Revisão contratual em relações paritárias e a teoria da base objetiva dos contratos
Uma análise da possibilidade de revisão judicial dos contratos, por alteração superveniente das circunstâncias, no âmbito das relações puramente civis.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Atualizado às 07:24
O presente estudo tem como principal objetivo a análise da possibilidade de revisão judicial dos contratos, por alteração superveniente das circunstâncias, no âmbito das relações puramente civis, com ênfase em interpretação extensiva do que dispõe o artigo 317 do Código Civil Brasileiro, verificando-se, em suma, o histórico de tramitação do aludido dispositivo legal, as três variantes teóricas que auxiliaram a formação jurisprudencial acerca da revisão contratual, bem como o escopo de aplicação do instituto da revisão de contratos, à luz do princípio da continuação dos negócios jurídicos e de cláusulas gerais de Direito Privado, tais como a Boa-Fé Objetiva e a Função Social do Contrato.
O que se tem verificado é uma grande dificuldade de se preencher todos os pressupostos e situações próprias das Teorias da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva, conforme previsão do artigo 478 do Código Civil e da interpretação literal do que dispõe o sobredito artigo 317.
O que se propõe, como solução pertinente para a criação de um modelo mais operativo e moderno, à luz da Nova Teoria Contratual, que é baseada em conceitos como o Dirigismo Contratual e Justiça e Equilíbrio Contratuais, é de fato, a abertura de um campo de entendimento que possibilite uma interpretação extensiva do artigo 317 do Código Civil, à luz de uma análise teleológica de todo o Código, a dar guarida à Teoria da Quebra da Base Objetiva do Negócio Jurídico, também, em relações puramente civis.
Ao contrário do Código de Defesa do Consumidor, que já previu a aludida Teoria, em atenção à leitura estrita do artigo 51, inciso IV, o Código Civil, por sua vez, em uma primeira análise, se alinhou mais com os requisitos previstos pela Teoria da Onerosidade Excessiva.
Cabe esclarecer, primeiramente, o que diferencia cada uma das Teorias mencionadas, porquanto, adotando-se uma ou outra, estaríamos a aumentar ou restringir o escopo da revisão contratual no Direito puramente civil.
Tem-se que a Teoria da Onerosidade Excessiva, segundo Jorge Cesa Ferreira da Silva[1], prevê, como requisitos para a revisão dos contratos, a ocorrência de fatos supervenientes que atinjam a prestação, de modo a dotá-la de um valor muito distinto do anterior E que esses fatos sejam imprevisíveis e extraordinários.
Ao passo que, no que toca à Teoria da Quebra da Base Objetiva dos Negócios Jurídicos, mais operativa e moderna a nosso ver, tem-se que, segundo Laura Coradini Frantz[2], essa prevê, como requisitos para a revisão dos contratos a destruição da relação de equivalência (na medida da Boa-Fé) OU a impossibilidade de se alcançar a finalidade do contrato (na medida da Função Social).
Comparando a Teoria da Onerosidade Excessiva com a da Base Objetiva é certo que a primeira possui um campo de aplicação muito mais abrangente do que a segunda, por dispensar o requisito da imprevisibilidade e correlacionar a revisão do contrato com a Cláusula Geral da Boa-Fé.
E sobre a possibilidade de se fundamentar a revisão contratual na vertente da Teoria da Quebra da Base, importante ponderar que o Novo Código previu requisitos menos rígidos do que os inerentes à Teoria da Excessiva Onerosidade em sua origem, pois, de antemão, afastou-se do conceito de extraordinariedade, exigindo-se, tão somente, a imprevisibilidade do evento causador da desproporção, isto é, não correspondente às legítimas expectativas das partes, estas a serem consideradas objetivamente.
