As novas súmulas do TST e a insegurança jurídica
As novas súmulas criam obrigações até então inimagináveis, quebrando a previsibilidade e estabilidade dos contratos.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Atualizado em 16 de outubro de 2012 15:09
É sempre muito preocupante, quando - para defender um bom argumento, boas ideias ou boas intenções - instituições deixam de ser respeitadas, liberdades são desprezadas e tutelas são estabelecidas, tendo-se como premissa que os tutelados devem sofrer top-down uma interferência direta em suas liberdades, em razão da sua incapacidade em lidar com seus problemas (complexo do eterno adolesceste). Um subjetivismo exacerbado se estabelece, impondo uma perigosa e tênue fronteira entre a justeza dessa prática e a arrogância que dela pode ser aflorada, estabelecendo e criando-se com isso um risco jurídico-social altíssimo, de proporções imponderadas.
Estamos, resumida e inicialmente, aqui, destacando que - independentemente das boas intenções e até aplicabilidade temporal social - da prática adotada pela mais alta Corte Trabalhista do País, a promulgação das súmulas em destaque que, na prática, têm o papel de substituir uma atuação legislativa efetiva, democrática e própria do Poder constitucionalmente estabelecido (Poder Legislativo), em nome de um pretenso resguardo de proteção a um trabalhador que é tratado como "hipossuficiente" - praticamente um ser jurídico relativamente incapaz para tomar decisões que lhe afetam direta e pessoalmente -, abre caminho a uma trilha sinuosa e perigosa à mantença das garantias constitucionais.
Exagero?
Parece-nos, honestamente, que não. Vejamos:
O filósofo Deusen, discípulo de Schopenhauer, segundo o professor e constitucionalista Paulo Bonavides, escreveu há um bom tempo: "confesso que não me sinto bem numa expressão de que se valem homens inteligentes e bem-intencionados: o povo não está preparado para a liberdade, os servos de uma propriedade ainda não estão aptos para serem livres, e, do mesmo modo: os homens, em geral, não se acham amadurecidos para a liberdade de crença. Segundo tal concepção, nunca se alcançará a liberdade; pois pessoa alguma se capacitará para a mesma sem antes haver sido posta em liberdade (deve-se ser livre, a fim de que se possa convencionalmente utilizar na liberdade as próprias forças)".
Ora, se há uma regra clara, em especial, no que se concerne à pactuação de condições contratuais de uma relação de trabalho, onde os contratantes podem - dentro do que lhes é permitido por Lei - estabelecer parâmetros que lhes sejam mais adequados e possíveis no momento da contratação, como tolher-lhes essa liberdade? Não há como, no meio do caminho, depois de prévia e consensualmente serem estabelecidas as condições contratuais, ser-lhes impostas novidades (por quem, constitucionalmente teria o papel de julgar e não legislar), quebrando a previsibilidade e estabilidades contratuais, impactando a própria sobrevivência do contrato (e quiçá dos próprios contratantes!).
Já se disse, aliás, que a posição passiva em face da atuação pública nos faz súditos e não cidadãos. Univo-nos, portanto, nesta empreitada pela liberdade!
Nesse sentido, faz algum tempo que boa parte das discussões acerca da legislação trabalhista volta-se às questões ligadas à sua senilidade ou à famigerada defesa da necessária "flexibilização" dos direitos.
Há outras, não menos recorrentes, que concluem ser o custo da mão-de-obra o grande vilão das relações trabalhistas, que, por tirar a competitividade das empresas do País, é o principal responsável pelos altos índices de informalidade no país que, atualmente, respondem por cerca de 60% dos trabalhadores em atividade.
Entretanto, há uma questão tão importante (ou mais) quanto essas que, pouco tem sido discutida: a da insegurança jurídica.
O Direito, enquanto Ciência, em um Estado Democrático, como é o caso do Brasil, exerce o fundamental papel de organização do Estado, ou seja: é por intermédio Direito que a sociedade sabe (ou, ao menos, deveria saber) o que pode, ou não, ser feito; ou, ainda, o que é lícito e o que é ilícito.
A essa previsibilidade dá-se o nome de segurança jurídica e é a partir daí que a sociedade se estrutura.
O custo da mão-de-obra é sim uma grande dificuldade enfrentada pelo empresariado brasileiro, mas é algo conhecido com antecipação e, portanto, dimensionável.
Por outro lado, alterações jurisprudenciais (com viés legislativo) que, subitamente, criam obrigações até então inimagináveis, possuem um impacto muito mais danoso nas relações de trabalho, pois as empresas, surpreendidas, muitas vezes não têm condições de absorver esses impactos.
De um dia para o outro, com a edição de uma inesperada mudança de entendimento, acerca de determinado assunto, o Judiciário (Trabalhista, em especial) cria gigantescos passivos para o empresariado em geral.
Vale dizer: uma Empresa que pauta sua administração no mais rígido cumprimento dos contratos e das leis, da noite para o dia, passa a ser devedora de valores que, muitas vezes, têm potencial para comprometer sua própria continuidade.
Veja bem: a empresa não deixa de cumprir o que pactuou inicialmente - sem qualquer vício de consentimento - com seus empregados. Simplesmente a regra do jogo é alterada durante o seu andamento, sob o argumento de que alguém, com mais discernimento social daquilo que é 'melhor' ao trabalhador "relativamente incapaz", sob o manto de uma pseudo 'soberania', passa a lhe representar, no tocante às suas vontades, que não mais têm acento e reconhecimento na garantia (até então constitucional) de liberdade de expressão; manifestação de vontade; reconhecimento do ato jurídico perfeito...
Todavia, essa autonomia privada das partes (empresa e trabalhador), lastreada no poder de manifestação de sua vontade, consubstanciada num ato jurídico perfeito, à época da sua origem, não pode sofrer essa "ingerência representativa", pela mesma razão que não pode ser alienada: consiste ela essencialmente, como há muito destacou Montesquieu em seu clássico "Espírito das Leis", na vontade geral, e a vontade não se representa; ou é ela mesma ou é algo diferente, não há meio termo.
É importante destacar, que não estamos tratando sobre questões polêmicas, às quais, com alguma prudência, as empresas poderiam se antecipar à decisão e, de alguma forma, provisionar um possível passivo. Falamos aqui de questões cotidianas, com entendimentos jurisprudenciais pacificados e, muitas vezes, até mesmo "sumulados" que, repentinamente, são alterados.
Vejamos, de forma exemplificativa, algumas das alterações procedidas pelo TST, na revisão de Súmulas ocorrida recentemente, que, inovando ou mudando radicalmente entendimentos até então consolidados, tiveram grande repercussão nas relações de trabalho:
I. Súmula 244, III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art.10, inciso II, alínea b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
II. Orientação Jurisprudencial nº. 173, item II - Tem direito à percepção ao adicional de insalubridade o empregado que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3.214/78 do MTE.
III. Súmula 277 - CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho
IV. Súmula 378, item III - O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego, decorrente de acidente de trabalho, prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/1991.
V. Nova Súmula - AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE OU DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde, ou de assistência médica, oferecido pela empresa ao empregado, não obstante suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez.
VI. NOVA SÚMULA - DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato o empregado tem direito à reintegração no emprego.
O ex-presidente do TST, Almir Pazzianotto Pinto, analisando o Poder Judiciário Trabalhista, destacou que:
"nós temos, no Brasil, 1.500 Varas do Trabalho, 24 Tribunais Regionais e um Tribunal Superior do Trabalho. Eu fui presidente de lá por mais de 10 (dez) anos e aprendi que, em geral, cada juiz tem sua sentença, como cada juiz tem o seu código de processo."
Tudo isso, sem falar em alguns "fantasmas" que vêm ganhando força - como o da redução da jornada semanal de trabalho para 40 (quarenta) horas e a impossibilidade da realização de dispensa imotivada (Convenção 158, da OIT) - e andam por aí assombrando o empresariado.
Não por acaso e em meio a outros fatores, em recente publicação do Banco Mundial, o Brasil foi indicado como o 4º pior País da América Latina para se abrir uma empresa.
Enfim, o tema é da mais alta importância, merece ampla discussão e, em especial, um afastamento daquilo que podemos chamar de "medo estrutural" que essa "normatização jurisprudencial" tem criado, com uma filosofia de alienação dos direitos e franquias do estado, de natureza para estabelecer a investidura de uma autoridade sem limites. Temos, pois, que buscar uma libertação deste "medo", razão porque se tornam indispensáveis novas agendas e pautas de discussões governamentais, antes que sobrevenham mais e novas "surpresas", até porque, no final das contas, o interesse é de todos nós; de toda a sociedade (cravada e enraizada na democracia)!
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* Antonio Carlos Aguiar é mestre em Direito de Trabalho, sócio do escritório Peixoto E Cury Advogados, especialista em negociação sindical e administração de crise e professor do Centro Universitário Fundação Santo André e autor do livro Negociação Coletiva de Trabalho - [email protected]
** Carlos Eduardo Dantas Costa é advogado da área trabalhista do escritório Peixoto E Cury Advogados - [email protected]
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