Comércio Eletrônico - Finalmente regulamentado?
Seria salutar se constasse no decreto um rol de produtos e serviços a que não se dariam o direito de arrependimento.
quinta-feira, 9 de maio de 2013
Atualizado às 08:05
A regulamentação das operações de contratação no comércio eletrônico, à luz do CDC, foi publicada em 15 de março deste ano no decreto 7.962/13. A norma entrará em vigor em 60 dias após a data da sua publicação.
Vê-se que o Poder Executivo Federal, por meio da presidente Dilma Rousseff, a despeito de inúmeros projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados, como, por exemplo, o PL 4.906/01, o PL 1.232/11 e o PL 4.348/12, regulamentou as operações eletrônicas, pelo menos no que diz respeito às relações de consumo.
O decreto em comento regulamenta o CDC para dispor sobre os negócios jurídicos no mundo eletrônico, chamando atenção para a exigência de informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor, atendimento facilitado ao consumidor e respeito ao direito de arrependimento de quem compra por esse meio.
Não há dúvida de que a norma visa proteger o consumidor nas relações eletrônicas. O que está claramente disposto no decreto presidencial é (i) a regulamentação das compras coletivas; (ii) o prazo de 5 (cinco) dias para o fornecedor responder às manifestações do consumidor no que se refere a informação, dúvida, reclamação e cancelamento da compra; e (iii) o direito de arrependimento.
A regulamentação das compras coletivas era necessária, pois o número de negócios neste segmento tem aumentado demasiadamente, assim como aumentou o número de reclamações de consumidores, até porque neste tipo de transação o consumidor está mais vulnerável.
A título de exemplo, nas contratações coletivas, muito em voga atualmente, é preciso deixar claro: a quantidade mínima de consumidores para conclusão do contrato; o prazo para utilização da oferta; a identificação do fornecedor de produtos ou serviço e seu endereço físico e eletrônico. Contudo, isso não é suficiente. Outros aspectos importantes quanto aos mencionados contratos ficaram de fora do referido decreto - e que estão no PL 1.232/11, em trâmite na Câmara dos Deputados -, como é o caso do prazo para devolução do valor das ofertas adquiridas, quando não for atingido o número mínimo de participantes. Qual será o prazo? E os custos operacionais destas transações?
Quanto à questão do prazo de 5 (cinco) dias para o fornecedor responder qualquer solicitação feita pelo consumidor (parágrafo único do art 4º do decreto), não há dúvida de que o prazo é exíguo, pois o número de compras neste setor tem avançado de forma significativa. E, além disso, não há nada expresso quanto ao termo inicial do prazo. O fornecedor deverá responder em 5 (cinco) dias do envio da solicitação pelo consumidor ou do recebimento da solicitação?
A solução passa por um problema que há muito tempo é motivo de questionamentos, pois os contratos eletrônicos podem ser firmados tanto entre presentes, como é o caso de contratos firmados por chats - quando há o imediatismo - quanto entre ausentes, como é o caso dos contratos firmados em sites, quando não há o imediatismo. Quem explica é a doutrinadora Maria Eugênia Reis Finkelstein:
[...] É nosso entendimento que o imediatismo existe, por exemplo, em alguns chats de conversação. Desta forma, ofertas feitas neste ambiente devem, sem dúvida, ser consideradas como sendo efetuadas entre presentes. Para Renato Ópice Blum, o art. 113 do Código Civil de 2002 reforça o entendimento de que os acertos e compras feitos por meio do Messenger, Chats, Netmeeting e clicks passam a ser considerados como se, fisicamente, a pessoa estivesse presente. Só não concordamos com que a celebração de contratos por clicks seja considerada como entre presentes. Quanto às demais casos, concordamos que o contrato possa ser considerado como entre presentes, como veremos a seguir. [...]
No caso dos chats não haveria dúvida de que a empresa teria que responder a solicitação do consumidor em 5 (cinco) dias da data da solicitação em razão do imediatismo, já que as mensagens são instantâneas, porém no caso dos sites, que, sem dúvida, é a ferramenta mais utilizada nos dias atuais para aquisição de produtos e serviços, qual seria o termo inicial do prazo para responder a solicitação? Entendemos que o prazo deve ser contado da data em que o fornecedor acusar o recebimento da solicitação do consumidor em razão de que nesta situação peculiar o contrato é firmado entre ausentes e aplica-se a teoria da expedição disposta no art. 434 do CC, justamente porque o ofertante e o aceitante não estão on-line conversando.
Outro ponto importante do decreto, que atormentava o consumidor e o fornecedor, é sobre a aplicabilidade ou não do direito de arrependimento. A dúvida que permeava os contratantes era se o direito de arrependimento, conhecido como prazo de reflexão, previsto no art. 49 do CDC, seria aplicável às compras on-line. Tal dispositivo dispõe que o arrependimento somente pode ser manifestado se a compra for realizada fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. O produto adquirido em estabelecimento virtual pode ser considerado como aquele adquirido fora do estabelecimento comercial?
O assunto é muito debatido no direito do consumidor eletrônico. Há quem entenda que esse direito não seria aplicável em razão de que não haveria qualquer mecanismo de pressão que pudesse influenciar a manifestação do consumidor e o comércio eletrônico seria realizado dentro de um estabelecimento virtual, não fazendo sentido falar em compra fora do estabelecimento.
Porém, parece-nos bem razoável a aplicação do direito de arrependimento ao comércio eletrônico naqueles casos em que o consumidor adquire produtos que serão fisicamente entregues ou contrata serviços que serão fisicamente prestados, hipóteses em que ele pode ser surpreendido, quando do recebimento, pela discrepância entre a oferta e os produtos ou serviços fornecidos pela internet.
No entanto, a previsão do direito de arrependimento, da forma como constou no decreto, gerará grave insegurança jurídica, uma vez que vários produtos e serviços que são disponibilizados à venda pela internet são da mesma forma vendidos se o consumidor comparecer na sede da empresa, como é o caso da venda de passagens aéreas, ingressos para cinema, teatros, jogos de futebol, entre vários outros.
Na nossa opinião, portanto, seria salutar se constasse no decreto um rol de produtos e serviços a que não se dariam o direito de arrependimento. Da forma que está, o decreto em tela poderá dar ensejo a pedidos de cancelamentos de compras nas mais diversas hipóteses, ainda que o consumidor tenha tido acesso a todas as informações exigidas pelo CDC e não tenha tido nenhum tipo de pressão para realizar a compra de sua residência- hipóteses em que, a rigor, não deveria ser aplicado tal direito.
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* Ezequiel Frandoloso é advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados.