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La Mano del Pirata: STJD e a anulação do jogo Inter X Palmeiras

E agora? O que fazer quando o Direito entra em conflito com a Justiça?

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Atualizado às 07:50

Nestes últimos dias, muito se tem lido a respeito de uma polêmica bastante interessante. Além de envolver um jogo entre duas grandes equipes do nosso futebol, a questão invade a seara jurídica, fato que a torna incontestavelmente mais atrativa e de mais saborosa discussão.

Isso porque no dia 27 de outubro de 2012, no Estádio do Beira Rio, em Porto Alegre, Internacional e Palmeiras protagonizaram uma partida que pode entrar para a história do futebol nacional.

No transcorrer do jogo, após cobrado um escanteio a favor da equipe paulista, o atacante argentino Barcos subiu para cabecear a bola. Entretanto, na evidente tentativa de ludibriar a arbitragem, deu um soco na pelota e a direcionou para o fundo das redes. Gol do Palmeiras!

Teria o atacante palestrino se inspirado em Diego Armando Maradona, na Copa do Mundo do México, em 1986? No dia 22 de junho daquele ano, Argentina e Inglaterra se enfrentavam em jogo válido pelas quartas de finais da Copa do Mundo. O jogo estava 1 a 1 (Maradona já havia feito um gol antológico ao driblar meio time inglês) quando o camisa 10 hermano foi lançado e, em dividida com o goleiro, apesar de sua pouca estatura, deu um leve toque com a mão na bola, tirando-a do arqueiro e fez com que ela percorresse lentamente o caminho da rede, onde se aninhou. Vitória da Argentina que, segundo Maradona, somente aconteceu em razão da Mano de Dios (mão de Deus), fato até hoje louvado por nossos vizinhos hermanos1.

Voltando à partida Inter X Palmeiras, o árbitro do jogo validou o gol do Barcos, assim como seu assistente (conhecido popularmente como "bandeirinha") e os árbitros auxiliares, que ficam ao lado das traves e têm por função única enxergar os lances capitais ocorridos dentro da área. Porém, em razão de calorosa reclamação dos gaúchos, o árbitro espera para dar continuidade ao jogo, em uma clara comunicação com seus auxiliares para saber se, de fato, o gol foi válido ou não.

Finda a conversa (é possível saber com quem?), o apitador resolve invalidar o gol, marcando falta no lance. Talvez seja a prática do juízo de retratação na legislação futebolística. Pronto, foi semeada a discórdia.2

Muita reclamação por parte dos palmeirenses, que acabaram por perder o jogo por 2 a 1 e, por isso, fervorosamente lançaram o debate (muito válido, por sinal) no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, com sede no Rio de Janeiro.

O cerne da questão reside no seguinte ponto: existe uma regra da FIFA (entidade máxima do futebol) que veda, expressamente, a interferência externa na decisão do árbitro nas marcações durante uma partida de futebol. Vale dizer, ao juiz somente é lícito consultar os árbitros auxiliares, o quarto árbitro e o "bandeirinha" (repare que todos eles usam microfone) e mais ninguém. Aliás, já é muita gente para ser consultada.

O torcedor, após analisar as imagens, verifica claramente que o árbitro está se comunicando com alguém. A grande pergunta lançada pelos palmeirenses é essa: com quem estava falando o árbitro do jogo?

Esta dúvida surgiu porque uma repórter da Rede Bandeirantes de Televisão informou, ao vivo (durante a transmissão do jogo), que o delegado da partida, agente sem microfone, foi quem interferiu no lance: "Foi dito que foi mão pelo que se viu, e agora o delegado está perguntando para quem está fazendo a transmissão, se pelas câmeras de televisão vimos que foi gol"3.

Após essa divulgação, a CBF (entidade máxima do futebol nacional) foi instada a se manifestar pelo Procurador do STJD, Paulo Schmitt, e informou que quem avisou ao árbitro sobre o gol de mão foi o quarto árbitro da partida, que teria uma visão privilegiada do lance.

Logo, cabe ao Palmeiras provar, de algum modo, que houve interferência externa na decisão do árbitro de anular o gol. Provavelmente, irá se valer das declarações da repórter da TV Bandeirantes. A prova testemunhal, como sempre, continua tendo o prestígio que lhe conferiu o legislador e pode reforçar a pretensão do time paulista.

Porém, como já dito anteriormente, não se trata apenas de uma discussão regada à cerveja em um bar com os amigos após o término da rodada do "Brasileirão". A questão envolve princípios jurídicos que são analisados no cotidiano forense e cobrados nos bancos acadêmicos dos cursos de Direito, além de provas e concursos públicos espalhados pelo país.

Sendo assim, pode-se perfeitamente indagar se é justo anular essa partida em razão de um ato originariamente ilícito. Ou seja, vale anular o jogo em razão de um gol de mão e, consequentemente, beneficiar o infrator?

Alguns defenderão que deve ser respeitada a norma que veda a interferência externa. Uma vez que validado o gol foi proferida uma decisão por agente legitimado para tanto e o lance, apesar de ilegal, transfigura-se em legal. Pois bem, não deixam de ter razão. Mas não há como negar que ao se defender essa regra de direito, ofende-se a justiça do caso concreto, uma vez que a ilicitude empregada pelo infrator será privilegiada.

E agora? O que fazer quando o Direito entra em conflito com a Justiça?

Para Norberto Bobbio4, a justiça é a razão da norma (ratio legis) e, por isso, a interpretação e aplicação do Direito devem ser feitas de modo crítico, vale dizer, com uma valoração ideológica e não pura e simples.

Desta forma, percebe-se que deve prevalecer o sentido do Direito que mais se aproxima com o justo, posto ser essa a finalidade esperada por todos.

No mesmo sentido, tem-se um conhecido mandamento do advogado redigido pelo jurista uruguaio Eduardo Couture: Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, lute pela Justiça.

Também neste mesmo diapasão, encontra-se o conhecido brocardo jurídico: nemo turpitudinem suam allegare potest (a ninguém é lícito tirar proveito da própria torpeza). Quer-se com isto dizer que, neste caso concreto, não pode o Palmeiras se valer da própria torpeza (gol absolutamente ilegal) para pleitear a anulação do jogo. Evidente que, ainda que haja a interferência externa, esta jamais pode ser invocada pelo alegante, quando identificada sua torpeza.

De qualquer modo, o STJD vai julgar o caso muito em breve, e aí poderemos acalentar ainda mais a discussão. De um jeito, ou de outro, espera-se que o recente ídolo palmeirense, que vem se aplicando ao máximo para tirar o time da incômoda e delicada posição, não se torne o pirata da cara de pau.

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1 https://www.youtube.com/watch?v=gK2z5-cceP4

2 O lance acima descrito pode ser visualizado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=8C4-3zY80eU

3 https://espn.estadao.com.br/noticia/289985_cbf-isenta-delegado-em-anulacao-de-gol-do-palmeiras

4 Norberto Bobbio ; Nicola Matteucci; e Gianfranco Pasquino. Dicionário de Política. 12ª Ed. Editora UNB, 2004

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde e é reitor da Unorp





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