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Acordo de leniência - Possibilidade de expansão

Ari Marcelo Solon e Rebecca Zatz

O artigo analisa o instrumento jurídico da política de combate às infrações à ordem econômica.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Atualizado em 5 de novembro de 2012 12:48

Resumo

Esse artigo visa analisar o instrumento jurídico da política de combate às infrações à ordem econômica (Cartel), qual seja o Acordo de Leniência.

Designadamente, abordaremos a possibilidade ou não de expansão deste acordo para beneficiar mais de um acordante, tendo em vista que no Brasil tal prerrogativa somente é facultada ao primeiro que se dispuser, vedada aos demais após tal fato.

Passemos, então, ao núcleo da questão.

Palavras-chave: instrumento jurídico; infrações à ordem econômica; Acordo de Leniência; Extensão.

Introdução

A existência de legislação antitruste entre diferentes jurisdições indica que os mercados nem sempre são eficazes e, portanto, devem se submeter à regulamentação governamental.

É plausível asseverar que o motivo da intervenção antitruste atual é o restabelecimento das forças do mercado ou executar uma interferência preventiva de molde a evitar futuras perturbações nele. Tais como os cartéis.

Adequando nossa linha de raciocínio de acordo com os especialistas da política de defesa da concorrência, muitos são os motivos contra a existência de cartéis.

Assim por exemplo faz ver um relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ao denunciar serem, os cartéis, um dos principais motivos de drenagem econômica mundial, dentre estes, somente 10, isoladamente, dentre os cartéis internacionais condenados nos EUA foram responsáveis ??por sobrecargas e desperdício econômico de mais de $2 bilhões1.

Autoridades antitruste ao redor do mundo apresentam um problema comum: as dificuldades de detectar a existência do cartel e, logrando êxito, coletar evidências suficientes de sua prática anticoncorrencial a par dos danos originados ??por esses acordos ilícitos. Dadas as características dos acordos de cartel, a conclusão é a necessidade de mecanismos que ajudem à autoridades antitruste quebrar essas conspirações.

O acordo de leniência parece ser ferramenta adequada e respeitável para uso pelas autoridades afim de melhorar a detecção e comprovação da cartelarização. Trata-se de instrumento eficaz no combate dos cartéis, que, porém, como tendência nova, ainda carece de discussão suficiente, para poder melhorar seus resultados.

A única jurisdição com história significativa no uso deste instrumento são os Estados Unidos, embora esta diferença esteja sendo rapidamente superada pela Comissão Europeia.

O Cartel

A etimologia da palavra como tema de economia e de política é do alemão Kartell (1789) usado neologicamente por Eugen Richter (1838-1906), deputado liberal na Reichstag, para designar um grupo de industriais metalúrgicos que formaram uma associação com essas características2.

A formação de cartéis teve início na Segunda Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XIX.

Em contraste com a política agressiva contra cartéis, tal qual nos deparamos na atualidade, esta prática era tolerada e até encorajada, na maior porção dos países.

Helga Nussbaum, em seu livro "International Cartels and Multinational Enterprises"3, dizia a respeito da prática de cartel: "o sujeito se abstém dele (cartel), hoje, dizendo de forma genérica, por motivos políticos. Ele é a ajuda na suavização sobre as dificuldades econômicas criadas ou intensificadas pela guerra (segunda guerra) ou abrandamento das condições insalubres em países individualmente e do mundo" (Tradução nossa).

Durante a década de 1930, estimativas indicam que 30 a 40 por cento do comércio mundial era controlado por cartéis, especialmente empresas químicas europeias.

Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que as leis antitruste começaram a mudar, ainda sim lentamente. Em 1951 criou-se a European Coal and Steel Community (ECSC)4 é reflexo destas mudanças. A União Europeia, descendente direta da ECSC, em direção oposta, passou a adotar uma política contrária a tal prática. Isto mediante investigação agressiva acompanhada de multas expressivas na esperança de que a concorrência, em substituição à tal cooperação danosa vá integrar os mercados nacionais5.

Em que pese atualmente a diminuição no número de cartéis internacionais, comparativamente ao que ocorria antes da Segunda Guerra Mundial, as empresas, ultrapassando barreiras culturais e linguísticas buscam obter acordos e de molde a maximizar seus lucros.

Isto principalmente tendo em vista a queda das tarifas e o aumento dos acordos multilaterais, internacionais, que têm aumentado, acrescendo a lista de produtos sujeitos ao risco de sofrer preços indexados.

Perante este panorama, surgiu o Programa de Leniência criado para melhor controle e sucesso na supressão da atividade antieconômica

O Programa de Leniência

A Comissão Europeia aponta o programa de Leniência como: "Em essência, o Programa de Leniência oferece às empresas envolvidas em cartel - que se autodelatam e entregam evidências - ou imunidade total das multas ou a redução destas as quais a Comissão teria, em outra situação, que lhes impor. Ele também beneficia a Comissão, permitindo não só perfurar o manto do sigilo em baixo do qual cartéis operam, mas também para obter provas do ilícito. O Programa de Leniência também tem um efeito de dissuadir muito sobre a formação de cartel e desestabiliza as operação existentes semeando desconfiança e suspeita entre membros do cartel"6. (Tradução nossa)

O Programa de Leniência teve seu primeiro corpo criado nos EUA e em 1978. À época poucas empresas beneficiaram-se deste acordo e foram quase nulas as conquistas em deter o cartel. Em 1993, porém, ocorreu uma mudança radical no programa e em sua segunda edição a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA logrou muito mais êxito tendo em vista que com a referida reforma o acordo se tornou muito mais fácil de acessar e também mais vantajoso.

Uma das alterações foi que a Divisão Antitruste baixou o grau de discriminação das empresas participantes e, as empresas que logravam alcançar certos critérios, obteriam a anistia automaticamente. Ademais, mesmo os que não fossem o primeiro a denunciar e acordar com a Divisão, se trouxessem adições ao caso, também se beneficiariam do acordo.

Está ai, nesta transição, qual ainda não ocorreu no ordenamento brasileiro, o cerne desta altercação.

Em um discurso sobre "A Evolução da Execução Penal Antitruste ao Longo das Últimas duas Décadas" (The Evolution of Criminal Antitrust Enforcement Over the Last Two Decades), Scott D. Hammond, vice procurador geral adjunto de execução penal da divisão antitruste do departamento de justiça dos Estados Unidos disse: "Durante as duas últimas décadas, o cenário do combate ao cartel mudou drasticamente nos Estados Unidos e ao redor do mundo. No início de 1990, as sanções impostas em casos de cartel trazidos pela Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA não eram suficientemente graves e nosso Programa de Leniência Corporativo original não era efetivo. Nas últimas duas décadas, o mundo tem visto a proliferação de programas de leniência efetivos e as sanções crescentes por conta de delitos de cartel, um movimento crescente mundial para determinar que os indivíduos sejam responsabilizados criminalmente, e aumentar a cooperação internacional entre os julgadores e investigadores do cartel."7 (Tradução nossa)

Na Europeia, por sua vez, a leniência foi fundada em 1996 e esta é embasada em possibilidade da redução e até isenção de multas; mas, não implica em proteção contra eventuais processos criminais, pois não há crime, ou penalidades para a pessoa singular. Esse programa sofreu as primeiras alterações em 2002 com o fito de majorar o nível da transparência e a exatidão com relação à política de abatimento das penalidades. Assim, objetivando abraçar essa política considerada mais eficaz, buscaram obter critérios mais evidentes para aferir a real cooperação da companhia com relação a detecção do cartel pela autoridade investigatória.

Posteriormente, em 2006 a Comissão Europeia introduziu alterações mais algumas alterações objetivando aclarar e delinear qual a obrigação de colaboração das empresas lenientes, estabelecendo, para tanto, os elementos de evidências a serem apresentados ademais do comportamento de colaboração admissível perante a autoridade investigadora, para cumprir os requisitos necessários à concessão do acordo.

Assim como nos EUA, a Europa tem maior tolerância perante a participação de possíveis acordantes, a saber, empresas, que queiram participar do acordo. No sistema europeu, em suma, podem participar todas as empresas que fazem parte do cartel e, isto é, claro, com o benefício da ordem e participação.

O Directorate General for Competition, assim como o CADE, é responsável por toda a legislação antitruste, inclusive com relação ao cartel e o Programa de Leniência. Quanto à aplicação do programa, descreve-se, basicamente, as mesmas circunstâncias descritas na norma que encontramos no art.86 da Lei 12.5298.

Mas, a diferença entre os ordenamentos é substancial quanto a possibilidade de redução da multa para as demais companhias, posto que o primeiro aplicante obtém imunidade e os demais só podem participar obtendo redução da punibilidade.

Basicamente, as condições são:

Anistia da Multa: para a firma que confirmar um cartel antes do início da investigação e sem informação probatória suficiente; exibir evidência imperativa sobre a existência desse cartel; findar sua envoltura na atividade antes de se tornar notório o cartel; fornecer à Comissão todos os dados e documentos relevantes, sempre através da cooperação continuada; não ser o instigador ou ter sido parte basilar na atividade, nem ter empenhado outra empresa a tomar parte, se beneficiará da redução de no mínimo 75% da multa, podendo obter até a anistia.

Maior redução da multa: para a empresa que atender as condições supramencionadas e revelar a existência de cartel após a Comissão ter dado inicio a investigação irá se beneficiar da redução de 50% a 75% da multa.

Menor redução da multa: quando a empresa cooperar, mas não se emoldurar nas categorias descritas nas primeiras hipóteses, ela se beneficiará de uma redução de 10% a 50% da multa.

O Programa de Leniência no Brasil

Como funciona o programa de leniência no Brasil? Em primeiro lugar, ele teve início em nosso ordenamento em meados da década de 90, coincidindo com uma transição do Brasil para uma economia de mercado regulamentada.

