Entraves práticos na escolha da câmara de arbitragem no âmbito das parcerias Público-Privadas
Há tempos discutem-se as mais diversas questões relacionadas às Parcerias Público-Privadas ("PPPs"), que consistem em um acordo de colaboração entre a Administração Pública e Agentes do setor privado para a prestação de serviços públicos, execução de obras públicas ou fornecimento e instalação de bens, por meio do qual a Administração Pública compartilha com os agentes os riscos do empreendimento.
quinta-feira, 29 de setembro de 2005
Atualizado em 28 de setembro de 2005 14:43
Entraves práticos na escolha da câmara de arbitragem no âmbito das Parcerias Público-Privadas
Antonio Henrique Monteiro*
Ocorre que, até o momento, pouco, ou quase nada, se discutiu acerca de questões de ordem prática envolvendo o método de solução de controvérsias previsto na Lei Federal e em algumas Leis Estaduais que tratam da PPP, a saber, a arbitragem.
Não se pretende aqui rediscutir questões acadêmicas acerca do instituto da arbitragem. Ao contrário, o presente artigo objetiva propor a discussão a respeito de questões de ordem prática, que podem ser enfrentadas pelos parceiros público e privado, no momento de um contencioso. A discussão aqui proposta foca-se mais especificamente na câmara arbitral que administrará as arbitragens institucionais entre a administração pública e o ente privado no âmbito das PPPs.
Em geral, os dispositivos das Leis de PPPs que tratam da arbitragem têm redação bastante similar. São explícitas ao facultar a utilização da arbitragem como método de solução de disputas. O artigo 11, inciso III, da Lei Federal de PPP (Lei nº 11.079/04), que serve de base para as legislações estaduais de PPP, assim dispõe: "o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive arbitragem, a ser realizada no Brasil, e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307/96, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato."
Vale notar as limitações impostas pelo dispositivo legal acima quanto (i) ao local da arbitragem, que deve ser necessariamente o Brasil; e (ii) ao idioma, que deve ser necessariamente o português. Além dessas, as legislações estaduais criaram outras limitações, como a necessidade de os árbitros estarem vinculados a instituições especializadas na matéria a ser então discutida.
Fato é que, não obstante as restrições acima mencionadas, nenhuma das Leis de PPPs faz referência à(s) câmara(s) de arbitragem que seriam responsáveis pela administração do procedimento arbitral, o que acaba criando um sem- número de discussões, notadamente de ordem prática.
Como é sabido, as partes podem optar por uma arbitragem ad hoc, inteiramente administrada e decidida pelo(s) próprio(s) árbitro(s), ou por uma arbitragem institucional, ou seja, que tenha o seu processamento administrado por uma câmara de arbitragem, e segundo as suas regras. A administração e supervisão de uma arbitragem constitui uma prestação de serviço tanto às partes quanto aos árbitros.
Tal serviço abrange o controle de petições e documentos submetidos pelas partes, o controle dos prazos a serem cumpridos pelas partes, o auxílio aos árbitros na coordenação de audiências e oitiva de testemunhas, podendo até chegar a servir como órgão de revisão dos aspectos formais da sentença arbitral, como ocorre na International Chamber of Commerce - ICC, e na Câmara de Arbitragem do Mercado - BOVESPA.
Sabe-se também que a administração pública deve observar o princípio da legalidade estrita, segundo o qual cabe à administração pública agir apenas sob o comando da lei e dentro dos seus limites. Por conta disso é que a administração pública não contrata serviços livremente, salvo nos casos expressos de dispensa e de inexigibilidade, como nas hipóteses dos artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666/93 ("Lei de Licitação").
A discussão que se propõe aqui é ponderar se as próprias Leis de PPPs (Federal e Estaduais) deveriam prever que a escolha da câmara de arbitragem administradora das arbitragens entre a administração e o particular fosse feita através de um processo licitatório, por se tratar de uma prestação de serviço, ou se a licitação estaria dispensada ou seria inexigível por se tratar de uma das hipóteses excetuadas pela Lei de Licitação.
