A questão social bate à porta da Faculdade de Direito da USP
A ação da Guarda Civil Metropolitana ao expulsar os moradores de rua do entorno das Arcadas foi uma irracionalidade.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Atualizado em 5 de outubro de 2012 15:22
Em apoio ao ato, cumpre consignar.
O local destinado a uma instituição pública de ensino jurídico deve ser reservado à produção de conhecimentos voltados à compreensão dos problemas das relações humanas, buscando a normatividade necessária para a superação desses problemas, vislumbrados numa perspectiva evolutiva do sentido da condição humana.
No Estado Democrático de Direito Social as instituições públicas e privadas, regidas pela ordem constitucional, devem funcionar em favor da construção da justiça social, ou seja, da eliminação das desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas, constituindo aparatos físicos e abstratos para a formulação de racionalidades e de práticas destinadas a conferir a todos os cidadãos uma existência digna e ao corpo da sociedade uma convivência solidária e pacífica.
Assim, foi uma irracionalidade contrária aos projetos da construção de uma sociedade formada à luz do Direito Social a atitude de se utilizar a força do Estado para retirar das bordas de um prédio público, no qual se situa uma Faculdade de Direito, pessoas que foram alijadas das políticas públicas desse mesmo Estado e que encontraram naquele local uma forma precária de moradia, fazendo-o, inclusive, como ato político para transmitirem a mensagem da sua existência.
Retirar os moradores do local, sem a formulação de um projeto mais amplo de compreensão e de superação das causas da exclusão, efetuando-se, por conseguinte, apenas um deslocamento de pessoas, trata-se de uma negativa do Estado em assumir sua responsabilidade perante o problema. A Faculdade, acatando pacificamente a situação, demonstrar-se-ia imprópria para a formulação de saberes jurídicos necessários ao enfrentamento da questão social.
É preciso reverter essa situação, mas não para que volte ao que era, vez que isso representaria uma simples reivindicação em favor da persistência da injustiça social.
Reivindicar a retomada da ocupação do espaço em questão pelos moradores de rua é um passo importante, mas é preciso ir além.
Essencial que se passe ao momento da superação dos obstáculos físicos e mentais que separam as pessoas que estão dentro e fora do prédio. Relevante que não mais se tratem essas pessoas meramente pela fórmula abstrata e impessoal de "moradores de rua", embora a expressão tenha forte e importante conotação política. Necessitamos conhecer quem são, de fato, essas pessoas. Qual sua história de vida? Que dilemas e angústias lhes afligem? Poderemos, então, formular saberes e desenvolver práticas solidárias válidas para o caso e para a constituição do sentido de cidadania, visualizando esses efeitos como expressão necessária da vivência jurídica.
Nesse contexto, a iniciativa dos alunos da Faculdade ao tomarem para si a responsabilidade de enfrentamento do problema, não permitindo que a situação, que reflete mais uma forma de violência do Estado frente à questão social, ficasse despercebida ou que fosse vista como normal e necessária, merece aplausos. Em concreto, a sua atitude resgata a todos nós como seres humanos e restitui à instituição do Largo de São Francisco um pouco de dignidade!
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*Jorge Luiz Souto Maior é professor da Faculdade de Direito da USP
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