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A questão do must carry gratuito no segmento de TV por assinatura brasileiro

Tal obrigação - disponibilização gratuita dos sinais analógicos das empresas de rádio e televisão aberta para as prestadoras de serviços de TV por assinatura - reveste-se de inaceitável inconstitucionalidade.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Atualizado em 7 de maio de 2013 16:25

A lei Federal 12.485/11 dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado. Nesse sentido, a mencionada norma legal tem por escopo a consolidação da regulamentação dos serviços de televisão por assinatura no Brasil, tratando de TV a Cabo, TV por satélite e outras modalidades desse serviço, definindo-os como de acesso condicionado, dada a sua natureza onerosa.

Cumpre destacar que a referida lei Federal não tem por finalidade a simples reunião dos dispositivos normativos que tratam da matéria. A norma em questão inova substancialmente a respeito do tema, tornando o setor altamente regulado. Nesse sentido, são criadas obrigações de veiculação de conteúdo nacional, instituídas restrições à atuação de determinados setores, autorizada a prestação dos serviços por grupos econômicos cuja atuação era proscrita pela legislação anterior, ampliada a esfera de atribuições de agências governamentais, criadas regras de transição, dentre outras questões.

Dentre as diversas regulamentações que emanam desse novo marco normativo - muitas das quais são objeto de exame de constitucionalidade no âmbito do STF - chama a atenção a instituição do chamado must carry gratuito de sinal aberto em favor das prestadoras de TV por assinatura. Nesse contexto, o art. 32, § 2º, da lei 12.485/11 imputa, às geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, o fornecimento obrigatório e gratuito de canais de sinal aberto e não codificado às empresas de TV fechada.

Tal obrigação - disponibilização gratuita dos sinais analógicos das empresas de rádio e televisão aberta para as prestadoras de serviços de TV por assinatura - reveste-se de inaceitável inconstitucionalidade.

E primeiro lugar, nos termos do art. 5º, XXVII, da CF, as empresas de radiodifusão têm direito autoral sobre o conteúdo por elas gerado, e não podem ser obrigadas a disponibilizar tal programação de forma gratuita. Esta obrigação constitui violação ao seu direito fundamental de propriedade intelectual, cuja tutela pelas Cartas Constitucionais das democracias ocidentais tem um sentido todo específico: garantir o proveito econômico da criação, estimulando a produção cultural e científica na esfera privada, pontos nodais do progresso de qualquer sociedade.

Além disso, a imposição do fornecimento obrigatório e gratuito de canais viola a livre iniciativa das empresas de radiodifusão, protegida pelo art. 1º, IV e o art. 170, caput, do Texto Constitucional. Estas companhias estarão obrigadas a celebrar relações jurídicas em termos extremamente desvantajosos, financiando, em alguns casos, as próprias atividades das prestadoras de serviços de acesso condicionado. Nesse sentido, a liberdade contratual, expressão por excelência da livre iniciativa, dessas entidades será sensivelmente cerceada, instituindo-se uma inaceitável modalidade obrigatória de contratação, sem que se possa escolher o outro contratante ou os termos da relação contratual.

A situação de inconstitucionalidade ora exposta ganha contornos ainda mais graves quando se tem presente que, em determinadas circunstâncias, as empresas de TV por assinatura poderão cobrar de seus assinantes um determinado valor pela disponibilização dos canais de sinal aberto, que lhes serão fornecidos gratuitamente pelas empresas de radiodifusão. Nesse sentido, observe-se o art. 33, VI, da lei 12.485/11, que prevê a possibilidade de contratação onerosa dos canais obrigatórios pelo consumidor, dentre os quais se inserem justamente os canais de sinal aberto.

Portanto, a nova legislação do serviço de TV por assinatura, quanto a esse ponto, estabelece uma situação no mínimo curiosa. As radiodifusoras brasileiras, em face da gratuidade de must carry instituída pela lei 12.485/11, financiarão as atividades das empresas de TV fechada, que receberão os sinais analógicos correspondentes de forma gratuita e poderão, em dadas circunstâncias, cobrar pela sua oferta ao assinante. Como, em última análise, as operadoras de TV (seja em sinal aberto, seja em sinal fechado) são concorrentes (oferecendo a sua programação ao telespectador ou ouvinte), essa gratuidade assume uma dimensão simplesmente inaceitável.

Tendo presente essas considerações, torna-se necessário concluir que a instituição do must carry gratuito pela lei 12.485/11 importa em violação aos regramentos de direito autoral, livre iniciativa e ampla concorrência estabelecidos no Texto Constitucional. Trata-se de norma altamente prejudicial ao segmento de radiodifusão e, mais grave, que não encontram respaldo na Constituição da República. Cabe aguardar qual será a resposta do Supremo Tribunal Federal a essa grave situação.

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* Marcelo Cama Proença Fernandes é advogado do escritório Proença Fernandes Advogados.

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