. 87, recrutados para cargos em comissão, delegatários do serviço público. O fundamento para excluir os membros do executivo e do legislativo, os servidores comissionados e os delegatários não se sustenta, pois, como admitir sensatez, capacidade intelectual, vigor mental e físico, para o 'fazedor' de leis, para o assessor do menor de 70 anos, para o servidor responsável por atos registrais e notariais de tamanha relevância, e, ao mesmo tempo, presumir ausentes aquelas qualificações no magistrado, no professor, no cientista, no diplomata e no servidor público de maneira geral? 

 

Da forma como está, as leis podem ser feitas, sancionadas e executadas por agentes políticos com mais de 70 anos, incluindo nesse rol o presidente da República, os governadores dos Estados, os prefeitos dos Municípios, os deputados Estaduais e Federais, os senadores, os vereadores, mas inadmitida a aplicação e interpretação dessas mesmas leis por magistrados com a mesma idade, porque considerados inválidos.

 

Depara-se com o seguinte teorema: um servidor público com menos de 70 anos pode ter como seu assessor outro servidor atingido pela compulsória, portanto com mais de 70 anos. Notários e registradores também continuam em atividade, mesmo depois daquela idade fronteiriça entre a capacidade e a incapacidade, sabendo-se que exercem a função delegada pelo Estado.

 

Na empresa privada, septuagenários prosseguem contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento do país; os políticos com mais de 70 anos, sem demonstrar cansaço ou incompetência, persistem na execução das políticas públicas e na criação de leis; delegatários e comissionados cumprem suas funções com competência, mas a pecha de invalidez prevalece para os magistrados, os professores, os cientistas, os diplomatas e os servidores públicos de maneira geral.

 

A quebra do paradigma, tornando a mulher independente, mudou a posição acerca do conceito de sexo frágil ou do questionamento da capacidade intelectual; hoje elas estão presentes em todos os setores e ninguém nega a contribuição que prestam ao desenvolvimento do país.

 

Imagine-se os danos que a aprovação do aumento da idade para aposentadoria compulsória evitará na vida acadêmica? É que servidores pertencentes às carreiras universitárias, professores, no auge de sua produção intelectual, obtida com o dinheiro público, deixam os bancos escolares para trabalharem em instituições privadas; cientistas e pesquisadores, no desenvolvimento de suas experiências, interrompem suas descobertas de alto valor para o país e mesmo para o mundo e ingressam no mundo informal para trabalhar na orientação de pesquisas.

 

Na verdade, o aposentado, se magistrado, apenas trocará de atividade, pois ingressará no mercado de trabalho na condição de advogado ou de consultor; poderá continuar no serviço público em cargo comissionado ou temporário, mesmo depois dos 70 anos.

 

É o que ocorre, por exemplo, com ministros como Paulo Brossard, Moreira Alves, Néri da Silveira, Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Carlos Veloso, Sepúlveda Pertence, para ficar com alguns nomes do STF e que muitos deles continuam em atividade depois dos 70 anos, percebendo dos cofres públicos mais de R$ 26 mil, além de gordos salários em escritórios de advocacia.

 

Reclama-se movimentos para conscientizar os jovens a conviverem com a nova realidade do país, tomada por idosos em todas os segmentos da sociedade, tal como se deu com as mulheres, que, inicialmente, foram discriminadas e reprimidas sob o estereótipo de sexo frágil ou de inteligência limitada. Os argumentos usados para rejeição dos maiores de 70 anos, no mercado de trabalho, situam-se no engessamento de carreira, renovação de ideias, falta de vitalidade emocional para lidar com as demandas que chegam, ou sua permanência longa, na cúpula administrativa dos tribunais.

 

São motivações inconsistentes, pois a admissão de engessamento sugere acreditar que isso não acontece com os jovens magistrados; com efeito, eles estão chegando nos tribunais mais cedo, em torno de 50 anos, onde permanecerão, em média, por mais 20 anos; acerca da renovação de ideias diz-se que a visão está eivada de preconceito etário, pois a idade não é causa de estagnação e essa não é qualificação inseparável e exclusiva dos mais novos; a falta de vitalidade emocional chega a ser irônica, porquanto mais acentuada exatamente entre os de menor experiência.  

 

Será que se pode imputar aos ministros da Suprema Corte americana, mais que septuagenários, fator impeditivo de oxigenação à justiça daquele país?

 

A eficiência administrativa no judiciário não sofrerá impacto por ter mais magistrados jovens ou idosos, porquanto não há polêmica de que o juiz de uma maneira geral não sabe administrar; o que se precisa, nesse aspecto, é da busca de profissionais especializados para cuidar do patrimônio físico e humano dos tribunais.

 

Os magistrados que se queixam da falta de perspectiva na carreira nunca se lembraram de seus próprios auxiliares, os serventuários, que, em algumas unidades federadas, nem possuem progressão funcional, ou seja, começam e terminam na mesma função na qual ingressaram.

 

As associações de classe, fundamentalmente dos magistrados, onde predominam os mais novos, gritam porque a elevação da idade atrasará as promoções, daí o motivo pelo qual lutam para afastar todos aqueles que lhes impedem chegar ao topo da carreira o mais rápido possível; eles apenas não querem esperar mais cinco anos, mesmo sabendo que sua permanência no tribunal não sofrerá alteração alguma; estão ansiosos e apressados pela ascensão profissional, sem se importar com o erário, com o descarte do idoso ou com a descontinuidade do serviço.

 

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior

 

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