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Advogados e a nova lei de lavagem de capitais

Não cabe ao advogado o controle sobre a licitude da origem do dinheiro. Uma coisa é advogar, outra é praticar ou participar da infração penal.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Atualizado em 3 de outubro de 2012 12:11

Um tema inquieto e de difícil absorção é a modificação trazida pela nova lei de lavagem de dinheiro no que diz respeito ao seu alcance com relação aos advogados. A matéria não é nova e, tampouco, o são as críticas que se levantam à tentativa de colocar os advogados no banco dos réus. Para colocarmos as coisas no seu devido lugar, desde logo, é bom distinguir a conduta do advogado que age dentro do seu mister e, de outro, a conduta do profissional que se mistura com as ilicitudes praticadas pelo seu constituinte, deixando a posição de advogado para se tornar co-autor ou partícipe na atividade criminosa. Parece claro que nesta segunda hipótese não há qualquer divergência acerca do alcance que tem a norma. Aliás, alcance este que atinge qualquer profissional que pratique conscientemente atos próprios de "lavagem de capitais". Uma coisa é advogar, outra é praticar ou participar da infração penal.

Alguns pontos, no entanto, merecem atenção e cuidado. Com tanto esforço alcançamos nossa Constituição Cidadã e pudemos exercer direitos e garantias dentro de um Estado Democrático de Direito. Um dos pilares conquistados sem dúvida foi o direito à ampla defesa, do qual é corolário que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo invioláveis por seus atos e manifestações no exercício da profissão (artigo 133, da CF e 2º e seu §3º da lei 8.906/94). Assim, se, de um lado, "ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória" e, de outro, todos têm direito a uma defesa ampla e justa é inconcebível exigir que o profissional do direito no início da sua relação - pautada pela confiança - indague de seu constituinte a origem do dinheiro utilizado para pagamento dos honorários ou comunique às autoridades competentes diante de alguma "suspeita" da sua ilicitude.

Na relação advogado/cliente existe absoluta presunção de licitude da origem do dinheiro utilizado para pagamento dos honorários, sob pena de, desde logo, trair-se a confiança imprescindível à relação estabelecida. Parece evidente que não cabe ao profissional, que não tem qualquer função inquisitiva, perquirir no momento do pagamento dos honorários a origem do dinheiro. O mesmo vale, evidentemente, para o advogado que tenha sido procurado para defender alguém em um procedimento penal: a origem do dinheiro não é objeto de discussão na hora da contratação. Insista-se: a presunção de licitude ao lado do princípio constitucional da não-culpabilidade é absoluta.

Ademais, o sigilo profissional imposto ao advogado, mais do que a base da confiança que regula as relações é uma imposição ética estabelecida na lei 8.906/94 (artigo 34, inciso VII) e objeto de um capítulo próprio no Código de Ética dos Advogados (artigos 25 a 27), o qual funciona como verdadeiro norte na relação entre cliente e advogado. Isto sem dizer que é elementar típica do crime estabelecido no artigo 154, do Código Penal.

Veja-se, inclusive, que embora nas 40 recomendações do Grupo de Ação Financeira sobre o Branqueamento de Capitais haja referência expressa aos advogados, destaca a recomendação 16: "Os advogados, notários, outras profissões jurídicas independentes e os contabilistas, que trabalhem como profissionais jurídicos independentes, não estão obrigados a declarar as operações suspeitas se as informações que possuem tiverem sido obtidos em situações sujeitas a segredo profissional ou cobertas por um privilégio profissional de natureza legal".

O sigilo profissional, portanto, é preponderante na atividade do advogado, funcionando como a base de sua relação com o cliente, o qual é presumidamente inocente. O que o cliente diz ao advogado é como um fiel em confissão. A traição deste princípio atinge como uma foice o exercício pleno da defesa, o que não se pode admitir.

Não obstante a grandeza do argumento e dos princípios envolvidos, não se ignora que em alguns países, como na Alemanha, existem cada vez mais decisões condenando o advogado pela prática de lavagem de capitais como se lê do artigo publicado pela advogada Vivan C. Achorscher na Revista dos Tribunais 863/435. De outra parte, até no país do "liberté, egalité, fraternité", existe regra emanada do Conselho Nacional de Advogados da França que obriga que o advogado comunique às autoridades quando seu cliente estiver envolvido no crime de lavagem de dinheiro, a qual está sendo questionada perante a Corte Europeia de Direitos Humanos à vista da garantia da comunicação entre advogado e cliente.

Embora se compreenda que, eventualmente, existam casos em que o pagamento de honorários profissionais possa ser feito com dinheiro proveniente de crimes, estes devem ser vistos como exceção e não regra. Não se pode perder de vista que não cabe ao advogado o controle sobre a licitude da origem do dinheiro e que na briga entre o interesse público e o privado, nesta esfera devem prevalecer os valores e direitos mais caros ao cidadão que não podem ser soterrados desmedidamente: o direito de defesa e o da não-culpabilidade.

O advogado tem o direito de exercer livremente sua atividade profissional, sem ser presumido conivente com o crime eventualmente praticado por seu cliente além de receptor de dinheiro "sujo". A liberdade da advocacia e o exercício irrestrito da ampla defesa com a garantia do sigilo profissional são fundamentais à realização da Justiça e devem ser respeitados em um Estado Democrático de Direito.

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*Carla Domenico é advogada do Carla Domenico Escritório de Advogados

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