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Néctar de Baco em risco

In tributum veritas: a polêmica salvaguarda à importação brasileira de vinho está próxima do fim?

Fabio Lobosco Silva

A polêmica salvaguarda à importação brasileira de vinho está próxima do fim?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Atualizado em 24 de outubro de 2012 12:54

Os apreciadores do néctar de Baco estão com seu etílico e saudável hobby em risco. Em 15/03/2012 foi publicado pelo Diário Oficial da União a Circular n° 9/20121 da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), órgão integrante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDCI) informando acerca da abertura de investigação para aplicação de salvaguarda às importações brasileiras de vinho.

As medidas de salvaguarda têm caráter urgente e temporário e são utilizadas quando o aumento de importação lícita de um determinado produto, em situação emergencial, causa ou ameaça causar prejuízo grave aos produtores nacionais de tal mercadoria2. Em uma forma simplificada, o escopo de tais mecanismos é aumentar transitoriamente a proteção à indústria doméstica com o intuito de recuperar sua competitividade frente aos produtos estrangeiros, seja restringindo a entrada de tais mercadorias, seja majorando impostos de importação ou retirando concessões tarifárias3.

O alicerce legal para aplicação de tais medidas consubstancia-se em documento internacional, qual seja a Ata Final dos Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, elaborada em 1994, recepcionada em nosso ordenamento pelo decreto 1.355/944 e pormenorizada pelo decreto 1.488/955.

Em seara vitis vinifera, a investigação iniciou-se em razão de petição protocolizada em julho de 2011 pelo Instituto Brasileiro do Vinho - IBRAVIN, União Brasileira de Vitivinicultura - UVIBRA, Federação das Cooperativas do Vinho - FECOVINHO e o Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul - SINDIVINHO perante o citado Ministério. De acordo com os peticionários, a partir de 2009, em razão da crise econômica mundial, os países produtores experimentaram um acúmulo de suas mercadorias e para diminuir seus estoques elevaram a exportação, praticando preços mais baixos e direcionando-as para países menos afetados pelo problema financeiro global, como foi o caso do Brasil. Por outro lado, acordos de desgravamento tarifário firmados com países do MERCOSUL também contribuíram para diminuir o valor e elevar o número de garrafas importadas.

Diane deste cenário, de 2009 a 2010 registrou-se em solo nacional um aumento de 27,8% das importações da bebida, enquanto que em tal período, de acordo com os peticionários, a participação de mercado das indústrias domésticas decaiu de 12,9% para 10,3%. Objetivando demonstrar a situação peculiar e emergencial do problema, referido documento elenca uma considerável quantidade de diversos indicadores (preços, taxas, custos, estocagem e etc.), demonstrando que em razão dos episódios narrados, os produtores brasileiros não atingiram o desenvolvimento econômico almejado e estão, portanto, sob ameaça de grave prejuízo.

Os importadores estão apavorados e furiosos com a possibilidade do imposto sobre o produto estrangeiro saltar de 27% para 55%. Seus argumentos são plausíveis: o baixo consumo do vinho nacional está atrelado à baixa qualidade da bebida e não à oferta do produto estrangeiro, em regra mais caro que o tupiniquim. Suscitam um falso alarde por parte do mercado nacional, pois de cada cinco garrafas consumidas pelo brasileiro, quatro são de procedência interna, explicando o crescimento de 7% da indústria doméstica apenas em 2011. Sustentam que os maiores prejudicados com tal medida serão os consumidores brasileiros, ao terem reduzido seu poder de escolha, e os pequenos produtores estrangeiros de qualidade, os quais desistirão do mercado do Brasil por não possuírem capacidade econômica para lidar com tal situação.

Importante lembrar que os vinhos internacionais sofreram recente revés com a Instrução Normativa n° 1.065/20106, da Receita Federal, a qual, após pressão da indústria viticultora interna, tornou obrigatória a utilização de selo de controle em todas as garrafas, sejam nacionais ou importadas. Para os produtores estrangeiros tal exigência representou um duplo custo, pois os produtos já eram selados em seus países de origem e, por força do dispositivo citado, devem agora ser novamente selados ao ingressarem em solo nacional. Entre acaloradas discussões e uma série de medidas judiciais propostas por comerciantes e importadores, ávidos por contornar o problema, quem sofreu foi o bolso do consumidor, obrigado a arcar com o notável aumento no preço da bebida.

Agora, diante desta nova ameaça os opositores a tais medidas protecionistas se mobilizaram democraticamente, aproveitando-se da tecnologia. Para manifestarem sua desaprovação ao aumento das restrições de importação, foi criada uma petição pública digital, com o intuito de angariar assinaturas e opiniões de consumidores, importadores, lojistas e demais interessados7.

Para saciar a ansiedade dos interessados, uma decisão sobre o assunto se aproxima. Isto porque, o processo MDIC/SECEX 52000.020287/2011-59, em trâmite perante o Departamento de Defesa Comercial (DECOM), da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), encerrou sua fase instrutória. Deste modo as partes já apresentaram seus argumentos e documentos, responderam aos questionários enviados pelo órgão, bem como foram por ele visitadas in loco. Após estes trâmites, realizou-se uma audiência de instrução e, posteriormente, decorreu um último prazo para manifestação escrita dos envolvidos. Deste modo, a demanda encontra-se em fase decisória.

Em que pese não haver previsão para tal decisão, segundo informações do próprio órgão julgador, esta não deve tardar. Caso a demanda seja julgada improcedente, a comunicação será feita pela própria SECEX, porém, em caso positivo, o julgamento será divulgado pela Câmera de Comércio Exterior (CAMEX), sendo que neste caso, em observância aos procedimentos legais, há necessidade de consulta perante a Organização Mundial do Comércio - OMC, para verificar se membros prejudicados desejam alguma forma de compensação, o que pode significar o prolongamento do debate.

Os apreciadores continuam com suas taças trêmulas, porém é necessário convir que vinho não é commodity, e não deve ser tratado como tal. Vinho é uma forma de expressão cultural carregada não apenas de uma complexidade de sabores e aromas, mas de história, geografia e ciência. A proibição de ler autores estrangeiros não tornará o brasileiro ávido pelas obras nacionais, apenas o privará de uma parcela significativa de conhecimento, restringindo seu horizonte intelectual, empobrecendo-o de experiências. De qualquer forma a guerra pelo vinho continua; porém, infelizmente, qual seja o resultado, os possíveis derrotados serão os consumidores.

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1 Disponível: https://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=76&data=15/03/2012

2 PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas Abusivas no Comércio Internacional. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 217.

3 BROGINI, Gilvan Damiani. Medidas de Salvaguarda e Uniões Aduaneiras. São Paulo: Aduaneiras, 2000, p. 252.

4 Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm

5 Disponível: https://www.planejamento.gov.br/hotsites/acervo_normativo/DECR-1995-1488.pdf

6 Disponível: https://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/ins/2010/in10652010.htm

7 Aos interessados: https://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2012N22143.

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* Fabio Lobosco Silva é advogado criminalista do escritório Trigueiro Fontes Advogados. É mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sommelier com formação pelo SENAC e pela WSET-Wine & Spirit Education and Trust

Trigueiro Fontes Advogados

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