Depreende-se, assim, que o instituto da revisão contratual, na égide do Direito pátrio, a despeito de se aproximar muito da Teoria da Onerosidade Excessiva, não seguiu, integralmente, o âmbito de aplicação vislumbrado pelo Legislador italiano, o que, para Ruy Rosado de Aguiar Junior corrobora o fato de que o Código Civil Brasileiro teria previsto, de forma muito limitada, a onerosidade excessiva, ao passo que teria sobrelevado as Cláusulas Gerais da Boa-Fé Objetiva e da Função Social do Contrato.[3]
Ao que tudo indica, mormente pelo processo legislativo ocorrido sobre o artigo 317 do Código Civil, a atual legislação, com base em construção jurisprudencial anterior à sua vigência, buscou aumentar o escopo de aplicação do instituto da revisão contratual, seja pela constante busca pelos primados da Boa-Fé Objetiva, Função Social do Contrato e Princípio da Solidariedade ou, ainda, por prever, expressamente, que a continuação dos negócios jurídicos haverá de ser, constantemente, perseguida, de modo que não faz sentido interpretar o instituto da revisão contratual, conforme requisitos tão estanques, tais como os decorrentes das Teorias da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva.
Durante toda a tramitação do artigo 317 do Código Civil, ficou clara a tentativa de ampliar o escopo da revisão contratual - mormente por se entender que o instituto não deveria se limitar à previsão de desvalorização da moeda, mas, também, a "outros fatos", ainda que "imprevisíveis" - quando o Senador Josaphat Marinho, Relator da Comissão Especial destinada a examinar o Projeto de Lei da Câmara, assim expôs: "sobretudo porque não se deve considerar a desvalorização da moeda, para admitir a revisão de valores convencionados. Outros fatores, e imprevisíveis, poderão ocorrer, gerando o desequilíbrio das prestações e justificando o reajustamento delas."
Ou seja, com o evidente intuito de ampliar o instituto da revisão para "outros fatores além da desvalorização da moeda", o Legislador, equivocadamente, acabou por restringi-lo com a atual redação literal do artigo 317.
A despeito disso, no entanto, tem-se verificado que a doutrina e a jurisprudência mais abalizadas vêm entendendo a revisão contratual, à luz das Cláusulas Gerais da Boa-Fé e da Função Social do Contrato, de modo a imputar ao instituto verdadeira diretriz de socialidade, mitigando a subjetividade buscada pelas Teorias da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva para, assim, se atingir a equidade de forma objetiva.
Vale destacar trecho do aludido acórdão extraído TJRS, Ap. Civ. 193051083, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Márcio de Oliveira Puggina, j. em 24.06.1994, que bem exprime o "espírito" que deve calcar a melhor interpretação ao artigo 317 do Código Civil: "não se perquire mais, como na Teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área de risco inerente a qualquer atividade negocial."
Como se vê, a Teoria da Base Objetiva tem tido o seu campo de aplicação recepcionado pela Jurisprudência brasileira, já antes da vigência do atual Código Civil, conforme se depreende, também, exemplificativamente, da análise do acórdão prolatado pelo Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Junior, já em 06 de dezembro de 1988, quando do julgamento da Apelação Cível nº 588059113, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Cumpre destacar, que, mesmo após a redação final do Código Civil, não se tem desprezado o uso da Teoria da Quebra da Base Objetiva do Negócio Jurídico para revisão contratual em relações paritárias, conforme se depreende, exemplificativamente, da análise do acórdão prolatado pelo Desembargador Francisco Loureiro, em 2009, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento da Apelação nº 419.044-4.5, ao passo que se tem recepcionado o uso da referida Teoria através das Cláusulas Gerais da Boa-Fé e da Função Social, que devem ser sobrepostas aos requisitos inerentes da Teoria da Onerosidade Excessiva, à luz do princípio da continuidade das relações jurídicas, que deve permear o Direito Civil.
Assim, o que se propõe é o uso mais frequente da aludida Teoria da Quebra da Base Objetiva dos Contratos, também, para revisão em relações paritárias.
[1] FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. Adimplemento e Extinção das Obrigações. In: REALE, Miguel. MARTINS-COSTA, Judith (coords.). Biblioteca de Direito Civil - Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Ed. RT, 2007, vol. 6. p. 170.
[2] FRANTZ, Laura Coradini. Revisão dos contratos: elementos para sua construção dogmática.1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54.
[3] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos Contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2003. P. 148.
_____________
* Thiago Luiz Minicelli Martins é advogado do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.