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O tratamento previdenciário dos consórcios na construção civil

A emissão de matrícula, a responsabilidade pelas contribuições previdenciárias devidas e o cumprimento de obrigações acessórias são alguns dos pontos controvertidos da matéria.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Atualizado em 4 de dezembro de 2012 16:05

1. Introdução

Nos últimos anos, especialmente em obras de maior relevo, seja pela complexidade ou pelo vulto do empreendimento, empresas construtoras e prestadoras de serviço em geral têm adotado, como forma de melhor alcançar o resultado desejado, a composição de consórcios, o que gera, inevitavelmente, alguns questionamentos na esfera tributária e, em particular, quanto aos reflexos previdenciários.

A matéria sofreu alguma alteração com o advento da lei 12.402/11 e, internamente, o tema é abordado, em maiores detalhes, na Instrução Normativa RFB nº 971/09, a qual, dentro dos parâmetros gerais da legislação vigente, orienta a conduta do fisco federal. Aqui, a intenção é abordar somente três pontos controvertidos da matéria, que são a emissão de matrícula, a responsabilidade pelas contribuições previdenciárias devidas e o cumprimento de obrigações acessórias.

2. Matrícula CEI

Como se sabe, a lei 6.404/76, muito claramente, prevê que o consórcio não possui personalidade jurídica, sendo sua formação, nos termos da lei, um mero instrumento visando coordenar o esforço comum em determinado empreendimento.

Todavia, de forma a aprimorar o mecanismo e, em certa medida, incentivá-lo, a lei 12.402/11 vai além, não propriamente atribuindo personalidade ao consórcio, mas permitindo que este, em nome das empresas consorciadas, assuma obrigações variadas. Com isso, a contratação de uma obra pode, nos termos da legislação vigente, ser realizada diretamente pelo consórcio.

Com isso, a redação original da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, teve de ser alterada. De início, previa, unicamente, responsabilidade pela matrícula na obra, no caso de consórcio, à empresa líder. Com a mudança da Instrução Normativa RFB nº 1.238, de 11 de janeiro de 2012, passa a estipular duas situações.

Caso o contrato seja pactuado em nome das empresas consorciadas, e não pelo consórcio, a obrigação de matricular a obra ainda é da empresa líder. Todavia, na hipótese do próprio consórcio ser a parte contratada, caberá a este a abertura da matrícula CEI, e não a empresa líder. Essa é a principal inovação da IN RFB nº 1.238/12, pois não havia tal distinção anteriormente.

Naturalmente, tais questões somente tomam lugar quando o consórcio ou empresas consorciadas assumem a realização da obra mediante contrato de empreitada total, ou seja, quando assumem a responsabilidade integral pela execução do empreendimento1. Caso somente assumam determinadas tarefas, em regime de empreitada parcial, a responsabilidade pela matrícula será, a priori, do dono da obra.

Naturalmente, em razão dessa dupla possibilidade - empresa líder ou o próprio consórcio - a unidade da RFB responsável pela matricula irá variar, podendo ser aquela responsável pelo estabelecimento matriz da empresa líder ou do endereço do consórcio, respectivamente.

Outra consequência da nova disposição interna da RFB é que, anteriormente, a matrícula de obra executada por empresas em consórcio ficava vinculada, necessariamente, ao CNPJ de todas as consorciadas. Hoje, a matrícula poderá vincular-se ao CNPJ de todas as consorciadas ou, quando o responsável pela matrícula for o consórcio, ao CNPJ deste em conjunto com todas as consorciadas (art. 28, § 4º, IN RFB nº 971/09).

3. Solidariedade

De acordo com o art. 278, § 1º da lei 6.404/76, o consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

Ou seja, não poderia o fisco, sem previsão expressa, impor responsabilidades às empresas consorciadas por créditos tributários devidos pelas demais componentes do grupo. Por outro lado, havendo lei, e desde que respeitadas as normas gerais do CTN - especialmente quanto ao liame do responsável com o fato gerador - a sujeição passiva pode ser fixada.

É o que ocorre com a lei nº 12.402, de 02 de maio de 2011, a qual fixa que as empresas integrantes de consórcios respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no empreendimento (art. 1º).

Cabe notar que a responsabilidade das empresas não é integral, mas somente na proporção da participação. Por isso, o art. 152, X da IN RFB nº 971/09 deve ser interpretado com o devido cuidado. Internamente, o tema é disciplinado pela Receita Federal do Brasil na IN RFB nº 1.199, de 14 de outubro de 2011.

De forma a permitir a identificação da proporção da participação de cada empresa consorciada - e daí eventual responsabilidade - a IN RFB nº 1.199/11 prevê que cada pessoa jurídica participante do consórcio deverá apropriar suas receitas, custos e despesas incorridos, proporcionalmente à sua participação no empreendimento, conforme documento arquivado no órgão de registro (art. 3º).

Naturalmente, tal proporção de apropriação de receitas não servirá, unicamente, para identificar responsabilidades, mas para dimensionar o tributo devido pelas consorciadas e mesmo o regime de tributação a que se submetem.

De forma a permitir o controle e fiscalização de tais eventos, A empresa líder do consórcio deverá manter registro contábil das operações do consórcio por meio de escrituração segregada na sua contabilidade.

Para quem contrata a obra, a responsabilidade solidária também existe, na forma do art. 30, VI da lei 8.212/91. Como forma de elisão de tal encargo, é recomendável a previsão contratual da retenção de 11% sobre as notas fiscais e faturas, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212/91. Órgãos públicos e entidades beneficentes possuem tratamento diferenciado.

4. Obrigações Acessórias

De acordo com a lei 12.402/11, o consórcio que realizar a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, poderá efetuar a retenção de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas solidariamente responsáveis (art. 1º, § 1º). O mesmo dispositivo é repetido na IN RFB nº 1.199/11 (art. 2º).

Tal possibilidade é de grande interesse, pois permite ao consórcio, mesmo desprovido de personalidade jurídica, assumir a maior parte dos encargos previdenciários, incluindo os deveres instrumentais, como a elaboração de folha de pagamento e mesmo a GFIP.

Poderá ainda o consórcio efetuar os descontos das contribuições de empregados, avulsos e contribuintes individuais e, mais importante, reter e repassar o desconto sobre as notas fiscais e faturas de empresas prestadoras de serviço, quando devidas, nos termos do art. 31 da lei 8.212/91.

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1 Na definição da IN RFB nº 971/09, a empreitada total é aquela que é celebrada exclusivamente com empresa construtora, a qual assume a responsabilidade direta pela execução de todos os serviços necessários à realização da obra, compreendidos em todos os projetos a ela inerentes, com ou sem fornecimento de material (art. 322, XXVII, "a").

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* Fábio Zambitte Ibrahim é advogado do escritório Luís Roberto Barroso & Associados. É doutor em Direito Público pela UERJ, mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP; Coordenador e professor de Direito Previdenciário da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, professor da FGV Direito Rio

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