Mas a regulação era falha em virtude de problemas existentes na própria atuação da Lei de Defesa da Concorrência, tais como a lentidão nas investigações, destinação de recursos para atos de concentração, quais não eram ameaça à concorrência, nem ao mercado, foi destinada pouca atenção ao combate aos cartéis, por assim dizer, e o mais abrasador, as autoridades não tinham recursos suficientes para prosseguir nas investigações e não mantinham a fidelização de seu "staff".

Existiram inúmeras discussões quanto à possível reforma da Lei por volta de 2000, mas foi somente em 2011 que a reforma de fato ocorreu. Ela veio em boa hora, tendo em visto a crise no mercado e 17 anos de desatualização. Porém, com a devida vênia, ainda esta muito aquém das necessidades mercatórias.

A crítica funda-se no fato da Lei somente aceitar para acordo o primeiro delator, o que é um vício, pois teria mais sucesso caso regulamentado como as leis dos EUA ou da Europa, como acima explanada.

A Expansão

Finalmente, chegamos ao núcleo do artigo, o qual visa a melhoria nas técnicas de controle do cartel como já exposto acima.

A proposta é simples, podemos manter a estrutura do Programa atual, qual seja, o dever do empresário (para obter a anistia) de se apresentar para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico; confessar e cessar a prática de cartel; identificar demais participantes do cartel; colaborar efetivamente com a investigação apresentar informações e documentos que comprovem a infração; a SDE não poderá dispor de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa; Benefício que poderá ser estendido a dirigentes e administradores.

A diferença restará na aplicação do Programa para os demais envolvidos no ilícito, no qual haverá uma extensão com base no modelo europeu: para a empresa que atender as condições acima e revelar a existência de cartel após a Comissão ter dado inicio a investigação irá se beneficiar da redução de 50% a 75% da multa. E quando a empresa cooperar, mas não se emoldurar nas categorias descritas nas primeiras hipóteses, ela se beneficiará de uma redução de 10% a 50% da multa.

Existem amplas discussões quanto a restringir ou não a candidatura das demais empresas. Votamos pela extensão do acordo pela lógica per se. Trata-se da evidente abrangência do Programa caso os demais possam se habilitar. As provas não logradas pelo primeiro, tendo em vista que pela premissa não será o núcleo da operação, poderá ser provida pelos demais cooperadores. Há um fechamento do ciclo investigatório, completo. Ademais, possibilita a maior instabilidade no cartel, tendo em vista que não haverá dúvida que todos ali poderão denunciar.

Na visão desse alvitre, uma empresa que possua empenho em cooperar com as investigações oferecendo subsídios e apresentando evidencias sobre a atividade ilegal, em troca da vantagem penal e redução da pena pecuniária, poderá fazê-la em três tempos, desde que preenchidos os requisitos.

Em termos estatísticos, o número de denúncias contra cartéis por parte de seus próprios participantes, após a reforma de 1993 nos EUA multiplicou-se para mais de 20 por ano e até então o início da década passada as multas aplicadas ultrapassaram cerca de US$ 1 bilhão9.

Na Europa10:

Conclusão

Sem maiores delongas, diante do exposto, podemos concluir que apesar da presente ascensão de nosso Programa que versa GABAN, "De acordo com o levantamento que fiz para o meu livro (Direito Antitruste: o Combate aos Cartéis - Ed. Saraiva) de 1994 até hoje, somente 30 processos julgados pelo CADE resultaram em condenação por prática de cartel, sendo apenas um derivado de acordo de leniência - espécie de delação premiada que permite ao infrator denunciar os coautores em troca da isenção de pena administrativa e criminal. Contudo, hoje há cerca de 300 investigações em andamento", ainda é escasso, comparando-se com os governos europeus e norte americano.

Sendo um país infantil em sua história, devemos procurar aprender com nossos irmãos mais velhos, portanto, há de se considerar nova possibilidade de reforma.

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1 https://stats.oecd.org/

2 https://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/pratica-de-carteis/11787/

3 Em "MULTINATIONAL ENTERPRISE IN HISTORICAL PERSPECTIVE 131-34" (Alice Teichova, Maurice Lévy-Leboyer & Helga Nussbaum eds., 1986)

4 https://heinonline.org/HOL/LandingPage?collection=journals&handle=hein.journals/intcon30&div=22&id=&page=

5 https://ec.europa.eu/competition/cartels/overview/index_en.html

6 https://ec.europa.eu/competition/cartels/leniency/leniency.html

7 https://www.justice.gov/atr/public/speeches/255515.pdf

8 https://us.practicallaw.com/0-517-4976?q=&qp=&qo=&qe=#a200643

9 Conferir GABAN, Eduardo Molan, p38.

10 https://ec.europa.eu/competition/cartels/statistics/statistics.pdf

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Bibliografia

FORGIONI, Paula. O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005.

SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial - as estruturas. São Paulo: Malheiros, 2007.

SANTIANGO, Luciano Sotero. Direito da concorrência - doutrina e jurisprudência. Salvador: Jus Podivm, 2008.

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* Ari Marcelo Solon é professor de Filosofia do Direito da USP e FADISP e advogado do escritório França Ribeiro Advocacia

** Rebecca Zatz é aluna do 8º semetre da FADISP - Faculdade Especializada em Direito

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