Breves considerações sobre a responsabilidade civil dos hospitais
Em casos de infecção hospitalar, se restar comprovado que o hospital tomou todas as providências de precaução e tratamento, não há como ele ser responsabilizado.
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Atualizado em 25 de outubro de 2012 14:31
Ao tomar conhecimento da notícia de que nos últimos seis anos as ações judiciais decorrentes de erro médico aumentaram mais de 200% em nosso país, não poderia me furtar de tecer algumas considerações sobre o assunto, em especial no que se refere a responsabilização da instituição hospitalar onde supostamente foi praticado o erro.
Primeiramente, cumpre esclarecer que a questão da responsabilidade civil dos hospitais não é tão simples quanto alguns pretendem fazer parecer. Não se pode presumir a culpa do Hospital, ou aplicar a teoria do risco empresarial, diante das peculiaridades que envolvem a natureza do serviço prestado.
Assim, mostra-se conveniente fazer uma demonstração analítica dos requisitos que têm de estar presentes para que se possa falar em responsabilidade civil dos hospitais e estabelecimentos de saúde.
A doutrina costuma estabelecer uma diferenciação entre responsabilidade contratual (decorrente do descumprimento de obrigação contratualmente estipulada) e responsabilidade extracontratual (aquela decorrente da prática de ato ilícito causador de prejuízo).
No primeiro caso (responsabilidade contratual), é imprescindível que haja, por óbvio, um contrato entre as partes (que pode ou não estar formalizado por instrumento), e que qualquer delas tenha descumprido qualquer das obrigações estipuladas. Além disso, é necessário que haja dano sofrido pela outra parte em decorrência do inadimplemento contratual.
Quando um paciente dá entrada em um Hospital espera-se que este preste os serviços necessários ao internamento, cabendo ao nosocômio, assim, fornecer os equipamentos, os medicamentos e os materiais utilizados durante o internamento, bem como as instalações para a realização de eventual cirurgia.
A obrigação do Hospital, pois, é classificada como sendo "de meio", cabendo a ele fornecer os meios necessários ao correto atendimento do paciente.
É que se entendermos que as obrigações dos médicos são de meio, é inafastável a conclusão de que quando o Hospital e seus agentes fornecem ao paciente o tratamento previsto na Ciência Médica, não há que se cogitar da prática de ato ilícito hábil a ensejar sua responsabilidade civil.
Ou seja, se o Hospital forneceu todos os meios adequados para a realização do ato cirúrgico e para o tratamento da paciente, não pode ser apenado por eventuais infortúnios ocorridos depois da cirurgia e que não decorram logicamente de erro médico ou deficiência na prestação dos serviços, não podendo se falar em responsabilidade por eventual dano verificado.
No caso de responsabilidade extracontratual (aquiliana) não existe contrato entre as partes. Uma delas pratica um ato, necessariamente ilícito (contrário à disposição legal), aplicando-se, então, o princípio de que ninguém deve infringir a lei e os princípios dela decorrentes. A lei estabelece que verificado o dano, haverá a obrigação de indenizar desde que presentes os requisitos da responsabilidade civil (culpa e nexo causal).
De qualquer forma, os requisitos para a configuração da responsabilidade civil aquiliana são: a existência de uma ação ou omissão, a culpa, o dano e o respectivo nexo de causalidade.
Cumpre destacar, ainda, que a pretensão de responsabilizar o Hospital de forma objetiva, independente de culpa, com base nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, merece ser analisada corretamente.
O Hospital, muito embora seja prestador de serviços, não responde por todo e qualquer evento ocorrido em suas dependências. Se assim o fosse, jamais receberia um paciente para cirurgia, na medida em que toda cirurgia implica, necessariamente, lesões corporais, de sorte que o Hospital teria de responder por danos estéticos causados aos pacientes, o que seria a nosso ver uma interpretação teratológica da Lei.