Assumindo a hipótese de que um processo licitatório seria mandatório, na prática isso seria um tanto quanto difícil de implementar, pois exigir-se-ia do ente público que procedesse a uma licitação prévia para solucionar hipoteticamente a câmara de arbitragem a ser incluída no contrato a ser celebrado com o particular no âmbito de uma PPP.
Um outro aspecto prático a ser levado em conta para o caso de a licitação ser necessária refere-se ao fato de que tanto o serviço objeto de licitação quanto o preço serão, à época da licitação, incertos. Isso porque os serviços da câmara arbitral podem sequer ser necessários, caso não haja controvérsia oriunda ou relacionada ao contrato. Ademais, o preço dos serviços a serem prestados pela câmara arbitral, em sua grande maioria, depende de uma série de fatores que serão determinados apenas quando da instauração da arbitragem.
Ainda dentro do raciocínio de que a licitação seria exigível, uma outra questão que merece consideração refere-se à viabilidade de haver uma licitação que se processasse previamente aos contratos e que valesse para todos os contratos celebrados com entes privados no âmbito de uma PPP, dentro de um lapso temporal. Contudo, isso poderia resvalar no princípio da autonomia de vontade das partes, fundamental ao instituto da arbitragem, pois faria com que o particular se submetesse a uma câmara arbitral já pré-estabelecida e imposta pelo ente público.
Assumindo, por outro lado, que a licitação não seja necessária, a indagação que se coloca é com relação ao fundamento para a dispensa e inexigibilidade do processo licitatório. Examinando a Lei de Licitação, seria possível argumentar que a dispensa se daria por força do artigo 25, inciso II, pelo fato de os serviços prestados por uma câmara arbitral serem considerados "serviços técnicos", de natureza singular, feitos por empresas de "notória especialização". Para tanto, seria necessário evidenciar a notória especialização da câmara em vista do conceito conferido pelo artigo 25, § 1º, da Lei de Licitação.
Há também quem possa sustentar, no âmbito estritamente do direito arbitral, a tese de que as Leis de PPPs, ao autorizarem a administração pública a utilizar a arbitragem como método de resolução de disputas, já teriam autorizado, implicitamente, a livre escolha da câmara de arbitragem pela Administração Pública, dispensando-se um processo licitatório. Tal liberdade estaria em consonância com o princípio fundamental da autonomia das vontades das partes que rege o direito arbitral, mas parece basear-se em interpretação extensiva do texto legal, que não contém nenhuma autorização para seleção de câmara de arbitragem, que pode até mesmo ser ad hoc.
Nesse sentido, outras tantas questões de cunho eminentemente político poderiam surgir, uma vez que a prestação de serviços de administração de arbitragem, no âmbito das PPPs, é um nicho de mercado ambicionado por todas as instituições dessa área. A principal dificuldade, nesse sentido, residiria em como legitimar o ato do administrador público que opta pelas regras e administração da Câmara "x", ao invés da Câmara "y", igualmente capacitada para a prestação do serviço.
De uma forma ou de outra, a questão da escolha da câmara arbitral em um contrato entre a administração pública e os particulares no âmbito de uma PPP merece ser objeto de maiores discussões no meio jurídico, de modo que tanto o instituto da PPP como o instituto da arbitragem sejam compatibilizados, sem, contudo, ferir princípios do direito administrativo e/ou de direito arbitral.
Vale reiterar que o presente artigo não se destina a apresentar soluções, mas sim a fomentar a discussão acerca de um problema de ordem prática, que talvez não tenha ainda merecido a devida atenção por parte daqueles que estarão contratando nos moldes das Leis de PPP.
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*Advogado do escritório Mattos, Muriel, Pacheco, Kestener Advogados
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