Arbitragem, processo e prescrição: Uma abordagem prática.
Para garantir a tranqüilidade da ordem jurídica, preservando a estabilidade e a segurança das relações sociais, o titular de um direito deve exercê-lo em certo lapso temporal.
terça-feira, 18 de outubro de 2005
Atualizado em 17 de outubro de 2005 10:39
Arbitragem, processo e prescrição: Uma abordagem prática.
Fábio Possídio Egashira*
Para garantir a tranqüilidade da ordem jurídica, preservando a estabilidade e a segurança das relações sociais, o titular de um direito deve exercê-lo em certo lapso temporal.
A Lei nº 9.307/96 não estabelece prazo prescricional para a pretensão de instituição da arbitragem. Em regra, o direito de provocar a instalação do Juízo Arbitral pode ser exercido a qualquer tempo.
A questão que se aduz é saber se a inércia pode ser punida em sede arbitral. Se existe a possibilidade de alguém, que travou uma relação contratual e estipulou cláusula compromissória, possuir tempo indefinido para discussão de qualquer controvérsia na arbitragem.
Nesse contexto é que a prescrição da pretensão e sua interrupção influenciam diretamente no comportamento adotado pelas partes, tanto no pólo ativo como no pólo passivo das discussões.
Não raras vezes, as partes elegem a arbitragem como o local apropriado para a resolução das controvérsias e não a utilizam, talvez por medo e receio de encará-la. E mais, quando há algum descumprimento contratual, é freqüente uma delas ingressar perante o Poder Judiciário, ainda que consciente da estipulação de cláusula compromissória.
A opção de quem propõe a ação na via judicial para discutir a sua pretensão, mesmo desrespeitando a estipulação da cláusula compromissória, pode interromper o prazo prescricional. Isso porque a interrupção da prescrição ocorre por despacho do juiz que determinar a citação, ainda que incompetente, se promovido o ato citatório no prazo e na forma da Lei Processual1.
Observe-se que o Código Civil protege a iniciativa da parte em discutir o seu direito, por isso garante a interrupção da prescrição mesmo que ajuizada a ação perante Juiz incompetente. O autor da pretensão deve apenas ser cuidadoso no sentido de cumprir a citação do adverso sem contaminação.
Já em relação à empresa que estipula cláusula compromissória em um contrato, porém é surpreendida figurando no pólo passivo para responder a uma ação na Justiça, o reflexo da interrupção da prescrição não é o mesmo. Nessa hipótese, não é incomum a parte acionada contestar a ação e suscitar corretamente a preliminar de convenção de arbitragem2 , solicitando a extinção do processo sem julgamento de mérito3 . Ocorre que essa postura é meramente defensiva e não interrompe a prescrição de eventual pretensão indenizatória contra o adverso.
A bem da verdade, a interrupção da prescrição poderia ser alcançada com a apresentação de reconvenção simultaneamente à referida defesa. Mas tal reconvenção perante o Poder Judiciário soaria incongruente com a preliminar de convenção de arbitragem argüida na peça de contrariedade.Também poderia soar como renúncia à arbitragem uma reconvenção eventualmente apresentada no Judiciário para discutir a indenização decorrente do contrato.
Se existem motivos suficientes à postura da parte de não reconvir, e mais, se o processo prolongar-se de modo a que a preliminar de convenção de arbitragem argüida na defesa demore a ser apreciada pelo Poder Judiciário, entendemos que a atitude mais prudente de quem não apresentou a reconvenção seja instalar a arbitragem com o pleito de reparação civil por descumprimento contratual. A iniciativa de ingressar na arbitragem por certo provocará a interrupção do prazo prescricional da pretensão, mesmo que haja o risco de suspensão da instância arbitral pelo fato de haver uma discussão judicial antecedente sobre idêntico contrato.
Aqui cabe uma explicação: a prescrição é instituto de ordem pública, sendo correto afirmar que as causas de sua interrupção somente podem ser criadas e amparadas por Lei. A pergunta que se faz é: a interrupção da prescrição estampada no inciso I do artigo 202 do Código Civil, "por despacho do Juiz", aplica-se também à arbitragem?
Parece-nos que sim. Como ao intérprete é dado sistematizar, entendemos que a aplicação decorre do fato de a Lei de Arbitragem haver ressaltado que a atividade do árbitro é idêntica à do Juiz togado, conhecendo o fato e aplicando o direito, cuja decisão produz a mesma eficácia da decisão estatal. Por isso que a Lei de Arbitragem4 estabelece que o árbitro é juiz de fato e de direito e a Lei Processual5 reconhece a sentença arbitral como título executivo judicial.
Como a finalidade da interrupção da prescrição é preservar o autor diligente no que diz respeito aos seus direitos, consideramos que o inciso I do artigo 202 do Código Civil pode ser aplicado com a instalação da arbitragem.
Somente no que pertine à parte final de aludido dispositivo legal, em relação ao ato citatório, frisamos o aspecto peculiar da autonomia da vontade na arbitragem, cuja forma e prazo são definidos pelas partes. Daí porque se atentar para a liberdade de as partes adotarem a forma e o prazo da Lei Processual, do Regulamento da Câmara Arbitral escolhida ou a própria vontade quanto ao procedimento, sem ferir evidentemente a ordem pública, os bons costumes e os princípios constitucionais.
São posturas aparentemente simples como essas que precisam ser bem analisadas para não comprometerem o futuro das discussões na arbitragem. Se houver a prescrição da pretensão, seja ela qual for, pode e deve haver o reconhecimento do instituto no próprio Juízo Arbitral.
A lição que se extrai dessa rápida análise é a de que a inércia em ingressar no Tribunal Arbitral poderá fulminar a arbitragem. Isso torna bem relativa a idéia de que o Juízo Arbitral pode ser instalado a qualquer tempo.
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1
2Art. 301, inciso IX, do Código de Processo Civil.
3Art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. Para alguns doutrinadores, como Washington de Barros Monteiro e Silvio de Salvo Venosa, somente há interrupção da prescrição quando ocorrer o julgamento do mérito da causa. Silvio Rodrigues defende a interrupção mesmo que o processo seja extinto sem julgamento de mérito.
Não obstante a divergência doutrinária, concordamos com o posicionamento de Silvio Rodrigues, entretanto ressalvamos a situação em que o processo se extingue sem julgamento do mérito porque o autor desistiu da ação antes da triangularização do vínculo processual. Nesse caso, não se pode atribuir eficácia à interrupção do lapso prescricional. Causaria a impressão de um privilégio à astúcia das partes.
4Art. 18 da Lei nº 9.307/96.
5Inciso VI do artigo 584 do Código de Processo Civil.
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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados
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