Como o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, §4º, dispõe que a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada nos termos da legislação civil (que dispõe que a vítima tem o ônus de comprovar a prática de ato ilícito, dano e nexo causal), evidentemente que a imputação de responsabilidade feita a Hospitais por atos ilícitos que teriam sido praticados pelos médicos também segue o mesmo regramento.
A correta interpretação da legislação é no sentido de que o Hospital responderá objetivamente, sem que haja necessidade de o paciente demonstrar a culpa do Hospital, quando for comprovada a culpa dos médicos. Restando provada a culpa do profissional liberal (médico), então o Hospital responderá solidariamente com esse pelos danos causados, independente de o Hospital, enquanto pessoa jurídica, tiver praticado atos culposos.
Assim, para que o Hospital possa vir a ser responsabilizado, é imprescindível a prévia comprovação da prática de ato ilícito por parte dos médicos. (vide STJ - RESP nº 908359/SC - 2ª Seção - Rel. Min. João Otávio de Noronha, julg. Em 27/08/2008)
Constata-se, pois, que pelo disposto no artigo 14, §4º, do Código de Defesa do
Consumidor, é necessária a comprovação da culpa do médico para que se possa cogitar em responsabilidade civil por erro médico, e somente depois de comprovada essa culpa é que se pode pretender responsabilizar o Hospital.
Além disso, mesmo que se entenda que o Hospital, na qualidade de prestador de serviços, responde objetivamente por danos causados aos pacientes (o que não se revela de acordo com o ordenamento jurídico em função do disposto no artigo 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor), é evidente que não se trata de responsabilidade solidária e sim subsidiária: somente se comprovada a culpa do médico é que se poderá responsabilizar o Hospital, e somente poderá ser exigida qualquer indenização frente ao
Hospital se o paciente demonstrar que o médico não possui patrimônio suficiente para arcar com a condenação.
Os médicos, assim como o Hospital, têm o dever de fornecer o serviço da melhor forma possível, exatamente como a ciência médica determina. Caso sejam observados estes procedimentos e, ainda assim, haja dano, este só pode ser imputado ao caso fortuito, mas não aos médicos ou ao Hospital.
Já no que se refere à responsabilização do nosocômio em decorrência do paciente ser acometido de infecção hospitalar, deve-se ter em mente que todo processo de infecção ocorrido dentro do Hospital será chamado de "infecção hospitalar", mas nem sempre essa infecção ocorre por fatos imputáveis ao Hospital.
Por exemplo: um paciente pode estar com plena saúde e ser internado para uma cirurgia estética. Como todo ser humano carrega em seu corpo germes, bactérias e vírus, é bastante possível que esse paciente sofra uma infecção depois da cirurgia, que sempre debilita o corpo. Entretanto, não se pode imputar a responsabilidade por esse fato ao hospital se esse forneceu todos os equipamentos devidamente esterilizados, mantendo perfeita assepsia em seu estabelecimento.
Para haver responsabilização por infecção hospitalar, pois, é necessária a prova de que a equipe médica não tomou os cuidados necessários para sua prevenção ou então que os médicos não agiram de maneira adequada para o tratamento dessa infecção.
A doutrina ensina que o Hospital pode ser responsabilizado pela infecção hospitalar quando esta decorre de condições de assepsia deficiente ou da ausência de cautelas idôneas para evitá-la. Somente nessas situações é que o Hospital pode se cogitar da responsabilização do Hospital, de modo que se faz necessária a prova desses fatos para a procedência do pedido indenizatório.
Assim, em nosso entendimento, apesar de grande parte da doutrina entender ser a responsabilidade do Hospital objetiva em casos de infecção hospitalar, se restar comprovado que o mesmo tomou todas as providências de precaução e tratamento de qualquer processo infeccioso ocorrido em suas dependências, não há como ser ele responsabilizado.
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* João Paulo Bettega de Albuquerque Maranhão é advogado especialista em Direito Empresaria'l pela PUC/PR, sócio do escritório Katzwinkel & Advogados Associados
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