O Poder Judiciário e a liberdade de imprensa
Um fator que contribui para o cerceamento da atividade jornalística brasileira é a atuação do Judiciário, que, por decisões proferidas no âmbito das mais variadas instâncias, tem restringido indevidamente a liberdade de imprensa.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Atualizado em 19 de dezembro de 2012 13:47
Conforme amplamente noticiado pela mídia há alguns meses, o Brasil perdeu nada menos que 44 posições no ranking internacional de liberdade de imprensa da ONG Repórteres sem Fronteiras, passando a ocupar uma decepcionante 99ª colocação, entre 179 países. No ano anterior, o País ocupava a 55ª posição nesse mesmo ranking. Segundo o mencionado estudo, a súbita perda de posições deveu-se, essencialmente, à violência contra jornalistas, que teria tornado a profissão bastante perigosa, sobretudo quando da divulgação de temas sensíveis, como corrupção, danos ao meio ambiente e crime organizado.
Há, no entanto, mais um elemento que infelizmente vem contribuindo para o cerceamento à atividade jornalística no Brasil, cuja gravidade acentuou-se significativamente nos últimos anos. Trata-se da atuação do Poder Judiciário, que, por decisões proferidas no âmbito das mais variadas instâncias, tem restringido indevidamente a liberdade de imprensa. Somando-se aos episódios de violência e ameaça contra jornalistas, os órgãos de imprensa brasileiros agora convivem com a interferência indevida do próprio Estado, mediante atos judiciais que limitam a sua atividade, impedindo a veiculação de determinadas notícias. Os exemplos lamentavelmente são fartos e frequentes.
É certo que a liberdade de imprensa, como os demais direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira, não possui um caráter absoluto e pode eventualmente sujeitar-se a restrições. A privacidade e a honra das pessoas são parâmetros que devem pautar as atividades dos jornalistas. O exercício dessa liberdade pressupõe responsabilidade e não dá carta branca àqueles que a exercem. Eventuais abusos devem ser reprimidos.
O grande problema na atuação do Poder Judiciário quando da fiscalização de excessos nas atividades jornalísticas refere-se à utilização de uma via absolutamente inaceitável, consistente na censura prévia. Trata-se de um mecanismo de controle inadmissível em uma sociedade democrática. Há várias alternativas mais legítimas. As formas de proteção à honra e à privacidade em casos de exercício abusivo de liberdade de expressão podem se traduzir, por exemplo, na reparação pecuniária de danos morais e no exercício do direito de resposta, dentre outras medidas. Jamais, porém, a censura. Primeiro, prestigia-se a liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Uma vez plenamente exercido esse direito, pode-se examinar se houve abusos e, em casos tais, as penalidades pertinentes devem ser aplicadas. Em todas as hipóteses, a ampla defesa e o devido processo legal devem ser observados. De forma alguma, contudo, pode-se impedir previamente a veiculação de determinada ideia.
Essas observações revelam-se particularmente importantes porque muitas vezes a impossibilidade de censura é equivocadamente confundida com impunidade. Não se cuida disso. Tal como exposto, a proteção da privacidade, da intimidade e da honra pode ser feita por meios válidos, que não envolvam uma prática arbitrária, desproporcional e açodada como o controle prévio da atividade jornalística. Reconheça-se que a completa ausência de fiscalização prévia sobre a imprensa pode eventualmente conduzir a injustiças em situações específicas. Mas os benefícios trazidos pela ampla liberdade de expressão são incomparavelmente maiores. Valendo-se das palavras do Ministro Marco Aurélio, paga-se um preço por se viver em um Estado Democrático de Direito. A necessária convivência com a crítica e a incondicional tolerância à opinião divergente certamente entram na conta.
É preciso enfatizar, ainda, que o art. 5º, IX, da Constituição Federal contém expressa previsão de repúdio à censura em sede de liberdade de comunicação. Esse dispositivo constitucional encontra respaldo no Pacto de San Jose da Costa Rica, que estabelece a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de que o Brasil é signatário. O art. 13 desse Tratado Internacional prevê explicitamente a liberdade de imprensa como um vetor fundamental, alertando que eventuais restrições a esse importante princípio somente podem advir dos direitos e reputações alheias e da proteção à segurança nacional, sendo vedada, em qualquer caso, a censura prévia.
O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já alertou para a circunstância de que o ordenamento constitucional brasileiro não admite a figura da censura prévia. No caso de conflito entre a intimidade/privacidade/honra e a liberdade de imprensa, a segunda precede necessariamente a primeira no tempo. Eventual prevalência da primeira somente pode ocorrer em momento posterior.
É justamente desse contexto que emerge uma importante advertência do Ministro Celso de Mello, no sentido de que "A censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público". Trata-se de uma lição que alguns juízes brasileiros infelizmente ainda não aprenderam.
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* Marcelo Cama Proença Fernandes é doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília - UnB e mestre em Direito Comparado pela Universidade de Miami (LL.M.). É Procurador do Distrito Federal e advogado do escritório Proença Fernandes Advogados
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