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Onde está o sexo?

O papel do Direito na definição da identidade sexual.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Atualizado em 10 de janeiro de 2013 12:56

A Justiça de São José do Rio Preto autorizou uma travesti a usar nome feminino em todos os seus documentos, sem que tivesse sido submetida à cirurgia de transgenitalização. A fundamentação da decisão judicial residiu, dentre outros argumentos, no fato de ter sido a requerente uma criança diferente dos outros meninos e enxergava-se como do sexo feminino (Diário da Região, de 04/01/13).

Onde está o sexo? Na genitália?

A regra que sempre predominou é que o sexo é ditado pela genitália que define o homem e a mulher. A natureza do homem, apesar de carregar regras inflexíveis, todas lastreadas em conceitos fincados como dogmas, vai lentamente se diluindo e se amoldando às novas realidades. É uma adequação que se faz necessária e diferencia os homens de suas épocas. E tudo no passar de um tempo tão curto. Basta ver que Machado de Assis, cujo centenário de morte foi comemorado recentemente, com seu estilo inconfundível de narrador, retratou de forma pudica o relacionamento amoroso entre as pessoas: começava com o flerte, após considerável tempo chegava ao noivado e daí para o casamento. Mas, sem relato de cena que revelasse sensualidade ou até mesmo diversidade de opção sexual. Basta ver o cuidado que teve ao narrar o romance entre Bentinho e Capitu e o possível adultério com seu amigo Ezequiel, no livro Dom Casmurro. A metáfora erótica mais acentuada foi quando se referiu à Capitu dizendo que tinha "olhos de cigana oblíqua e dissimulada".

O sexo está na mente?

Nenhuma dúvida de que é a mente a força propulsora do mecanismo chamado corpo humano. Daí que a vocação sexual é ditada por ela e exige uma intervenção cirúrgica para se chegar ao equilíbrio de adequação sexual, em caso de desalinho. A lei permite a realização da cirurgia de transgenitalização de pessoa que carrega as genitálias interna e externa perfeitas, porém em total desajuste com sua mente, que já se amoldou ao sexo oposto. A falta de sintonia e conjugação dos fatores corpo e mente acarreta transtornos que impossibilitam o cidadão de encontrar sua verdadeira identidade sexual, como também exige uma carga supletiva de efetiva proteção legal para o exercício e a defesa de seus direitos consagrados nas políticas para a diversidade sexual.

Vários tribunais, inicialmente, rejeitavam ações que visavam a mudança de sexo e nome no documento registral. As decisões foram se amoldando à aceitação social e passaram a permitir a pretensão, desde que transgenitalizado o autor. Hoje, sob liderança do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o procedimento ganha corpo e vem sendo permitido sem a cirurgia transexual.

O sexo está na aparência?

A evolução dos princípios reguladores da convivência humana alcançou um estágio de liberdade que proporciona a cada um ousar ser o que quiser ser. Trata-se um novo parâmetro identitário com erupções temporárias, que nem mesmo a lei, reguladora que é do controle social, consegue enunciar uma regra que seja coerente e aceitável, de acordo com um padrão ético. A aparência, por si só, não traduz uma identidade sexual definida. Basta ver o comportamento do crossdresser (aquele que traja vestes e usa acessórios do sexo oposto ao seu), que carrega dois perfis sexuais dissociados um do outro, podendo apresentar-se como heterossexual, homossexual, bissexual, totalmente divorciado da transexualidade.

A definição da identidade sexual, desta forma, não está nas genitálias e sim faz parte da liberdade de escolha da pessoa, compreendida na elasticidade do princípio da dignidade humana. O Direito, obrigatoriamente, tem que caminhar de braços dados com as transformações sociais e encarar esta nova realidade, baseando-se no respeito mútuo e no convívio estável, ambos tutelados pelo Estado.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde e é reitor da Unorp





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