1700 anos do Édito de Milão
Constantino proclamou pela primeira vez a liberdade religiosa como um direito da pessoa e não mais como uma liberdade coletiva de natureza étnica.
domingo, 24 de março de 2013
Atualizado em 18 de março de 2013 17:28
Em março do ano 313, o imperador Constantino promulgou o Édito de Milão. Ele proclamou não somente o fim das perseguições aos cristãos, que já vinha ocorrendo em diversas regiões do império romano, mas deu aos fiéis dessa nova religião o direito de culto e de não honrar o imperador como uma divindade.
O Édito de Milão não transformou o cristianismo em religião oficial do império romano. Isso só aconteceu, sob o imperador Teodósio I, no final do século. Constantino proclamou pela primeira vez a liberdade religiosa como um direito da pessoa e não mais como uma liberdade coletiva de natureza étnica. Até então, nas culturas antigas, incluindo o judaísmo, cada povo devia poder prestar culto ao(s) deus (es) de seus ancestrais, segundos seus ritos ancestrais.
Em sua formulação, o Édito deu a todos, cristãos e outros, "a liberdade e a possibilidade de seguir a religião de sua escolha", "aberta e livremente". Essa definição de liberdade religiosa pessoal no Édito de Milão ainda ressoa neste início do século XXI. Hoje, esse direito do indivíduo está sendo negado em nome de pretensas normas sociais e até nacionais, de uma laicidade entendida como um ateísmo militante e, principalmente, cristofóbico e anticatólico.
Ao ser promulgado, o Édito de Milão reconheceu a comunidade cristã como parte integrante do império romano. Os bens da Igreja, que haviam sido confiscados e até revendidos, foram devolvidos. Todos os interditos legais que pesavam sobre o nome "cristão" foram revogados. Essa política de tolerância religiosa não era restrita aos cristãos, mesmo se foi graças à reflexão cristã que ela se construiu, desde a apologética de Tertuliano: a religião é o único domínio, no coração do homem, onde a liberdade estabeleceu seu domicílio. O Édito se aplicou a todos os cultos, greco-romanos, judeus, orientais e mesmo ao culto imperial. Constantino foi mais tolerante com os outros cultos do que os próprios cristãos de seu tempo.
Não se institucionalizou uma sociedade plurirreligiosa, mas uma coexistência pacífica em que o império buscou sua unidade e se engajou progressivamente na via da cristianização. Não pela força. Não imediata. Mas, pela persuasão e por uma expansão na conquista de almas. Nisso, a cristianização visou à unidade do império e à universalização de seus valores.
No que pese as contradições dos relatos históricos envolvendo a conversão de Constantino ao cristianismo, antes ou depois da decisiva batalha da ponte de Milvius no ano 312, seu Édito marcou o início de uma série de eventos históricos: em 315, a inauguração do arco de Constantino em Roma; em 324, a construção de Constantinopla; em 325, o concílio de Nicéia; em 327, a presença de sua mãe Helena na Terra Santa etc. O batismo de Constantino só ocorreu mesmo em 337, ano em que também veio falecer.
Constantino arriscou-se politicamente ao eliminar a obrigatoriedade de culto ao imperador. Foi uma perda autoconsentida de poder. E acertou também ao fundar Constantinopla, onde seu império resistiu aos bárbaros, sem sucumbir, até o tempo da expansão árabe. Acabou declarado santo, e é festejado em 21 de maio. Deveria ser em março na data do Édito!
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*Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em Ecologia e pesquisador da Embrapa.
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